Ainda
sou do tempo em que o Mato Romão era mui alegremente batido nos primeiros dias
de caça pelos caçadores das redondezas, que, ao final do dia, dali traziam bons
coelhos pendurados ao cinturão!
Ainda
sou do tempo em que, pelo Verão, para o Mato Romão se faziam fogos reais da
artilharia de costa e eu ouvia os obuses (não sei se era assim que se chamavam…)
zunir por cima de minha casa em Birre, e no Mato Romão abriam crateras,
enquanto os aviões também faziam fogo para a ‘gurita’. E troava, façanhudo, o
«canhão de Alcabideche» e tínhamos de deixar as janelas abertas para os vidros
se não estilhaçarem com o forte sopro do tiro!
Ainda
sou do tempo em que um autarca quis planear para ali uma ‘cidade do cinema’ e o
Povo se alevantou, porque (argumentou-se veementemente) aquilo é Reserva
Ecológica Nacional, Reserva Agrícola Nacional, aquilo é dos poucos nichos
ecológicos da freguesia de Cascais, onde a passarada nidifica, as aves de migração
se acoitam, cobras e lagartos prosperam, nasce o Rio dos Mochos e onde, devido
à sua permeabilidade e aos carrascais que tem, se retêm as águas pluviais que
vão alimentar o nível freático e assim não vêm por aí abaixo a inundar Birre e
a bacia hidrográfica desse «rio» (assim o Povo lhe chama) até ao Parque
Marechal Carmona.
Ainda
sou do tempo em que, por via da tal ‘cidade do cinema’ e dando ouvidos a astutos
interesses imobiliários, até se quis prolongar a A5 até ao Guincho e o Povo
alevantou-se, gritou e o Executivo Municipal meteu a viola no saco e deixou o
caso a aboborar e até se esqueceu que precisava de pôr um termo condigno à
auto-estrada, depois de ter procedido, até, a uma série de expropriações dos terrenos
derredor.
Ainda
sou do tempo em que uma candidatura à Câmara ganhou a maioria por ter garantido
ao Povo que estancaria rapidamente e em força (para usar uma expressão bem
conhecida…) essa cegueira de construir, construir, construir e transformar o território
cascalense em mar de cimento armado, porque não havia água que chegasse,
ecologia que o permitisse, clima que o proporcionasse e até casas se tinham já
de sobejo!…
E
estou a ser do tempo em que, mais uma vez, olhos cobiçosos se lançam sobre o Mato
Romão, ali mesmo à saída da auto-estrada, com os ares da serra tão por perto e
o mar do Guincho assaz apetitoso… E até se poderia dar ali guarida a uma entidade
humanitária e cultural e respeitar índices previstos no Plano Director Municipal
e musealizar uma pedreira (!)…
Dizem-me
que há forças políticas que estão contra. Dizem-me que há mesmo uma petição a
correr na Internet; que já se escreveram artigos nos jornais, já se ouviram
opiniões pró e contra; que a discussão se mantém tão viva como aquela da Quinta
dos Ingleses; mas… argumentos há muito fortes!
E
o Mato Romão da minha infância e de minha velhice vai mesmo deixar de existir.
Guardarei
saudades do tempo em que, numa tarreta de cortiça, ali, por veredas e atalhos,
levava o almoço a meu pai.
Lembrarei
os tempos em que a rapaziada até ali ajudava a apascentar rebanhos de ovelhas e
de cabras.
Ficar-me-á
na memória o cheiro acre a trovisco, onde armava as ratoeiras às felosas
brancas Setembro afora.
Recordarei
o aroma das sacadas de bagas de zimbro que por ali apanhei e cujos tostões nos
serviam para um pirolito na taberna do Torretas ou na mercearia do David.
Sentirei,
de quando em vez, o sabor dos murtinhos silvestres de um cinzento arroxeado que
nos deliciavam…
Guardarei
saudades, lembrarei os tempos, recordarei os aromas… E estou a ser desse tempo
dos olhos cobiçosos…
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 53, 09-07-2014, p. 6.
Sem comentários:
Enviar um comentário