domingo, 18 de junho de 2017

Atanchar os dentes

             – Bolas! O diacho do cão atanchou-me bem os dentes nas canelas, o alma do diabo! Se eu deixasse, até os ossos ele me tarrincava! Cão político!... Lá lhe consegui dar uma trolitada valente e lá foi ele calhincando por i fora!
            Pois! Exemplos, Ti Afonso, exemplos!...
            Há muito que não ouvia qualquer dos termos e valerá a pena ver bem que significam e donde vêm. Vamos primeiro ao atanchar e, de caminho, tarrincamos também. Calhincar não queremos – até porque deve ser vocábulo onomatopaico, que o canito deve ter saído dali «caim», «caim», «caim!»… de rabinho entre as pernas… Também do adjectivo «político», como se o bicho defendesse o seu território, os seus interesses, com unhas e dentes… bem, essa é outra conversa e deixemos o velhote lá na sua, que porventura poderá ser a de muitos. Adiante!
            Fixemo-nos, então, no atanchar. O «a» inicial, já se sabe, é como no «amandar», um «a» que a gente põe para dar mais força; chama-se, em gramática (ou chamava-se…), um prefixo, este de uso popular, um «a» protético! Agora imagine-se que «tanchar» vem do latim «plantare», que deu, no português medieval, «chantar». E depois? O povo gosta muito de simplificar as palavras, um tudo-nada troca-tintas (diríamos…); e chantar custava muito a dizer, vamos lá trocar as sílabas – e deu tanchar (chama-se a isto uma… metátese!). Tanchão é, por exemplo, a estaca de árvore que se atancha no chão para pegar!
            Tarrincar, por seu turno, corresponde, claro, na voz do povo, a trincar. Mas, aqui para nós, em relação aos tais de que falávamos, não apetece mesmo dizer que eles nos tarrincam os ossos e até nos sugam o tutano?!..
                                                           José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 221-222, Junho-Julho de 2017, p. 10.

3 comentários:

  1. Julia Fernandes 18/6 às 14:20
    Gostei e não conhecia a palavra atanchar. De vez em quando devíamos ir ouvir velhotes fora das cidades enquanto eles se lembram destas preciosas antiguidades da nossa língua. Um abraço, José.

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  2. Neyde Theml 18/6 às 15:38
    Muito boa explicação. Ninguém mais fala palavras diferentes. A maioria emprega, no máximo, três palavras por frase, sendo uma gíria e a outra um palavrão. O universo ficou reduzido aos poucos vocábulos que conhece. Ontem, uma jovem tocava a campainha do meu vizinho. Ao ver-me, perguntou se era o 507. Eu disse: nesta ala são números pares. Ela arregalou os olhos e não sabia o significado de ala e nem de pares. É possível? Ala é de escola de samba e pares é um casal!!! Não adiantou explicar, tive que levá-la ao porteiro para encaminhar corretamente. Bem, chega de conversa. Bom dia e tudo de bom para você!

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  3. Carla Santos Brito 18/6 às 18:37
    Estamos sempre a aprender! Atanchar! Atracar/ ferrar/ cravar/ Fincar, mas esta é nova!

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