Sob o título Passos e “Passas” de uma Vida, publicou José Manuel Azevedo e Silva a sua autobiografia (edição de autor, Coimbra, 2011).
Professor associado com agregação da Faculdade de Letras de Coimbra, onde esteve ligado ao Instituto de História da Expansão, o Doutor Azevedo e Silva jubilou-se a 30 de Maio de 2007, data em que perfez 70 anos, e decidiu passar a letra de forma o que fora o seu percurso. E fez bem.
Primeiro, porque, sendo natural de Tibaldinho (Alcafache, Mangualde), começou por ser agricultor, foi agente da polícia, professor, tocou em bandas, foi bancário e só aos 36 anos entrou na Universidade, tendo feito, portanto, todos os seus estudos a pulso, como trabalhador-estudante. Profetizara-lhe a professora primária (e nunca será de mais repetir a importância que os docentes do Ensino Básico detêm no ‘destino’ dos seus alunos) que ele «iria longe»; e vemo-lo a ingressar, em Abril de 1983 (aos 46 anos!), como assistente estagiário da Faculdade.
Para além deste exemplo de tenacidade, o livro – que tem uma segunda parte com o seu currículo pessoal e académico – explicita miudamente os contextos em que foi a sua vida, pelo que constitui, atendendo às mui pormenorizadas informações que fornece, fecundo manancial para a história local e regional (as famílias, as pessoas, as profissões, o tipo de economia…) e, por isso mesmo, até para a história nacional e das mentalidades, que dessas vivências particulares cronologicamente bem anotadas e geograficamente bem situadas carece de se alimentar. Note-se, por exemplo, que é um jovem de antes do 25 de Abril, cuja vida activa se desenrola já em pleno período revolucionário e pós-revolucionário, com especial destaque para a sua actividade como bancário e sindicalista.
Por todas as circunstâncias que a rodearam, trata-se, pois, de uma vida que poderemos considerar exemplar, tanto do ponto de vista profissional como do ponto de vista psicológico, uma vez que sempre o tem norteado um pensamento positivo, consubstanciado quiçá na devoção ao Anjo da Guarda, presente, aliás, de modo claro em ocasiões-chave da sua vida.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 583, 15-12-2011, p. 13.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Andarilhanças 29
Candeeiros desajustados
Causou admiração e, não se nega, algum mal-estar entre os comerciantes a escolha do modelo de candeeiros ora implantados no topo oriental da Rua Direita e na Rua Sebastião José de Carvalho e Melo, na vila de Cascais.
É que, apesar da modernidade dos seus estabelecimentos, essa zona mantém, do ponto de vista arquitectónico, um cariz vetusto, de linhas tradicionais, que, na verdade, não se compadece com o estilo ultra-moderno, de design, desses candeeiros. Requer-se para ali um tipo de candeeiro com desenho a condizer com o ambiente dos edifícios, para não chocar. Aliás, sempre foi essa uma das preocupações do Município no centro histórico (em que essa zona de pleno direito se inclui) e não se enxerga a razão para tal atropelo agora!
125 anos dos Bombeiros de Cascais
Em singela, mas mui significativa cerimónia, decorreu, no sábado, 17, no Teatro Gil Vicente, em Cascais, a entrega de emblemas aos sócios com 50 e 25 anos de membros desta Associação Humanitária.
Aproveitou-se a oportunidade para apresentar o livro Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascasse – 125 Anos ao Serviço da População, da autoria de Manuel Eugénio Fernandes da Silva.
Mais de 420 páginas, ilustradas e densas de informação acerca do que tem sido o percurso da instituição. A obra assume-se, pois, como uma reedição, corrigida e aumentada, da anterior, referente aos cem anos, datada de 1986, a que se acrescentaram as efemérides e dados relevantes até ao mês de Outubro passado. Mais actual não seria, pois, de esperar.
Uma narrativa pormenorizada, fecundo manancial para a história local, em que se não esquece o registo dos nomes de quantos têm contribuído para fazer singrar a Associação, nas mais diversas actividades (não é esquecido o brilhante desempenho do Grupo Cénico, por exemplo), assim como o Corpo de Bombeiros no seu constnate e abnegado papel de socorro e assistência à população.
Rama da Silva, presidente da direcção, para além das palavras de circunstância obrigatórias em tão lustroso acto, não quis deixar de referir que se espera para muito breve a inauguração das piscinas, que vão estar ao serviço não apenas dos sócios mas de toda a população.
Senhora da Boa Nova
O serviço da Câmara Municipal de Cascais que mais dificuldade tem em organizar-se é o que superintende na colocação de placas identificativas. Uma tarefa, aliás, que não é fácil, porque requer estudo, investigação não apenas nos documentos mas também no terreno; e nem sempre os responsáveis disso se aperceberão – e é pena! – mormente porque não estarão atentos ao que se escreve na Comunicação Social local, que não é assim tanta como isso e, de resto, mandam as boas práticas, em que a Câmara de Cascais sempre deu exemplo, até há um serviço de recortes que tem o cuidado de diligenciar no sentido de a informação acerca de anomalias identificadas chegarem a quem lhes pode dar remédio.
Não, não vale a pena falar das placas a identificar Pampilheira (e terminamos mais um ano, sem que se tenha encontrado disponibilidade para esse efeito) ou daquela que, frente à Clínica CUF, indica ‘beco sem saída’ numa rua que não é beco e que tem saída!... Refiro-me, agora, pela segunda ou terceira vez, à identificação do auditório da Senhora da Boa Nova na Galiza, onde se têm desenvolvido publicitadas actividades, designadamente na quadra natalícia. Está a placa direccional em S. João do Estoril e na grande rotunda à saída da auto-estrada; mas na rotunda junto ao auditório nada há, de forma que, se não se descobre o minúsculo letreiro por cima de uma porta lateral do templo, vai-se em frente e… cadê o auditório?
O mesmo se diga em relação ao lugar da Areia. Há, decerto, má vontade por parte de algum funcionário contra este simpático lugar, só pode ser! Onde é que há aí uma placa que indique a quem vem da auto-estrada ou da vila qual é a direcção a seguir? Não pensaram assim, na primeira metade do século XX, os senhores do Automóvel Clube de Portugal que inseriram o nome da localidade em lugar de destaque na parede da capela de S. Brás; mas esses senhores andavam pelas estradas e isso faz toda a diferença!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 295, 21-12-2011, p. 4.
Causou admiração e, não se nega, algum mal-estar entre os comerciantes a escolha do modelo de candeeiros ora implantados no topo oriental da Rua Direita e na Rua Sebastião José de Carvalho e Melo, na vila de Cascais.
É que, apesar da modernidade dos seus estabelecimentos, essa zona mantém, do ponto de vista arquitectónico, um cariz vetusto, de linhas tradicionais, que, na verdade, não se compadece com o estilo ultra-moderno, de design, desses candeeiros. Requer-se para ali um tipo de candeeiro com desenho a condizer com o ambiente dos edifícios, para não chocar. Aliás, sempre foi essa uma das preocupações do Município no centro histórico (em que essa zona de pleno direito se inclui) e não se enxerga a razão para tal atropelo agora!
125 anos dos Bombeiros de Cascais
Em singela, mas mui significativa cerimónia, decorreu, no sábado, 17, no Teatro Gil Vicente, em Cascais, a entrega de emblemas aos sócios com 50 e 25 anos de membros desta Associação Humanitária.
Aproveitou-se a oportunidade para apresentar o livro Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascasse – 125 Anos ao Serviço da População, da autoria de Manuel Eugénio Fernandes da Silva.
Mais de 420 páginas, ilustradas e densas de informação acerca do que tem sido o percurso da instituição. A obra assume-se, pois, como uma reedição, corrigida e aumentada, da anterior, referente aos cem anos, datada de 1986, a que se acrescentaram as efemérides e dados relevantes até ao mês de Outubro passado. Mais actual não seria, pois, de esperar.
