Participámos
ambos, por nomeação ministerial, no
ano lectivo de 2000-2001, na Comissão de Avaliação
Externa dos Cursos de História, criada no seio da CNAVES. Couberam-me as funções
de vice-presidente e, nessa condição ,
presidi às Subcomissões de Arqueologia e de História da Arte. Tínhamos, porém,
muitas reuniões em comum, foi esse um ano cheio, como alguns recordarão, e Marques
de Almeida exercia então as funções de vice-reitor da Universidade de Lisboa. E
fiquei, desde o primeiro momento, amigo de Marques de Almeida, pela sua
bonomia, ponderação , seu perspicaz
mas compreensível espírito crítico. Creio que – também graças a todos os seus
valiosos contributos – fizemos um bom trabalho e, desde então, qualquer
encontro com Marques de Almeida era uma festa, pela Amizade que nos unia, pelas
recordações interessantes que esse convívio na Comissão de Avaliação Externa nos proporcionara.
Perdi,
de facto, um Amigo. E a comunidade científica portuguesa recordará nele, estou
certo, o investigador probo da época dos Descobrimentos, nomeadamente no que se
refere às transacções e às motivações económicas.
O
Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa publicou,
em 2006, por ocasião da sua jubilação
(em Maio de 2005), o livro Rumos e
Escrita da História (Estudos em Homenagem a A. A. Marques de Almeida), que
teve a coordenação
da Prof.ª Maria de Fátima Reis, uma publicação
de Edições Colibri. Para ele, obviamente, remeto, porque nele se terá uma ideia
mais precisa do que foi o seu labor. Aliás, salienta-se, na apresentação da obra:
«Em
vinte e seis anos de persistente labor, António Marques de Almeida desenvolveu
uma actividade intensa e fecunda na sua Escola, como docente, investigador e
administrador É indelével a forma como transmitiu a sucessivas gerações de
estudantes, de licenciatura, pós-graduação ,
mestrado e doutoramento, as exigências de matematização
do real e o rigor da metodologia científica, seja em cadeiras de Teoria e
Método, ou em disciplinas da sua especialidade, História Moderna (Economia e
Sociedade) e História da Ciência».
Permita-se-me,
porém, que cite alguns dos seus trabalhos:
– Os livros de aritmética (1519-1679): subsídios para a história da mentalidade
moderna em Portugal, Universidade de Lisboa, 1989.
–
Capitais e Capitalistas no Comércio da
Especiaria. O eixo Lisboa ‒ Antuérpia (1501-1549): Aproximação a um Estudo de Geofinança. Edições Cosmos, Abril de 1993.
– Aritmética como descrição
do real, 1519-1679: contributos para a formação
da mentalidade moderna em Portugal, 2 vols., Lisboa, Comissão Nacional
para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses: Imprensa Nacional - Casa
da Moeda, 1994..
– «A matemática em Portugal (séculos
XV-XVI) e as suas fontes italianas: a difusão do paradigma», Arquipélago. História, 2ª série, vol.
1, nº 1 (1995): 105-121.
–
Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses: Corpo Prosopográfico de
Mercadores e Gente de trato. Lisboa, Campo da Comunicação , 2009 (que teve tradução
inglesa: Historical Dictionary on Portuguese Sephardim: A prosopography of
men of culture and science).
E
não resisto a transcrever, com a devida vénia, parte do testemunho que o Doutor
Santiago Macias, presidente da Câmara de Moura, escreve hoje no seu blogue “Avenida
da Salúquia 34”:
«Foi meu professor de Matemática para as
Ciências Sociais e Humanas no ano lectivo de 1981/82. A primeira aula foi no
dia 7 de Dezembro, na sala 7. Recordo o sorriso meio irónico com que entrou na
sala e deparou com a turma, silenciosa e aterrorizada. Matemática?? A cadeira
era obrigatória. Com sensibilidade e inteligência, o Prof. Marques de Almeida levou
a "coisa" por outros caminhos. Interessou-nos por Bento de Jesus
Caraça, pelamatematização do real,
pela visão qualitativa e não quantitativa. As aulas eram espaços de liberdade e
Marques de Almeida obrigava-nos a improvisar. Uma das componentes obrigatórias
era a "apresentação oral".
Tínhamos de falar durante 10 ou 15 minutos sobre um tema à nossa escolha. Optei
pelo cinema português e pela visão que os estrangeiros colhiam de Portugal
através dos filmes. Com aquele pequeno exercício, Marques de Almeida queria que
nos disciplinássemos e que puséssemos o cérebro a trabalhar cronometricamente.
Lembrei-me do seu austero "tens 10 minutos para terminar" muitas
vezes ao longo da vida. Orientou-me nas leituras, obrigou-me a ler o Capitalismo
monárquico português, de Manuel Nunes Dias, fez-me trabalhar sobre a feitoria
portuguesa de Antuérpia e, sobretudo, ajudou-me. […]
Coincidências e ironias do destino:
doutorei-me, em Lyon, no amphithéâtre Benveniste. O nome de judeu que
motivou a criação pela família Benveniste, em 1996, de uma
cátedra na Universidade de Lisboa. Primeiro director dessa cátedra? Marques de
Almeida.»
Que descanse, pois, em paz, quem
tanto nos legou – pelo saber e pelo exemplo!
José d’Encarnação
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