–
Não, filho, não foi! Tu imaginas o que é a vida daquele homem, de manhã à
noite, «Bom dia! Se faz favor!...», «Obrigado!», «Bom dia! Se faz favor!...»,
«Obrigado!»? O passageiro mostra o bilhete, sem um sorriso, nem sequer, por
vezes, olha para ele, o revisor põe maquinalmente o bilhete na máquina do
controle e… segue em frente. Milhares de vezes, se calhar, ele faz isso, sem
que o cumprimentem e lhe sorriam! Assim, hoje, ao final do dia, ele chega a
casa e, ao jantar, é capaz de contar aos filhos: «Hoje, houve um velhote que me
quis enganar e me entregou um bilhete da semana passada! Mas eu topei-o!».
Há
anos, vinha de carro com a rádio ligada. Era de manhãzinha.
–
Então, Amélia, ainda não há nenhum acidente?
Era
o locutor de serviço no programa, em que, como é habitual, se dá conta do
movimento rodoviário, para informar quem se desloca para o emprego. A Amélia
estava na redacção:
–
Não, está tudo normal. Acidente
nenhum!
Senti
que haveria no ar de ambos algo de enfastiado. Que maçada, uma manhã sem
acidentes!... Não tem piada nenhuma, não há nada para contar!
Lembro-me
de ter ouvido a Balbina aconselhar o amigo que ia casar:
–
Ouve lá! Quando já souberem tudo um do outro, como acordam, como se despem,
como dormem, e houver iminente perigo de canseira, mudem os hábitos, troquem as
mãos, façam trinta por uma linha!...
Lembrei-me
da Balbina outro dia, quando me apercebi que até o meu labrador não ia lá muito
à bola com os rituais e cada dia escolhia um roteiro para os nossos passeios
higiénicos. Abençoado!
E
veio mesmo a talhe de foice uma daquelas mensagens com que os amigos nos enriquecem a caixa do correio. Esta, porém, não era
nada despropositada e trazia uma série de recomendações para se adiar a chegada
do Sr. Alzheimer. Referia-se à ciência que dá pelo nome de Neuróbica e que tem
justamente como propósito «fazer tudo aquilo que contraria as rotinas,
obrigando o cérebro a um trabalho adicional»: pôr o relógio no pulso contrário;
vestir-se de olhos fechados; andar às arrecuas pela casa… Ora toma! N’As Aventuras de João sem Medo, de José
Gomes Ferreira, também há pessoas que andam de cabeça para baixo; acho que é
para terem as ideias mais frescas.
Mal sabia o autor que… tinha inventado a Neuróbica!...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 747, 01-02-2019, p. 10-11.
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