Havia
um sol radioso, bom pretexto para o Município nos obsequiar com um chapéu de
abas largas, como de ceifeira alentejana ou, se mais revirado, réplica dos
usados por outros heróis, os do Far-West,
que fizeram as delícias da nossa juventude.
Tem
o prémio Ferreira de Andrade como «patrono», na medida em que se deve a este
publicista. Perdoar-se-me-á se assim o classifico, porque, na verdade, foi essa
a sua principal actividade, embora aqui o referenciemos pelo monumental e inesgotável
volume Cascais – Vila da Corte (Seis
Séculos de História), publicado em 1964 e cuja versão digital está hoje
disponível, assim como o está o livro dos seus índices e suplemento (1964-1972),
editado em 1975, auxiliar indispensável (que me seja perdoada a aparente
presunção) para a sua consulta proveitosa.
Explico-me.
Embora
tenha procurado seguir, tanto quanto possível, uma ordem cronológica, Ferreira
de Andrade não hesitou em, sempre que a oportunidade surgia e o documento
compulsado o facultava, ‘esquecer’ a cronologia e dar conta dos elementos
encontrados, mesmo que fossem doutro período; por isso, o livro com os vários
índices acaba por fornecer a ordem que até a inexistência dum índice geral
requeria.
Faz-se
a história com documentos – escritos ou materiais (edifícios, objectos,
paisagens…). Cumpre construir, porém, uma narrativa em que esses elementos –
mercê da maior ou menor experiência do historiador – se devem entrelaçar. Não
há uma história local desgarrada da história regional; a região não está
isolada do País; o País não está isolado do Mundo. E cada vez mais assim é!
Louve-se,
por esse motivo, o meticuloso trabalho que, sob a mui proficiente orientação do
Doutor João Miguel Henriques, ora é possível concretizar nas novas instalações do
Arquivo Municipal, dada a sistemática recolha e tratamento dos fundos
arquivísticos de instituições e até, assaz louvavelmente, de pessoas
singulares. Ainda outro dia me contaram de pastas de arquivo e de livros
atirados para junto de um ecoponto e que assim levaram descaminho; podiam não
ter qualquer interesse; mas, hoje, que temos protocolos com bibliotecas das
nossas ex-colónias, sedentas de bibliografia, deitar fora livros em bom estado
quase se poderia classificar de crime. E tremo ao recordar que do lixo se
recuperou boa parte do espólio de Michel Giacometti!...
Assim,
alguns dos cinco trabalhos agora apreciados pelo júri – pelo significativo
acervo de documentação cuidadosamente apresentado – poderão vir a servir de
base a outros estudos em que a integração na história da sua época, a nível
mais global, venha a ser concretizada.
Significativa foi
também, reatando o que atrás se referiu, a inauguração, que se seguiu, de uma
exposição sobre a obra do arquitecto Silva Júnior, fruto do ajustado tratamento
que teve a doação feita ao Município de importante espólio deste consagrado
artista por parte da quase secular Casa do Alentejo, de Lisboa. De resto, a
vice-presidente da Direcção da Casa teve oportunidade de nos guiar numa visita
virtual aos recantos deste magnífico palácio lisboeta que vale, de facto, a
pena visitar, até pelas constantes iniciativas de âmbito cultural que lá são
levadas a efeito.
Jorge Freire |
Como
foi noticiado, o 1º prémio do concurso foi concedido ao mestre Jorge Freire,
que apresentou a sua dissertação de mestrado, fruto do muito trabalho que tem
concretizado, em estreita colaboração com o Museu do Mar, no reconhecimento e
protecção da Paisagem Cultural Marítima de Cascais. À tese de doutoramento de
Guilherme Cardoso, que exaustiva e ordenadamente dá conta dos resultados
obtidos nas escavações da villa
romana de Freiria, na impossibilidade de haver prémios ex-aequo, foi concedida uma menção honrosa. A ambos, o meu abraço
de parabéns, além do mais porque foram ambos meus estudantes – e tenho orgulho
natural nisso!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 191, 14-06-2017, p. 6.
Jorge Freire em plena actividade de arqueologia subaquática |
Aurora Martins Madaleno 14/6 às 23:52
ResponderEliminarA seguir ao 25 de Abril também tive a preocupação de recuperar e proteger arquivos que já estavam para seguir esse mau caminho. Tive oportunidade de o fazer e ainda bem.
Ana Maria Alves Gonçalves 15/6 às 5:46
ResponderEliminarPerfect
Teresa Silva, 15/6 às 8:22
ResponderEliminarSempre houve muito descuido, para não usar usar termos mais fortes, em certas limpezas entregues a quem tinha outros objetivos na vida que não valorizar o legado escrito. Pior ainda é que hoje verifico, nomeadamente nos "polos do saber", que os bibliotecários e os técnicos de biblioteca estão a ser progressivamente desautorizados... extinguem carreiras que exigiam formação técnica específica, não capitalizam a aquisição de livros, esquecem as bibliotecas nos planos estratégicos e de gestão... enfim o que vejo hoje nas escolas superiores é que as bibliotecas são quase tudo um local para estudar quando há exames e onde há "net". E os docentes do mesmo modo! A biblioteca tem sarna... muito triste!
Jorge Freire 15/6 às 14:32
ResponderEliminarO orgulho é mútuo, orgulho por ser aluno de Coimbra, orgulho por ser seu aluno! Bem haja, um forte abraço!
Lucinda Ferreira Ferreira 16/6 às 15:34
ResponderEliminarSabe, querido Professor, o que acontece é que, quando alguém deixa este plano, as pessoas, os familiares estão desejosos de se desfazer de tudo, porque os incomoda e nada respeitam! Eu já vi coisas no lixo que me deixam doente. Houve alturas em que apanhei, mesmo para dar a quem precisa, depois de limpo. É muita leviandade, falta de respeito, irreflexão. ignorância e outras loucuras de quem não ama nem o sangue nem a cultura... Nada. Sinto muito o que contou... Beijos!