quarta-feira, 14 de junho de 2017

Um prémio para a história de Cascais

            No final da tarde do dia do município, 7 de Junho, foi dado a conhecer, no pátio da Casa Sommer, o resultado do concurso bienal lançado pelo Município: um desafio a que se apresentasse o resultado de investigações levadas a efeito sobre a multissecular história cascalense.
            Havia um sol radioso, bom pretexto para o Município nos obsequiar com um chapéu de abas largas, como de ceifeira alentejana ou, se mais revirado, réplica dos usados por outros heróis, os do Far-West, que fizeram as delícias da nossa juventude.
            Tem o prémio Ferreira de Andrade como «patrono», na medida em que se deve a este publicista. Perdoar-se-me-á se assim o classifico, porque, na verdade, foi essa a sua principal actividade, embora aqui o referenciemos pelo monumental e inesgotável volume Cascais – Vila da Corte (Seis Séculos de História), publicado em 1964 e cuja versão digital está hoje disponível, assim como o está o livro dos seus índices e suplemento (1964-1972), editado em 1975, auxiliar indispensável (que me seja perdoada a aparente presunção) para a sua consulta proveitosa.
            Explico-me.
            Embora tenha procurado seguir, tanto quanto possível, uma ordem cronológica, Ferreira de Andrade não hesitou em, sempre que a oportunidade surgia e o documento compulsado o facultava, ‘esquecer’ a cronologia e dar conta dos elementos encontrados, mesmo que fossem doutro período; por isso, o livro com os vários índices acaba por fornecer a ordem que até a inexistência dum índice geral requeria.
            Faz-se a história com documentos – escritos ou materiais (edifícios, objectos, paisagens…). Cumpre construir, porém, uma narrativa em que esses elementos – mercê da maior ou menor experiência do historiador – se devem entrelaçar. Não há uma história local desgarrada da história regional; a região não está isolada do País; o País não está isolado do Mundo. E cada vez mais assim é!
            Louve-se, por esse motivo, o meticuloso trabalho que, sob a mui proficiente orientação do Doutor João Miguel Henriques, ora é possível concretizar nas novas instalações do Arquivo Municipal, dada a sistemática recolha e tratamento dos fundos arquivísticos de instituições e até, assaz louvavelmente, de pessoas singulares. Ainda outro dia me contaram de pastas de arquivo e de livros atirados para junto de um ecoponto e que assim levaram descaminho; podiam não ter qualquer interesse; mas, hoje, que temos protocolos com bibliotecas das nossas ex-colónias, sedentas de bibliografia, deitar fora livros em bom estado quase se poderia classificar de crime. E tremo ao recordar que do lixo se recuperou boa parte do espólio de Michel Giacometti!...
            Assim, alguns dos cinco trabalhos agora apreciados pelo júri – pelo significativo acervo de documentação cuidadosamente apresentado – poderão vir a servir de base a outros estudos em que a integração na história da sua época, a nível mais global, venha a ser concretizada.
            Significativa foi também, reatando o que atrás se referiu, a inauguração, que se seguiu, de uma exposição sobre a obra do arquitecto Silva Júnior, fruto do ajustado tratamento que teve a doação feita ao Município de importante espólio deste consagrado artista por parte da quase secular Casa do Alentejo, de Lisboa. De resto, a vice-presidente da Direcção da Casa teve oportunidade de nos guiar numa visita virtual aos recantos deste magnífico palácio lisboeta que vale, de facto, a pena visitar, até pelas constantes iniciativas de âmbito cultural que lá são levadas a efeito.
Jorge Freire
            Como foi noticiado, o 1º prémio do concurso foi concedido ao mestre Jorge Freire, que apresentou a sua dissertação de mestrado, fruto do muito trabalho que tem concretizado, em estreita colaboração com o Museu do Mar, no reconhecimento e protecção da Paisagem Cultural Marítima de Cascais. À tese de doutoramento de Guilherme Cardoso, que exaustiva e ordenadamente dá conta dos resultados obtidos nas escavações da villa romana de Freiria, na impossibilidade de haver prémios ex-aequo, foi concedida uma menção honrosa. A ambos, o meu abraço de parabéns, além do mais porque foram ambos meus estudantes – e tenho orgulho natural nisso!

 José d’Encarnação
 
           Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 191, 14-06-2017, p. 6.
                                                         
 
Jorge Freire em plena actividade de arqueologia subaquática
 

5 comentários:

  1. Aurora Martins Madaleno 14/6 às 23:52
    A seguir ao 25 de Abril também tive a preocupação de recuperar e proteger arquivos que já estavam para seguir esse mau caminho. Tive oportunidade de o fazer e ainda bem.

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  2. Ana Maria Alves Gonçalves 15/6 às 5:46
    Perfect





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  3. Teresa Silva, 15/6 às 8:22
    Sempre houve muito descuido, para não usar usar termos mais fortes, em certas limpezas entregues a quem tinha outros objetivos na vida que não valorizar o legado escrito. Pior ainda é que hoje verifico, nomeadamente nos "polos do saber", que os bibliotecários e os técnicos de biblioteca estão a ser progressivamente desautorizados... extinguem carreiras que exigiam formação técnica específica, não capitalizam a aquisição de livros, esquecem as bibliotecas nos planos estratégicos e de gestão... enfim o que vejo hoje nas escolas superiores é que as bibliotecas são quase tudo um local para estudar quando há exames e onde há "net". E os docentes do mesmo modo! A biblioteca tem sarna... muito triste!

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  4. Jorge Freire 15/6 às 14:32
    O orgulho é mútuo, orgulho por ser aluno de Coimbra, orgulho por ser seu aluno! Bem haja, um forte abraço!

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  5. Lucinda Ferreira Ferreira 16/6 às 15:34
    Sabe, querido Professor, o que acontece é que, quando alguém deixa este plano, as pessoas, os familiares estão desejosos de se desfazer de tudo, porque os incomoda e nada respeitam! Eu já vi coisas no lixo que me deixam doente. Houve alturas em que apanhei, mesmo para dar a quem precisa, depois de limpo. É muita leviandade, falta de respeito, irreflexão. ignorância e outras loucuras de quem não ama nem o sangue nem a cultura... Nada. Sinto muito o que contou... Beijos!

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