Uma narrativa pormenorizada, fecundo manancial para a história local, em que se não esquece o registo dos nomes de quantos têm contribuído para fazer singrar a Associação, nas mais diversas actividades (não é esquecido o brilhante desempenho do Grupo Cénico, por exemplo), assim como o Corpo de Bombeiros no seu constnate e abnegado papel de socorro e assistência à população.
Rama da Silva, presidente da direcção, para além das palavras de circunstância obrigatórias em tão lustroso acto, não quis deixar de referir que se espera para muito breve a inauguração das piscinas, que vão estar ao serviço não apenas dos sócios mas de toda a população.
Senhora da Boa Nova
O serviço da Câmara Municipal de Cascais que mais dificuldade tem em organizar-se é o que superintende na colocação de placas identificativas. Uma tarefa, aliás, que não é fácil, porque requer estudo, investigação não apenas nos documentos mas também no terreno; e nem sempre os responsáveis disso se aperceberão – e é pena! – mormente porque não estarão atentos ao que se escreve na Comunicação Social local, que não é assim tanta como isso e, de resto, mandam as boas práticas, em que a Câmara de Cascais sempre deu exemplo, até há um serviço de recortes que tem o cuidado de diligenciar no sentido de a informação acerca de anomalias identificadas chegarem a quem lhes pode dar remédio.
Não, não vale a pena falar das placas a identificar Pampilheira (e terminamos mais um ano, sem que se tenha encontrado disponibilidade para esse efeito) ou daquela que, frente à Clínica CUF, indica ‘beco sem saída’ numa rua que não é beco e que tem saída!... Refiro-me, agora, pela segunda ou terceira vez, à identificação do auditório da Senhora da Boa Nova na Galiza, onde se têm desenvolvido publicitadas actividades, designadamente na quadra natalícia. Está a placa direccional em S. João do Estoril e na grande rotunda à saída da auto-estrada; mas na rotunda junto ao auditório nada há, de forma que, se não se descobre o minúsculo letreiro por cima de uma porta lateral do templo, vai-se em frente e… cadê o auditório?
O mesmo se diga em relação ao lugar da Areia. Há, decerto, má vontade por parte de algum funcionário contra este simpático lugar, só pode ser! Onde é que há aí uma placa que indique a quem vem da auto-estrada ou da vila qual é a direcção a seguir? Não pensaram assim, na primeira metade do século XX, os senhores do Automóvel Clube de Portugal que inseriram o nome da localidade em lugar de destaque na parede da capela de S. Brás; mas esses senhores andavam pelas estradas e isso faz toda a diferença!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 295, 21-12-2011, p. 4.
A singularidade do «Lugar ao Sul»
Na sua coluna «Coisas e Loisas» da edição de Setembro de Noticias de S. Braz, evocou J. P. da Cruz o programa da Antena 1 «Lugar ao Sul», de Rafael Correia:
«Com o gravador ao ombro, percorria todo o interior algarvio e o Baixo Alentejo para entrevistar gente castiça, com talentos diversos: poetas populares, contadores de histórias, artesãos e até experiências de vida».
Confessa J. P. da Cruz que era «um ouvinte fanático». Eram, de facto, muitos milhares esses ‘fanáticos’, que viam nesse programa algo de muito diferente do que se fazia em rádio, mormente porque assim se dava voz a um Portugal profundo, lídimo, muito nosso, e se registavam dados que, doutra forma, definitivamente se perderiam na noite dos tempos.
Alcançada a idade da reforma, Rafael Correia largou tudo da mão, fugiu do mundo e, por mais que o tentássemos convencer a manter-se por mais uns tempos – no que a administração da RDP acabou por não ver inconveniente, tanta foi a pressão feita nesse sentido – Rafael Correia não se deixou demover.
Criou-se, na altura, na Internet um grupo de pressão, ainda hoje activo, liderado pelo incansável dinamismo de Álvaro José Ferreira, os Amigos do Lugar ao Sul – http://groups.google.com/group/lugar-ao-sul –, que lutou sem tréguas para que tão singular repertório não só não se perdesse como voltasse à antena. Luta que tem tido altos e baixos, porque nem todos os responsáveis da RDP compreendem o interesse do programa e, se calhar, urbanos como são na sua quase totalidade, irritam-se ao ouvir falar algarvio e alentejano; não compreendem o valor da poesia popular; não imaginam o que é contar em verso a história de Portugal nem como é delicioso manjar o doce caseiro feito pela Ti Marquinhas em aldeia perdida nas dobras da Serra do Caldeirão...
Conseguiu-se que, em repetição, o programa voltasse para o ar. Nem sempre a horas próprias para consumo (dantes, era pelas manhãs de sábado e regalávamo-nos com esse genuíno começo de fim-de-semana), mas… está de novo no ar, a partir das 7 horas de sábado! E pode ser ouvido também na página da RDP na Internet.
Estamos satisfeitos por a batalha ter sido ganha e consola ler o comentário de Adelino Gomes – que, enquanto Provedor do Ouvinte, cedo se apercebeu, pelas constantes mensagens que recebia, do interesse deste «prazer da conversa com Rafael Correia» – inserto nessa página da RDP:
«O mais belo programa da rádio jamais feito sobre a terra, as gentes, os costumes, a cultura do sul do continente português».
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 181, 15 de Dezembro de 2011, p. 14].
«Com o gravador ao ombro, percorria todo o interior algarvio e o Baixo Alentejo para entrevistar gente castiça, com talentos diversos: poetas populares, contadores de histórias, artesãos e até experiências de vida».
Confessa J. P. da Cruz que era «um ouvinte fanático». Eram, de facto, muitos milhares esses ‘fanáticos’, que viam nesse programa algo de muito diferente do que se fazia em rádio, mormente porque assim se dava voz a um Portugal profundo, lídimo, muito nosso, e se registavam dados que, doutra forma, definitivamente se perderiam na noite dos tempos.
Alcançada a idade da reforma, Rafael Correia largou tudo da mão, fugiu do mundo e, por mais que o tentássemos convencer a manter-se por mais uns tempos – no que a administração da RDP acabou por não ver inconveniente, tanta foi a pressão feita nesse sentido – Rafael Correia não se deixou demover.
Criou-se, na altura, na Internet um grupo de pressão, ainda hoje activo, liderado pelo incansável dinamismo de Álvaro José Ferreira, os Amigos do Lugar ao Sul – http://groups.google.com/group/lugar-ao-sul –, que lutou sem tréguas para que tão singular repertório não só não se perdesse como voltasse à antena. Luta que tem tido altos e baixos, porque nem todos os responsáveis da RDP compreendem o interesse do programa e, se calhar, urbanos como são na sua quase totalidade, irritam-se ao ouvir falar algarvio e alentejano; não compreendem o valor da poesia popular; não imaginam o que é contar em verso a história de Portugal nem como é delicioso manjar o doce caseiro feito pela Ti Marquinhas em aldeia perdida nas dobras da Serra do Caldeirão...
Conseguiu-se que, em repetição, o programa voltasse para o ar. Nem sempre a horas próprias para consumo (dantes, era pelas manhãs de sábado e regalávamo-nos com esse genuíno começo de fim-de-semana), mas… está de novo no ar, a partir das 7 horas de sábado! E pode ser ouvido também na página da RDP na Internet.
Estamos satisfeitos por a batalha ter sido ganha e consola ler o comentário de Adelino Gomes – que, enquanto Provedor do Ouvinte, cedo se apercebeu, pelas constantes mensagens que recebia, do interesse deste «prazer da conversa com Rafael Correia» – inserto nessa página da RDP:
«O mais belo programa da rádio jamais feito sobre a terra, as gentes, os costumes, a cultura do sul do continente português».
