sábado, 16 de fevereiro de 2019

Perder tempo e morrer na miséria

                – O tempo é sempre curto; vamos então, sem perdermos mais tempo, ouvir…
            Chamou-me a atenção esta frase do locutor que, na manhã de 30 de Novembro do ano passado, entrevistava uma cantora na Antena Um.
            Estava eu a tomar o pequeno-almoço e escrevi de imediato a frase num dos papelinhos que sempre me acompanham como «auxiliares da memória». Peguei nele agora, para partilhar a sensação desagradável que então senti. «Perder tempo»? O locutor ter-se-á apercebido bem do que disse? Falar com a cantora era… perder tempo? Nesse caso, o que era para ele ‘ganhar’? Ouvir a canção?
            Recordo que, no dia anterior, numa assembleia em que se levantaram questões que um documento suscitara e que, no parecer do presidente, poderiam ser de interesse geral, houve uma voz que se ergueu:
            – Para a outra vez, fazem favor de estudar esse assunto antes, que é para nós não estarmos aqui a perder tempo com pormenores.
            E dei comigo a pensar no que significava, de facto, «perder tempo», quando me despertou o interesse um título: «Nobel morre na miséria».
            O artigo, de Dieter Dellinger, datado de 15 de Outubro, p. p., contava que o físico americano Leon Lederman, Prémio Nobel em 1988, «um dos pais dos Neutrinos, nomeadamente do Myon-Neutrino e também um dos construtores da teoria das partículas elementares», morrera na miséria aos 96 anos, no dia 3. E explicava:
Leon Max Lederman
            «O seguro de doença não cobria já as despesas médicas nem a estada numa casa para pessoas com a sua doença»; por isso, «teve de vender a sua medalha do Prémio Nobel, adquirida por favor pela sua universidade por 765 000 dólares e foi com essa quantia que se manteve nos últimos dez anos de vida».
            Perguntei-me, alfim: será que Leon Max Lederman passou a sua vida a… perder tempo? E o que significa mesmo «perder tempo»? Não constitui essa frase mais uma daquelas visões negativas do nosso existir tão bem compendiada igualmente na frase assaz repetida no nosso quotidiano «Não tenho tempo, não tenho tempo!»?…
            Não resisto, pois, a citar de novo o meu autor de cabeceira, Michel Quoist:

            «Não digas a quem te visite: “Só posso receber-te por um instante, não te mando sentar… etc…”, enquanto o recebes um quarto de hora ocupando-te de outra coisa. Manda-o sentar e atende-o dez minutos, calmamente, dando-lhe a impressão que lhe dedicas todo o teu dia».

                                    José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 748, 15-02-2019, p. 10.

2 comentários:

  1. Joao Paulo Gomes
    Bom texto...como sempre! Faz-me recordar uma "passagem" dum poema que escrevi sobre o dinheiro e como há quem diga que tempo é dinheiro, acho que se enquadra...
    "Ninguém perde o que não tem
    Ninguém tem o que perdeu
    Há quem se perca não tendo
    E outros tendo ainda se perdem"

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  2. Ana Teresa
    Os Estados Unidos são excelentes para a promoção do avanço científico mas horríveis na hora do apoio social.

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