
Perdi,
de facto, um Amigo. E a comunidade científica portuguesa recordará nele, estou
certo, o investigador probo da época dos Descobrimentos, nomeadamente no que se
refere às transacções e às motivações económicas.

«Em
vinte e seis anos de persistente labor, António Marques de Almeida desenvolveu
uma actividade intensa e fecunda na sua Escola, como docente, investigador e
administrador É indelével a forma como transmitiu a sucessivas gerações de
estudantes, de licenciatura, pós-graduação ,
mestrado e doutoramento, as exigências de matematização
do real e o rigor da metodologia científica, seja em cadeiras de Teoria e
Método, ou em disciplinas da sua especialidade, História Moderna (Economia e
Sociedade) e História da Ciência».
Permita-se-me,
porém, que cite alguns dos seus trabalhos:
– Os livros de aritmética (1519-1679): subsídios para a história da mentalidade
moderna em Portugal, Universidade de Lisboa, 1989.
–
Capitais e Capitalistas no Comércio da
Especiaria. O eixo Lisboa ‒ Antuérpia (1501-1549): Aproximação a um Estudo de Geofinança. Edições Cosmos, Abril de 1993.
– Aritmética como descrição
do real, 1519-1679: contributos para a formação
da mentalidade moderna em Portugal, 2 vols., Lisboa, Comissão Nacional
para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses: Imprensa Nacional - Casa
da Moeda, 1994..
– «A matemática em Portugal (séculos
XV-XVI) e as suas fontes italianas: a difusão do paradigma», Arquipélago. História, 2ª série, vol.
1, nº 1 (1995): 105-121.
–
Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses: Corpo Prosopográfico de
Mercadores e Gente de trato. Lisboa, Campo da Comunicação , 2009 (que teve tradução
inglesa: Historical Dictionary on Portuguese Sephardim: A prosopography of
men of culture and science).
E
não resisto a transcrever, com a devida vénia, parte do testemunho que o Doutor
Santiago Macias, presidente da Câmara de Moura, escreve hoje no seu blogue “Avenida
da Salúquia 34”:
«Foi meu professor de Matemática para as
Ciências Sociais e Humanas no ano lectivo de 1981/82. A primeira aula foi no
dia 7 de Dezembro, na sala 7. Recordo o sorriso meio irónico com que entrou na
sala e deparou com a turma, silenciosa e aterrorizada. Matemática?? A cadeira
era obrigatória. Com sensibilidade e inteligência, o Prof. Marques de Almeida levou
a "coisa" por outros caminhos. Interessou-nos por Bento de Jesus
Caraça, pelamatematização do real,
pela visão qualitativa e não quantitativa. As aulas eram espaços de liberdade e
Marques de Almeida obrigava-nos a improvisar. Uma das componentes obrigatórias
era a "apresentação oral".
Tínhamos de falar durante 10 ou 15 minutos sobre um tema à nossa escolha. Optei
pelo cinema português e pela visão que os estrangeiros colhiam de Portugal
através dos filmes. Com aquele pequeno exercício, Marques de Almeida queria que
nos disciplinássemos e que puséssemos o cérebro a trabalhar cronometricamente.
Lembrei-me do seu austero "tens 10 minutos para terminar" muitas
vezes ao longo da vida. Orientou-me nas leituras, obrigou-me a ler o Capitalismo
monárquico português, de Manuel Nunes Dias, fez-me trabalhar sobre a feitoria
portuguesa de Antuérpia e, sobretudo, ajudou-me. […]
Coincidências e ironias do destino:
doutorei-me, em Lyon, no amphithéâtre Benveniste. O nome de judeu que
motivou a criação pela família Benveniste, em 1996, de uma
cátedra na Universidade de Lisboa. Primeiro director dessa cátedra? Marques de
Almeida.»
Que descanse, pois, em paz, quem
tanto nos legou – pelo saber e pelo exemplo!
José d’Encarnação
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