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 181, 15 de Dezembro de 2011, p. 14].
domingo, 18 de dezembro de 2011
Heroísmo português no Brasil guarda-se no Museu do Mar
Teve despretensioso e anódino título, «Doação de artefacto de história marítima ao Museu do Mar Rei D. Carlos», a proposta nº 965/2011, apresentada pela Senhora Vereadora da Cultura na reunião camarária de 3 de Outubro, p. p.
Inserem-se os considerandos no estilo habitual de propostas congéneres: é vocação deste museu contribuir, inclusive mediante o enriquecimento das suas colecções, para documentar o que foi a gesta marítima nacional; por isso, a proposta ia no sentido de se «aceitar a doação de Maria Leonor Vieira de Novais e Castilho Monteiro, constituída por uma placa de agradecimento oferecida em 1898, por cidadãos brasileiros e portugueses de S. Paulo ao comandante português Augusto de Castilho, pelo seu papel na revolta da armada brasileira de 1894».
Não consta que tenham sido feitos quaisquer comentários durante a reunião, pensando os mui dignos vereadores que se tratava de mais uma das muitas doações que felizmente se destinam àquele museu, repositório da nossa tradição de pescadores e mareantes. Foi, por isso, aprovada, sem mais, por unanimidade. Decerto a algum o nome Augusto de Castilho não terá soado a desconhecido, por ser nome de arruamentos, aqui e além, na zona da Grande Lisboa, ou por ter havido uma corveta da Armada Portuguesa baptizada com esse nome…
Não se trata, porém, de uma doação vulgar.
O gesto heróico
A preciosa placa, oferecida ao Museu do Mar por uma sobrinha do homenageado, através da intervenção directa de um dos sócios do Grupo de Amigos, explicita, na inscrição junto ao anagrama de Augusto de Castilho (Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, de seu nome completo, nascido em Lisboa a 10 de Outubro de 1841, cidade onde viria a falecer a 30 de Março de 1912):
«Heróico comandante da Mindelo e da Affonso de Albuquerque em 1894 nas águas do Rio de Janeiro. Homenagem de Brasileiros e Portuguezes residentes em S. Paulo. 6-12-98».
Que se passou, então, com este brioso militar da Marinha Portuguesa?
Nesse ano de 1894, comandava Augusto de Castilho esses dois vasos de guerra, ancorados no porto do Rio de Janeiro, quando rebentou a rebelião no seio da esquadra brasileira contra o governo de Floriano Peixoto, que instalara a República. Uma revolta que motivou intensa actividade diplomática, gerida de modo especial pelo Conde de Paço d’Arcos, Carlos Eugénio Correia da Silva, o primeiro diplomata português nesse Brasil recém-republicano, uma vez que os portugueses foram de imediato considerados apoiantes dos revoltosos monárquicos e conservadores.
Esmagada a revolta, 493 brasileiros, incluindo cerca de 70 oficiais e o respectivo cabecilha, o almirante Saldanha da Gama, pediram asilo a bordo. Augusto de Castilho não hesitou em o conceder. E, não obstante os enormes protestos das autoridades brasileiras, que faziam temer o pior, zarpou da Baía de Guanabara e rumou para o Rio da Prata, onde procedeu ao desembarque da quase totalidade dos refugiados.
Tal decisão foi, por conseguinte, muito mal vista pelas autoridades brasileiras; invocou-se violação da soberania; e chegou-se mesmo ao extremo de se concretizar o corte das relações diplomáticas entre os dois países, como o historiador Adelar Heinsfeld muito bem frisou, por ocasião do XXIV Simpósio Nacional de História, que, sob o tema «História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos», se reuniu em Julho de 2007, na cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul (Brasil), na comunicação intitulada "A ruptura diplomática Brasil-Portugal: um aspecto do americanismo do início da República brasileira".
O testemunho no Museu do Mar
Tendo herdado de seus pais esta placa de homenagem e considerando que se tratava de documento a resguardar num museu, Maria Leonor Castilho Monteiro, que tem casa em Cascais, optou, pois, pelo Museu do Mar como destinatário da sua doação.
Trata-se, na verdade, de um testemunho que, ainda que pertença de uma família concreta, acaba por ser de grande significado histórico, que vale também pelo seu carácter invulgar: não vem, decerto, nos livros que esta homenagem fora prestada quatro anos depois, prova de que a coragem do comandante se perpetuou na memória de quantos dela puderam beneficiar.
São gestos como estes que cumpre sublinhar – porque é também para resgatar memórias que existem os museus.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 294, 14-12-2011, p. 6].
Inserem-se os considerandos no estilo habitual de propostas congéneres: é vocação deste museu contribuir, inclusive mediante o enriquecimento das suas colecções, para documentar o que foi a gesta marítima nacional; por isso, a proposta ia no sentido de se «aceitar a doação de Maria Leonor Vieira de Novais e Castilho Monteiro, constituída por uma placa de agradecimento oferecida em 1898, por cidadãos brasileiros e portugueses de S. Paulo ao comandante português Augusto de Castilho, pelo seu papel na revolta da armada brasileira de 1894».
Não consta que tenham sido feitos quaisquer comentários durante a reunião, pensando os mui dignos vereadores que se tratava de mais uma das muitas doações que felizmente se destinam àquele museu, repositório da nossa tradição de pescadores e mareantes. Foi, por isso, aprovada, sem mais, por unanimidade. Decerto a algum o nome Augusto de Castilho não terá soado a desconhecido, por ser nome de arruamentos, aqui e além, na zona da Grande Lisboa, ou por ter havido uma corveta da Armada Portuguesa baptizada com esse nome…
Não se trata, porém, de uma doação vulgar.
O gesto heróico
A preciosa placa, oferecida ao Museu do Mar por uma sobrinha do homenageado, através da intervenção directa de um dos sócios do Grupo de Amigos, explicita, na inscrição junto ao anagrama de Augusto de Castilho (Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, de seu nome completo, nascido em Lisboa a 10 de Outubro de 1841, cidade onde viria a falecer a 30 de Março de 1912):
«Heróico comandante da Mindelo e da Affonso de Albuquerque em 1894 nas águas do Rio de Janeiro. Homenagem de Brasileiros e Portuguezes residentes em S. Paulo. 6-12-98».
Que se passou, então, com este brioso militar da Marinha Portuguesa?
Nesse ano de 1894, comandava Augusto de Castilho esses dois vasos de guerra, ancorados no porto do Rio de Janeiro, quando rebentou a rebelião no seio da esquadra brasileira contra o governo de Floriano Peixoto, que instalara a República. Uma revolta que motivou intensa actividade diplomática, gerida de modo especial pelo Conde de Paço d’Arcos, Carlos Eugénio Correia da Silva, o primeiro diplomata português nesse Brasil recém-republicano, uma vez que os portugueses foram de imediato considerados apoiantes dos revoltosos monárquicos e conservadores.
Esmagada a revolta, 493 brasileiros, incluindo cerca de 70 oficiais e o respectivo cabecilha, o almirante Saldanha da Gama, pediram asilo a bordo. Augusto de Castilho não hesitou em o conceder. E, não obstante os enormes protestos das autoridades brasileiras, que faziam temer o pior, zarpou da Baía de Guanabara e rumou para o Rio da Prata, onde procedeu ao desembarque da quase totalidade dos refugiados.
Tal decisão foi, por conseguinte, muito mal vista pelas autoridades brasileiras; invocou-se violação da soberania; e chegou-se mesmo ao extremo de se concretizar o corte das relações diplomáticas entre os dois países, como o historiador Adelar Heinsfeld muito bem frisou, por ocasião do XXIV Simpósio Nacional de História, que, sob o tema «História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos», se reuniu em Julho de 2007, na cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul (Brasil), na comunicação intitulada "A ruptura diplomática Brasil-Portugal: um aspecto do americanismo do início da República brasileira".
O testemunho no Museu do Mar
Tendo herdado de seus pais esta placa de homenagem e considerando que se tratava de documento a resguardar num museu, Maria Leonor Castilho Monteiro, que tem casa em Cascais, optou, pois, pelo Museu do Mar como destinatário da sua doação.
