quarta-feira, 2 de março de 2016

Teatro, palco da vida

             Realizou-se, em 2001, o III Festival de Teatro de Tema Clássico, de que a Liga de Amigos de Conimbriga (muitos dos espectáculos ocorreram nessa cidade romana) editou um catálogo, de 36 páginas, com textos de António dos Santos Queirós e José Ribeiro Ferreira. Destinado, de modo especial, ao público escolar, o festival mostrou como as angústias e o pensar de outrora continuam, afinal, bem vivos no nosso quotidiano.
Conimbriga, Maio de 2001, uma cena d'«As Troianas», pelo Grupo «Balbo» de Cádis
            Uma das peças representadas foi «As Troianas», de Eurípedes, interpretada pelo Grupo «Balbo» de Cádis, peça que exalta «os grandes sofrimentos que viveram, como já dizia Homero, “as mulheres de belas tranças”». E dela, além da «distribuição das figuras», apresenta-se no catálogo um resumo do argumento, explicitando que «as mulheres dos troianos mortos na guerra aguardam para ver que destino as espera, enquanto a sua cidade está prestes a consumir-se nas chamas». A figura principal é a rainha-mãe, Hécuba, a quem um mensageiro vai trazendo as novidades: os chefes do exército inimigo cometem atrocidades umas atrás das outras, até que ele próprio executa a ordem de morte do netinho de Hécuba, «despenhando-o das torres de Tróia». O choro desesperado de Hécuba junta-se, pois, no final, ao estrépito dos edifícios a desmoronarem-se.

«As Troianas» em Cascais
            Esta tragédia, clássica, foi também levada à cena pela companhia Palco 13, no Auditório Fernando Lopes Graça, em Cascais; por isso a ela me quis referir, pois tive ensejo de assistir ao último espectáculo, a 20 de Dezembro, p. p. A encenação coube a um ex-aluno da Escola Profissional de Teatro de Cascais e o elenco era constituído maioritariamente, se bem compreendi, por colegas seus.
            Apreciei o espectáculo, quer do ponto de vista teatral no seu conjunto (encenação, interpretação, movimentação de actores, cenografia…), quer no que respeita à sua acutilante oportunidade, uma vez que as sangrentas guerras que estão a travar-se – por sinal, num ambiente geográfico muito próximo do que foi o da Tróia antiga – provocam cenas tão ou mais lancinantes do que aquelas que Eurípedes imaginou, até porque, hoje, a atrocidade é ainda maior.
            Mas eu escrevi «se bem compreendi». É que se me afigura que poderia ter sido facultada aos espectadores uma só folhinha que fosse, com uma síntese do argumento e, também, com a distribuição dos papéis – para que constassem os nomes de quantos tão briosamente ali puseram de pé uma peça nada fácil pelo enorme dramatismo que encerra. E todos andaram muito bem. Só não sei quem eles eram. E, se não tivesse um mínimo de informação sobre Eurípedes e sobre a Guerra de Tróia, tudo aquilo poderia ter sido para mim algo de inexplicável.
            Dir-se-á: tudo é feito com pouquíssimos recursos. De acordo. E posso estar errado; creio, porém, que, apresentado o projecto dessa folha a uma entidade pública ou privada, a troco de publicidade aí inserida (mais não fosse do género «a edição desta folha só foi possível graças ao apoio de…» e vinha o logótipo!), certamente se disponibilizariam os parcos euros que tal iria custar.

O Teatro Maria Helena Torrado
            Sob a alçada do Bairro dos Museus, o Auditório Fernando Lopes Graça tem acolhido estas propostas, nomeadamente da companhia Palco 13. Louve-se a iniciativa, ainda que, a meu ver, maior promoção há de requerer-se, para que as sessões continuem a estar esgotadas sempre que nova peça volte a estar em cena.
            E essa preocupação em fomentar o gosto pelo teatro levou-me a recordar outra sala de Cascais, até porque me saltou, outro dia, do meio dos papéis, um recorte do Jornal da Região de 9-7-2003, em que vem a foto de Ricardo Carriço e de Maria Helena Torrado, aquando da sua tomada de posse como membros da Academia de Letras e Artes. Criaram ambos, na Rua Freitas Reis, um espaço, que tem hoje o nome de Helena Torrado, em homenagem à escritora que tão cedo nos deixou. Aí tive ocasião de ver, em Junho de 2012, a peça musical infantil «Mãe Natureza», um original da própria Helena, representado pelo Grupo de Teatro Confluência. Que se prevê agora para lá?
            É o teatro, palco da vida, a Vida em palco. Uma forma de mais facilmente consciencializarmos o que nos está a acontecer. Por isso, mais teatro… precisa-se!

                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 129, 02-03-2016, p. 6.

Post-scriptum (a 3 de Março às 19:18 h, incluído como comentário infra): Chamaram-me a atenção - e bem - para um lapso: o espectáculo «As Troianas» não foi da companhia Palco 13. Cá está a falta de informação de que eu me queixo no texto. Se tivesse, porém, ido à página da CMC, teria visto - e para ela, mui gentilmente, me remeteram e eu remeto agora, com um agradecimento aos responsáveis da Palco 13 pelo esclarecimento: http://www.cascais.pt/evento/troianas-choro-de-uma-guerra .

2 comentários:

  1. Por vezes o único aparente obstáculo é vislumbrar «mandantes» que conservem, ainda e no seu desempenho, elementar noção do que é Vida e, assim, contribuírem para a sua exaltação, a bem de todos... e, então, da própria Vida.

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  2. Chamaram-me a atenção - e bem - para um lapso: o espectáculos «As Troianas» não foi da companhia Palco 13. Cá está a falta de informação de que eu me queixo no texto. Se tivesse, porém, ido à página da CMC, teria visto - e para ela, mui gentilmente, me remeteram e eu remeto agora, com um agradecimento aos responsáveis da Palco 13 pelo esclarecimento: http://www.cascais.pt/evento/troianas-choro-de-uma-guerra

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