Trata-se, na verdade, de um testemunho que, ainda que pertença de uma família concreta, acaba por ser de grande significado histórico, que vale também pelo seu carácter invulgar: não vem, decerto, nos livros que esta homenagem fora prestada quatro anos depois, prova de que a coragem do comandante se perpetuou na memória de quantos dela puderam beneficiar.
São gestos como estes que cumpre sublinhar – porque é também para resgatar memórias que existem os museus.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 294, 14-12-2011, p. 6].
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Invenções de gavetas
– Ora lá vens tu com mais uma invenção de gavetas!... A expressão era utilizada quando alguém se armava em esperto e apresentava, para resolução de uma situação, um projecto que, vindo de quem vinha, por ser useiro e vezeiro nesse tipo de sugestões, não teria qualquer viabilidade prática.
Não sei donde terá origem a expressão. ‘Invenção’ detém, aqui, o seu sentido mais popular de «fantasia imaginada com astúcia»; por seu turno, a referência a gavetas estará, sem dúvida, relacionada com o hábito de se usarem gavetas falsas ou múltiplas para melhor se guardarem tesouros ou jóias. Recorde-se como se apresentam cheios de pequenas gavetas os contadores indo-portugueses, algumas delas fingidas e, por isso, aparentemente desnecessárias, servindo, porém, como embuste para atrapalhar ladroagem!... Lembro também o hábito do segundo quartel do século XX de, no quarto de vestir das senhoras nobres ou da alta burguesia, existirem móveis cheios de gavetas, cada uma com sua etiqueta… o cúmulo da arrumação!
Penso, pois, que essa referência algarvia a algo de irrealista, saído de mente fecunda em ideias estapafúrdias – essa ‘invenção de gavetas’… – terá a ver com a abundância de gavetas no mobiliário, incompreensível para o comum dos mortais…
Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 155 (Dezembro 2011) p. 10.
Não sei donde terá origem a expressão. ‘Invenção’ detém, aqui, o seu sentido mais popular de «fantasia imaginada com astúcia»; por seu turno, a referência a gavetas estará, sem dúvida, relacionada com o hábito de se usarem gavetas falsas ou múltiplas para melhor se guardarem tesouros ou jóias. Recorde-se como se apresentam cheios de pequenas gavetas os contadores indo-portugueses, algumas delas fingidas e, por isso, aparentemente desnecessárias, servindo, porém, como embuste para atrapalhar ladroagem!... Lembro também o hábito do segundo quartel do século XX de, no quarto de vestir das senhoras nobres ou da alta burguesia, existirem móveis cheios de gavetas, cada uma com sua etiqueta… o cúmulo da arrumação!
Penso, pois, que essa referência algarvia a algo de irrealista, saído de mente fecunda em ideias estapafúrdias – essa ‘invenção de gavetas’… – terá a ver com a abundância de gavetas no mobiliário, incompreensível para o comum dos mortais…
Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 155 (Dezembro 2011) p. 10.
sábado, 10 de dezembro de 2011
Andarilhanças 27
Toponímia de Carcavelos
Prosseguem Manuel Eugénio e José Ricardo Fialho o projecto de cimentar comunidade, porque ensinar-nos o significado do nome da nossa rua em muito contribui para isso, para até sentirmos mais nosso o arruamento onde vivemos.
Depois de o terem feito em relação a Cascais (2009) e ao Estoril (2010), disponibilizam-nos agora, com o imprescindível apoio da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal, Toponímia da Freguesia de Carcavelos (2011). Quase 180 páginas, sempre com ilustrações referentes ao topónimo em análise, que se folheiam com prazer.
Parabéns!
Folhetos de muito louvar
Levei, há dias, um amigo que reside no Brasil a visitar a Casa das Histórias da Paula Rego. Apreciou os desenhos; horrorizou-se com o oratório (essa é, seguramente, a intenção da pintora: horrorizar, mostrando o universo em que se movimenta); deliciou-se com a tapeçaria «Alcácer-Quibir»; celebrou a arquitectura de Souto Moura.
Desanuviámos, depois, na vizinha ecocabana, excelente ideia. E foi a minha vez de apanhar tudo quanto era desdobrável disponível, um mundo de sugestões para… habitar o espaço público!
Alguns dos títulos (certamente outros haverá): Rota das Aldeias (em Sintra e em Cascais), Rota do Cabo Raso, Rota do Litoral do Guincho, Rota das Quintas, Rota dos Capuchos… O objectivo: «Sinta a Natureza»! A iniciativa vem de uma parceria que envolve as câmaras de Sintra e de Cascais (através dos Pelouros do Desporto), o Parque Natural Sintra-Cascais, o Turismo de Portugal e outras entidades.
Aplauda-se a iniciativa!
Ideia, sonho… realidade!
Um bem variegado manto de criatividade aconchegou brilhantemente a cerimónia da inauguração, no passado dia 30, dos novos equipamentos da Cooperativa O Nosso Sonho, em Outeiro de Polima.
Da extrema funcionalidade e modernidade do edifício (creche, infantário e pré-escolar) nem vale a pena escrever: primam pela excelência a que a equipa chefiada pela Dra. Fátima Souto já nos habituou.
Saliente-se, porém, quanto foi prazenteiro para os que pudemos estar presentes sentir o entusiasmo de educadoras e de petizes na apresentação das várias «cenas» com que, ao longo do percurso da visita, deliciadamente nos foram presenteando. E nós deliciadamente saboreámos!
Inundações
Sempre se chamou a atenção para as grandes alterações que a impermeabilização do solo provoca. Há, aliás, obrigatoriedade, para grandes obras, de se fazer a avaliação do impacte ambiental por técnicos especializados (Decreto-lei nº 6/2000, de 3 de Abril).
Terrenos de semeadura sitos na encosta de colinas, se são abundantemente preenchidos por construção, tornam-se canais de escoamento das águas pluviais outrora facilmente absorvidas pelas terras. E como tudo se mantém em declive e a construção desce até ao vale, a velocidade de descarga, aquando de chuvada repentina ou continuada, tem as consequências que bem se conhecem. E… aqui d’el-rei que tenho tudo inundado, máquinas estragadas, mobília sem aproveitamento possível!...
Assim, em Outeiro de Polima, nas traseiras da Saint Dominic’s School.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 293, 07-12-2011, p. 6].
Prosseguem Manuel Eugénio e José Ricardo Fialho o projecto de cimentar comunidade, porque ensinar-nos o significado do nome da nossa rua em muito contribui para isso, para até sentirmos mais nosso o arruamento onde vivemos.
Depois de o terem feito em relação a Cascais (2009) e ao Estoril (2010), disponibilizam-nos agora, com o imprescindível apoio da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal, Toponímia da Freguesia de Carcavelos (2011). Quase 180 páginas, sempre com ilustrações referentes ao topónimo em análise, que se folheiam com prazer.
Parabéns!
Folhetos de muito louvar
Levei, há dias, um amigo que reside no Brasil a visitar a Casa das Histórias da Paula Rego. Apreciou os desenhos; horrorizou-se com o oratório (essa é, seguramente, a intenção da pintora: horrorizar, mostrando o universo em que se movimenta); deliciou-se com a tapeçaria «Alcácer-Quibir»; celebrou a arquitectura de Souto Moura.
Desanuviámos, depois, na vizinha ecocabana, excelente ideia. E foi a minha vez de apanhar tudo quanto era desdobrável disponível, um mundo de sugestões para… habitar o espaço público!
Alguns dos títulos (certamente outros haverá): Rota das Aldeias (em Sintra e em Cascais), Rota do Cabo Raso, Rota do Litoral do Guincho, Rota das Quintas, Rota dos Capuchos… O objectivo: «Sinta a Natureza»! A iniciativa vem de uma parceria que envolve as câmaras de Sintra e de Cascais (através dos Pelouros do Desporto), o Parque Natural Sintra-Cascais, o Turismo de Portugal e outras entidades.
Aplauda-se a iniciativa!
Ideia, sonho… realidade!
Um bem variegado manto de criatividade aconchegou brilhantemente a cerimónia da inauguração, no passado dia 30, dos novos equipamentos da Cooperativa O Nosso Sonho, em Outeiro de Polima.
Da extrema funcionalidade e modernidade do edifício (creche, infantário e pré-escolar) nem vale a pena escrever: primam pela excelência a que a equipa chefiada pela Dra. Fátima Souto já nos habituou.
Saliente-se, porém, quanto foi prazenteiro para os que pudemos estar presentes sentir o entusiasmo de educadoras e de petizes na apresentação das várias «cenas» com que, ao longo do percurso da visita, deliciadamente nos foram presenteando. E nós deliciadamente saboreámos!
Inundações
Sempre se chamou a atenção para as grandes alterações que a impermeabilização do solo provoca. Há, aliás, obrigatoriedade, para grandes obras, de se fazer a avaliação do impacte ambiental por técnicos especializados (Decreto-lei nº 6/2000, de 3 de Abril).
Terrenos de semeadura sitos na encosta de colinas, se são abundantemente preenchidos por construção, tornam-se canais de escoamento das águas pluviais outrora facilmente absorvidas pelas terras. E como tudo se mantém em declive e a construção desce até ao vale, a velocidade de descarga, aquando de chuvada repentina ou continuada, tem as consequências que bem se conhecem. E… aqui d’el-rei que tenho tudo inundado, máquinas estragadas, mobília sem aproveitamento possível!...
Assim, em Outeiro de Polima, nas traseiras da Saint Dominic’s School.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 293, 07-12-2011, p. 6].
sábado, 3 de dezembro de 2011
O canastrão de pisar castanhas
Foi com muito prazer que apresentei, no Dia de S. Martinho, o livro Murmúrios de um tempo… – O objecto etnográfico, repositório de memória, de João Orlindo Marques (Apenas Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-628-343-1).Por dois motivos:
Prende-se o primeiro com o local da cerimónia: o Centro das Artes Culinárias, sediado no Mercado de Santa Clara, em Lisboa. O antigo mercado, sito junto ao largo da vetusta Feira da Ladra, foi recuperado na sua estrutura de ferro forjado e nele funciona agora este Centro, repositório de uma colecção de quase 4000 objectos «relacionados com as artes culinárias de vários locais, épocas e estilos, do mais modesto ao mais sofisticado, da arte popular ao design, da cozinha rural à cozinha burguesa, do passado mais ao menos longínquo ao presente».
Ambiente de todo oportuno, portanto – e este é o segundo motivo –, para aí se dar conta de como singelo canastrão de pisar castanhas, usado na aldeia de Balocas, perdida nas dobras da Estrela, freguesia de Vide (Seia), pode ser um bom pretexto para, em livro, se fazer ressuscitar todo um quotidiano, o ciclo anual na vida de uma comunidade.
Não são, pois, inúteis esses objectos, ainda que eventualmente já fora de uso: constituem memória ou, como reza o título da obra, «murmúrios de um tempo…». Por isso, hoje, dois caminhos temos pela frente: um, a musealização perpetuadora de memórias; outro, a recuperação desses costumes antigos.
Na circunstância, manifestei a opinião de que, perante o caos em que o desenfreado capitalismo nos atolou, não se me afigurava nada impossível um cada vez maior retorno aos campos, à lavoura, à riqueza abandonada por quantos, nas últimas décadas, sonharam vir a usufruir, nos meios urbanos do litoral, de condições de vida sadia e venturosa. Desenganados estamos! E a recuperação de casas, de terras agrícolas outrora úberes, poderá ser, na verdade, inevitável e mui salutar caminho a seguir!
Por isso, falar, em plena cidade e no Dia de S. Martinho, do canastrão de pisar castanhas… teve sabor especial!
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 582, 01-12-2011, p. 13.
Prende-se o primeiro com o local da cerimónia: o Centro das Artes Culinárias, sediado no Mercado de Santa Clara, em Lisboa. O antigo mercado, sito junto ao largo da vetusta Feira da Ladra, foi recuperado na sua estrutura de ferro forjado e nele funciona agora este Centro, repositório de uma colecção de quase 4000 objectos «relacionados com as artes culinárias de vários locais, épocas e estilos, do mais modesto ao mais sofisticado, da arte popular ao design, da cozinha rural à cozinha burguesa, do passado mais ao menos longínquo ao presente».
Ambiente de todo oportuno, portanto – e este é o segundo motivo –, para aí se dar conta de como singelo canastrão de pisar castanhas, usado na aldeia de Balocas, perdida nas dobras da Estrela, freguesia de Vide (Seia), pode ser um bom pretexto para, em livro, se fazer ressuscitar todo um quotidiano, o ciclo anual na vida de uma comunidade.
Não são, pois, inúteis esses objectos, ainda que eventualmente já fora de uso: constituem memória ou, como reza o título da obra, «murmúrios de um tempo…». Por isso, hoje, dois caminhos temos pela frente: um, a musealização perpetuadora de memórias; outro, a recuperação desses costumes antigos.
Na circunstância, manifestei a opinião de que, perante o caos em que o desenfreado capitalismo nos atolou, não se me afigurava nada impossível um cada vez maior retorno aos campos, à lavoura, à riqueza abandonada por quantos, nas últimas décadas, sonharam vir a usufruir, nos meios urbanos do litoral, de condições de vida sadia e venturosa. Desenganados estamos! E a recuperação de casas, de terras agrícolas outrora úberes, poderá ser, na verdade, inevitável e mui salutar caminho a seguir!
Por isso, falar, em plena cidade e no Dia de S. Martinho, do canastrão de pisar castanhas… teve sabor especial!
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 582, 01-12-2011, p. 13.
Andarilhanças 26
Iluminações
O minitornado que, no dia 22, se abateu sobre o vale do Rio dos Mochos, desde a Pampilheira até ao Parque Marechal Carmona, arrancando árvores pela raiz, poupou a zona da vila onde se haviam instalado as singelas, mas sugestivas, iluminações de Natal.
Em tudo o que é iniciativa, agora se pensa na forma de melhor servir com menos dispêndio, e a sobriedade por que, neste domínio, se optou mercê encómios. O presépio, a dar as boas-vindas na rotunda, gesto que aos Rotários se deve, fica bem ali, amparado pelos pinheiros mansos já crescidinhos. E a cónica árvore de Natal eléctrica, no alinhamento da alameda e a saudar os pescadores também colhe simpatia.
Parques de estacionamento
Informou o Município que, em virtude da quadra natalícia e durante ela, os parques de estacionamento de superfície, concessionados, passam a ser gratuitos ao fim-de-semana. Atitude de louvar. Perguntaria, porém, se – depois de meses sem terem lucro e às moscas – os dois parques geridos pela ESUC não poderiam vir a ter novos preçários. Quando se pensou num e noutro, apressei-me a sugerir à Presidência da Câmara que optasse por considerar gratuita a primeira hora ou, até, as duas primeiras horas, atendendo aos objectivos a atingir: no do Parque Palmela, facilitar o usufruto do paredão; no do Parque Marechal Carmona, facilitar o usufruto desse parque e servir de apoio a dois museus, o do Mar e a Casa das Histórias. Volto a fazer a sugestão.
Aliás, também não compreendo por que razão não haverá para os funcionários camarários uma… ‘atenção’. Eu sei: se começarmos a fazer excepções… Compreendo. Mas não costuma dizer-se que, muitas vezes, importa dar um passo atrás para que se possam dar dois em frente? Ponham os olhos no parque junto à estação do caminho-de-ferro de Cascais! O agradável desconto para quem utiliza o comboio faz com que o parque esteja sempre bem recheado de viaturas!
Palácio da Cidadela
Ainda me não foi possível revisitá-lo após as obras de restauro, que tive, no entanto, ocasião de observar quando iam sensivelmente a meio. Aplaudo a abertura ao público, como já aplaudira, na década de 80, a sua utilização parcial para fins culturais e aí se fez, por exemplo, em Agosto de 1986, a exposição «Cascais ao tempo dos Romanos».
Primeira fase, portanto, do amplo projecto, que é o de proporcionar à população cascalense o usufruto de imóveis com enorme potencial histórico e que, abandonados, corriam sério risco de mais debilitarem as nossas frágeis finanças. Assim se pode conviver com a História e assim se vai compondo o ramalhete cultural dessa nova centralidade cascalense onde a Cultura (com maiúscula) é rainha: o Centro Cultural, o Museu do Mar, a Casa das Histórias, o Condes de Castro Guimarães, a Casa de Santa Maria e o Museu dos Faróis.
Falta a recuperação da Casa Sommer. Oxalá se consigam verbas para que nela se instale, como anunciado, o excelente e bem organizado Arquivo Municipal. Claro que já não luto pelo Museu da História de Cascais, depois de tantas vezes anunciado, quer com o nome de Museu de Arqueologia quer sob a designação de Museu da História local. Pugnei para que, num recanto do vasto espaço do quartel, houvesse um apontamento que fosse sobre a memória do sítio e se aproveitasse o ensejo para dar uma ideia, mesmo pálida, do que fora o passado cascalense. Não venci essa batalha e não fui só eu quem ficou a perder.
Também este vai abaixo!
Não é notícia oficial, ainda que possa, um dia, ter sido já sussurrada antes da ordem do dia ou mesmo no decorrer de uma sessão do Executivo camarário. O certo é que se torna, cada dia que passa, mais provável que o edifício de super-esquadra da PSP, localizado em cima do passeio da Adelino Amaro da Costa e obra de um arquitecto de nomeada, vá mesmo abaixo, não só porque não haverá dinheiro para obras como, ao que parece, outras hipóteses de instalação da PSP podem estar no horizonte, mais viáveis e menos dispendiosas.
A título de exemplo, e só para se acrescentar mais um dado à história do imóvel, o Sr. Presidente da Câmara Dr. António Capucho afirmou, no período antes da ordem do dia da reunião camarária de 2 de Dezembro de 2009 (há dois anos, portanto), que fora «também informado pelo Senhor Ministro que a obra da Esquadra da PSP de Cascais está parada porque o empreiteiro faliu, o que obriga a recomeçar de novo todo o procedimento concursal para terminar esta obra». Atendendo a isso, iria «colocar de novo esta questão junto do Senhor Ministro porque essa informação é contradit6ria com a que ele lhe havia transmitido há uns meses atrás em audiência que teve». E a informação anterior era precisamente que adoptariam um procedimento expedito com ajuste directo para concluir a esquadra até Setembro desse ano...
O «também» do título desta nota – assinale-se – prende-se com o facto de, na edição de 27 de Julho, eu ter anunciado que era intenção da Câmara mandar demolir a carcaça do edifício em frente da estação do caminho-de-ferro de Cascais. Ainda lá está.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 292, 30-11-2011, p. 4].
O minitornado que, no dia 22, se abateu sobre o vale do Rio dos Mochos, desde a Pampilheira até ao Parque Marechal Carmona, arrancando árvores pela raiz, poupou a zona da vila onde se haviam instalado as singelas, mas sugestivas, iluminações de Natal.
Em tudo o que é iniciativa, agora se pensa na forma de melhor servir com menos dispêndio, e a sobriedade por que, neste domínio, se optou mercê encómios. O presépio, a dar as boas-vindas na rotunda, gesto que aos Rotários se deve, fica bem ali, amparado pelos pinheiros mansos já crescidinhos. E a cónica árvore de Natal eléctrica, no alinhamento da alameda e a saudar os pescadores também colhe simpatia.
Parques de estacionamento
Informou o Município que, em virtude da quadra natalícia e durante ela, os parques de estacionamento de superfície, concessionados, passam a ser gratuitos ao fim-de-semana. Atitude de louvar. Perguntaria, porém, se – depois de meses sem terem lucro e às moscas – os dois parques geridos pela ESUC não poderiam vir a ter novos preçários. Quando se pensou num e noutro, apressei-me a sugerir à Presidência da Câmara que optasse por considerar gratuita a primeira hora ou, até, as duas primeiras horas, atendendo aos objectivos a atingir: no do Parque Palmela, facilitar o usufruto do paredão; no do Parque Marechal Carmona, facilitar o usufruto desse parque e servir de apoio a dois museus, o do Mar e a Casa das Histórias. Volto a fazer a sugestão.
Aliás, também não compreendo por que razão não haverá para os funcionários camarários uma… ‘atenção’. Eu sei: se começarmos a fazer excepções… Compreendo. Mas não costuma dizer-se que, muitas vezes, importa dar um passo atrás para que se possam dar dois em frente? Ponham os olhos no parque junto à estação do caminho-de-ferro de Cascais! O agradável desconto para quem utiliza o comboio faz com que o parque esteja sempre bem recheado de viaturas!
Palácio da Cidadela
Ainda me não foi possível revisitá-lo após as obras de restauro, que tive, no entanto, ocasião de observar quando iam sensivelmente a meio. Aplaudo a abertura ao público, como já aplaudira, na década de 80, a sua utilização parcial para fins culturais e aí se fez, por exemplo, em Agosto de 1986, a exposição «Cascais ao tempo dos Romanos».
Primeira fase, portanto, do amplo projecto, que é o de proporcionar à população cascalense o usufruto de imóveis com enorme potencial histórico e que, abandonados, corriam sério risco de mais debilitarem as nossas frágeis finanças. Assim se pode conviver com a História e assim se vai compondo o ramalhete cultural dessa nova centralidade cascalense onde a Cultura (com maiúscula) é rainha: o Centro Cultural, o Museu do Mar, a Casa das Histórias, o Condes de Castro Guimarães, a Casa de Santa Maria e o Museu dos Faróis.
Falta a recuperação da Casa Sommer. Oxalá se consigam verbas para que nela se instale, como anunciado, o excelente e bem organizado Arquivo Municipal. Claro que já não luto pelo Museu da História de Cascais, depois de tantas vezes anunciado, quer com o nome de Museu de Arqueologia quer sob a designação de Museu da História local. Pugnei para que, num recanto do vasto espaço do quartel, houvesse um apontamento que fosse sobre a memória do sítio e se aproveitasse o ensejo para dar uma ideia, mesmo pálida, do que fora o passado cascalense. Não venci essa batalha e não fui só eu quem ficou a perder.
Também este vai abaixo!
Não é notícia oficial, ainda que possa, um dia, ter sido já sussurrada antes da ordem do dia ou mesmo no decorrer de uma sessão do Executivo camarário. O certo é que se torna, cada dia que passa, mais provável que o edifício de super-esquadra da PSP, localizado em cima do passeio da Adelino Amaro da Costa e obra de um arquitecto de nomeada, vá mesmo abaixo, não só porque não haverá dinheiro para obras como, ao que parece, outras hipóteses de instalação da PSP podem estar no horizonte, mais viáveis e menos dispendiosas.
A título de exemplo, e só para se acrescentar mais um dado à história do imóvel, o Sr. Presidente da Câmara Dr. António Capucho afirmou, no período antes da ordem do dia da reunião camarária de 2 de Dezembro de 2009 (há dois anos, portanto), que fora «também informado pelo Senhor Ministro que a obra da Esquadra da PSP de Cascais está parada porque o empreiteiro faliu, o que obriga a recomeçar de novo todo o procedimento concursal para terminar esta obra». Atendendo a isso, iria «colocar de novo esta questão junto do Senhor Ministro porque essa informação é contradit6ria com a que ele lhe havia transmitido há uns meses atrás em audiência que teve». E a informação anterior era precisamente que adoptariam um procedimento expedito com ajuste directo para concluir a esquadra até Setembro desse ano...
O «também» do título desta nota – assinale-se – prende-se com o facto de, na edição de 27 de Julho, eu ter anunciado que era intenção da Câmara mandar demolir a carcaça do edifício em frente da estação do caminho-de-ferro de Cascais. Ainda lá está.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 292, 30-11-2011, p. 4].
domingo, 27 de novembro de 2011
Andarilhanças 25
Pela canonização do carro amarelo
Recebi um vídeo em que se dá conta das lojas onde ora se compram – ou alugam – ‘trajes’ de mendigo e, inclusive, se disponibilizam criancinhas «de fazer chorar as pedras da calçada»!... O negócio de ser pedinte, tão antigo como as civilizações urbanas. E todos nós teremos mil e uma histórias para contar nesse sentido. A velhinha toda trémula e andrajosa, de rastos, que nós pensamos estar para morrer em breve, desgraçada, e que, noutro dia, somos capazes de a ver a passear, satisfeita, em local diferente...
O último foi o do carro cuja ‘canonização’ ora se propõe por ter feito um milagre, testemunhado ao vivo por um videoamador. Trata-se de um senhor de muletas, com uma perna só, que vai a atravessar a rua; o carro amarelo aparece disparado e – ó pernas, para que te quero!... – o aleijado larga as muletas e foge a sete pés para não ser atropelado! Com as duas pernas bem no chão, entenda-se!...
Os dois galináceos
Sentei-me num dos bancos do Parque Marechal Carmona, no parque infantil. E ainda não tinha sequer feito menção de abrir o saco para tirar umas bolachinhas para o Marco, já o simpático casal, lindo galo e linda galinha, estavam postados diante de nós, a dizerem que… existiam!
– Olha! Também eles já sabem o que é a crise! – comentou a senhora ali ao lado.
Rimo-nos, claro. Também eles já sabem…
Antero de Sales Gomes
Faleceu a 14 de Fevereiro do ano passado, em Angra do Heroísmo, o Dr. Antero de Sales Gomes.
Natural da Vila da Ribeira Grande (freguesia de Nossa Senhora do Rosário, Ribeira Grande, Cabo Verde), onde nascera a 29 de Janeiro de 1926, fez a sua licenciatura em Românicas na Faculdade de Letras de Coimbra. Pelo poema que seu colega Lélis lhe dedicou, no Livro de Curso de quartanista, em 1953, se ficou desde logo a saber dos seus interesses intelectuais:
«Falarás das minhas tendências filológicas, dialectológicas; sobre o crioulo da minha terra e a nostalgia pelos barcos à vela, pela morna dolente e quente, pelos vales, pelas montanhas e coisas tamanhas que fazem bela a minha terra».
Alto – todos recordarão a sua figura imponente de um metro e oitenta – ensinou Português e Francês por muitos anos na Escola Salesiana do Estoril, para onde religiosamente se deslocava de comboio, vindo de Algés onde morava. Professor exigente mas sempre atencioso, disponível, pronto a ajudar. Tive a honra de conviver com ele durante os oito anos que também ali leccionei; uma presença sempre afável, amigo do seu amigo, de piada fácil.
Após o falecimento da esposa, foi para Angra do Heroísmo, onde viveu o resto dos seus dias, rodeado do carinho familiar. Que descanse em paz!
Monografias que fazem história
À semelhança do que já acontecera com o Colégio da Bafureira, que no ano passado completou 100 anos, assinalados com a publicação pela autarquia Cem Anos a Ensinar – Colégio da Bafureira 1910-2010, fruto da investigação feita pela equipa do Arquivo Municipal, para onde, aliás, tinham transitado os arquivos daquele estabelecimento de ensino, foi agora a vez de uma outra escola, a Escola 31 de Janeiro, marco do republicanismo paredense, como o próprio nome o dá entender: Rui Pinto, docente de História na instituição, lançou mãos à obra e contou, em livro, o que foi esse século de «instrução, educação e progresso».
Aplaudam-se ambas as iniciativas, pelo que representam como fonte para a história local.
Exposições
Se são de muito louvar as juntas de freguesia que mantêm em franca actividade as suas galerias de arte, facultando oportunidade aos artistas de ali mostrarem as suas obras (até 6 de Dezembro, temos, no Estoril, pinturas de Isa Fonseca e fotografias de Alfredo Fachada), não é de menos aplaudir a exposição fotográfica e documental recém-inaugurada no Centro Cultural de Cascais sobre temática arqueológica: o que por aqui se fez em meados do século transacto e, de um modo geral, a enorme investigação desenvolvida pelo Instituto Arqueológico Alemão. A não perder!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 291, 23-11-2011, p. 6].
Recebi um vídeo em que se dá conta das lojas onde ora se compram – ou alugam – ‘trajes’ de mendigo e, inclusive, se disponibilizam criancinhas «de fazer chorar as pedras da calçada»!... O negócio de ser pedinte, tão antigo como as civilizações urbanas. E todos nós teremos mil e uma histórias para contar nesse sentido. A velhinha toda trémula e andrajosa, de rastos, que nós pensamos estar para morrer em breve, desgraçada, e que, noutro dia, somos capazes de a ver a passear, satisfeita, em local diferente...
O último foi o do carro cuja ‘canonização’ ora se propõe por ter feito um milagre, testemunhado ao vivo por um videoamador. Trata-se de um senhor de muletas, com uma perna só, que vai a atravessar a rua; o carro amarelo aparece disparado e – ó pernas, para que te quero!... – o aleijado larga as muletas e foge a sete pés para não ser atropelado! Com as duas pernas bem no chão, entenda-se!...
Os dois galináceos
Sentei-me num dos bancos do Parque Marechal Carmona, no parque infantil. E ainda não tinha sequer feito menção de abrir o saco para tirar umas bolachinhas para o Marco, já o simpático casal, lindo galo e linda galinha, estavam postados diante de nós, a dizerem que… existiam!
– Olha! Também eles já sabem o que é a crise! – comentou a senhora ali ao lado.
Rimo-nos, claro. Também eles já sabem…
Antero de Sales Gomes
Faleceu a 14 de Fevereiro do ano passado, em Angra do Heroísmo, o Dr. Antero de Sales Gomes.
Natural da Vila da Ribeira Grande (freguesia de Nossa Senhora do Rosário, Ribeira Grande, Cabo Verde), onde nascera a 29 de Janeiro de 1926, fez a sua licenciatura em Românicas na Faculdade de Letras de Coimbra. Pelo poema que seu colega Lélis lhe dedicou, no Livro de Curso de quartanista, em 1953, se ficou desde logo a saber dos seus interesses intelectuais:
«Falarás das minhas tendências filológicas, dialectológicas; sobre o crioulo da minha terra e a nostalgia pelos barcos à vela, pela morna dolente e quente, pelos vales, pelas montanhas e coisas tamanhas que fazem bela a minha terra».
Alto – todos recordarão a sua figura imponente de um metro e oitenta – ensinou Português e Francês por muitos anos na Escola Salesiana do Estoril, para onde religiosamente se deslocava de comboio, vindo de Algés onde morava. Professor exigente mas sempre atencioso, disponível, pronto a ajudar. Tive a honra de conviver com ele durante os oito anos que também ali leccionei; uma presença sempre afável, amigo do seu amigo, de piada fácil.
Após o falecimento da esposa, foi para Angra do Heroísmo, onde viveu o resto dos seus dias, rodeado do carinho familiar. Que descanse em paz!
Monografias que fazem história
À semelhança do que já acontecera com o Colégio da Bafureira, que no ano passado completou 100 anos, assinalados com a publicação pela autarquia Cem Anos a Ensinar – Colégio da Bafureira 1910-2010, fruto da investigação feita pela equipa do Arquivo Municipal, para onde, aliás, tinham transitado os arquivos daquele estabelecimento de ensino, foi agora a vez de uma outra escola, a Escola 31 de Janeiro, marco do republicanismo paredense, como o próprio nome o dá entender: Rui Pinto, docente de História na instituição, lançou mãos à obra e contou, em livro, o que foi esse século de «instrução, educação e progresso».
Aplaudam-se ambas as iniciativas, pelo que representam como fonte para a história local.
Exposições
Se são de muito louvar as juntas de freguesia que mantêm em franca actividade as suas galerias de arte, facultando oportunidade aos artistas de ali mostrarem as suas obras (até 6 de Dezembro, temos, no Estoril, pinturas de Isa Fonseca e fotografias de Alfredo Fachada), não é de menos aplaudir a exposição fotográfica e documental recém-inaugurada no Centro Cultural de Cascais sobre temática arqueológica: o que por aqui se fez em meados do século transacto e, de um modo geral, a enorme investigação desenvolvida pelo Instituto Arqueológico Alemão. A não perder!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 291, 23-11-2011, p. 6].
Com o Cachimbo de Meu Pai...
... de Carlos Carranca [1]
Fumo, cachimbo, pai… Memória, afecto, serenidade.
Fumei cachimbo; meu pai fumou cachimbo. Meu avô paterno fumava cachimbo e não posso imaginá-lo sem ser de cachimbo na boca – sempre!
Um fumo diferente, bem cheiroso… Um fumo que nos inebria e seduz; provoca a imaginação; evola-se, como incenso em purificante altar de deuses…
Depois, o ritual: acendia-se friccionando o fuzil na pederneira (o sílex pirómaco) que queimava a isca, semente da isqueira. Talvez se não saiba que isqueiro era precisamente a caixa onde se guardavam as iscas… Assoprava-se para ficar em brasa e, paulatinamente, pacientemente, o lume ia pegando até cobrir a superfície toda, atiçado pelo sorvo a espaços… De seguida, era aspirar de quando em vez, saboreando – que a ciência residia em não deixar apagar! E sempre a carícia quente na mão, do fornilho arredondadamente suave, lustroso, bom…
Mais tarde, nem sempre todas as noutes, ou pela manhã, a operação da limpeza, em ritual também: sopra pela boquilha, raspa bem o fundilho, seca tudo muito bem…
…
Pode não apreciar-se o conteúdo do livro, os versos, alinhados ou não, de Com o Cachimbo de Meu Pai; contudo, mesmo que só nos quedássemos pela capa, tínhamos ali a Poesia toda, entendendo por Poesia aquela forma de muito dizer com palavras poucas, de muito sugerir com imagens mínimas, de longo historiar na fugacidade do momento.
Castanha a cor da capa, para fazer sobressair brancuras; artístico alongamento do banal código de barras, a sublinhar três eloquentes depoimentos, na quarta capa.
O Poeta, ali, em corpo inteiro!
…
Tive o privilégio de arguir a tese de doutoramento de Carlos Carranca – e este é, creio, o seu primeiro livro de Doutor por extenso. Na tese [2] pôs em paralelo Torga e Unamuno, dois viscerais patriotas, entendendo-se por patriotismo o amor pelo vernáculo, pelo típico, pelo que entranhadamente é nosso e nos distingue.
Ecoa essa temática na quadra puxada para a badana: a Pátria é tudo o que nos envolve, nos impregna, o bibe e o cachimbo e – claro! – todas as fases intermédias dum nascer rodeado. Os presentes e os ausentes. Um património – nosso! «Pátria», de pai, de antepassado, de pessoas que vieram antes de nós, que estiveram junto a nós, que partiram antes de nós – mas aqui estão, bem presentes! «Menino de bibe», «cachimbo de meu pai»…
…
Gosto das pinceladas de Rui Vasquez. Enigmáticas. Olhos que perscrutam, a desvendar negruras. Pensativas, serenas, confiantes…
Meditação. Paragem – que o gesto de semear palavra requer longos silêncios também. Cantochão em catedral de preces sussurradas.
…
Dividiu o Poeta em três partes o seu livro, identificadas por uma epígrafe e por esses desenhos de Rui Vasquez:
– Perspicaz olhar na página 8, precedido por uma passagem da 1ª (e não da 2ª) Carta de S. Paulo aos Coríntios (3, 18), que reza assim (permita-se-me que dê uma versão diferente da transcrita): «Ninguém se engane a si mesmo; se algum de vós se julga sábio segundo este mundo, faça-se louco para se tornar sábio». O versículo seguinte, não transcrito, explicita o pensamento do Apóstolo: «Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, pois está escrito ‘Eu apanharei os sábios na sua própria astúcia’».
– Olhar atento na pág. 24.
– Expectante na pág. 42, antecedido este por uma afirmação de Raul Brandão acerca do Homem e da sua arte histriónica.
…
Perguntar-se-á: mais um livro de poemas… para quê, num país de poetas? Aliás, eu acho que o são todos os países, pois escrever palavras belas e poucas constitui apanágio intrínseco do Homem, ainda que, em ritual (ou não) de acasalamento, gestos e sons de todos os animais sejam versos pela aragem derramados…
Tem este 36 poemas, quase todos de uma página só. E que pode dizer-se numa página, três-quatro linhas ao fundo dela, como se houvesse medo de a preencher toda, de sujar imaculadas brancuras?...
…
Fez tese Carlos Carranca sobre Torga e Unamuno, como disse. Leu e releu esses autores; longamente meditou sobre o que eles disseram. Era suposto, pois, que apresentador digno também lesse e relesse, meditasse, perorasse, contasse tudo de fio a pavio… Apesar dos longos anos debruçado sobre os escritos de um e de outro, Carlos Carranca não esgotou, no entanto, o pensamento de Torga e de Unamuno; antes pelo contrário: abriu caminhos, despertou apetites, numa sedução.
Assim, o apresentador: não pode esgotar o tema; deve, sim, torná-lo, se possível, ainda mais aliciante.
Carlos Carranca poeta consubstancia em si o pensador, o cantor e… o político! Permita-se-me, pois, que a esses três aspectos ora me cinja.
Pensador
Captando ecos de outras andanças, inclusive o da tese de doutoramento, onde o tema da religiosidade sempre esteve patente, assim como na sua investigação sobre Torga como ser religioso,[3] agarro no poema da pág. 30: «Nada ser de Deus».
Enigmático. Deveras enigmático. Parece confessar-se ateu, porque Deus é – para ele, poeta – o nada, afinal, com um rosto inexistente, mas que, em versos («palavras arrumadas»), teimam em atribuir-Lhe. É, pois, Deus uma criação poética? Todavia… mesmo usando como escada os versos – «palavras gastas e sempre renovadas» – o Poeta apenas consegue subir ao nada. Mágoa? Apenas verificação – resultado de uma experiência laboratorial muitas vezes repetida? «Por me saber ateu» – escreve. É Deus ou o Poeta o sujeito desta frase? Claro que tem de ser o Poeta que como tal se reconhece… Contudo, reconhecer-se-á?... Estão gastas as palavras, sim; não as proclama, no entanto, «sempre renovadas»? Teimosia é ou… a conclusão, alfim, de uma reflexão quotidiana, de palavras sempre renovadas? Será Deus um «nada»? Ou, para o Poeta, é poesia uma religião?
Por estes campos onde Deus não mora
há cruzes e santos e alminhas (pág. 34)
Sete versos e… tanto por pensar:
Nada ser de Deus senão dos versos
Que em palavras arrumadas
lhe vão dando o rosto que não tem.
Por me saber ateu
dos versos subo ao nada
a caminhar palavras gastas
e sempre renovadas. (pág. 30)
Cantor
Cantor é Carlos Carranca. Para ele, as palavras têm melodia, reconhece-as «pelo cheiro»; «ao fim do dia», porém, «suadas e humanas»… elas são «poemas por detrás da vida»! (pág. 31). Alguns dos seus textos são, pois, claramente para cantar, ao ritmo dolente de rufares pelas quebradas…
«Que espero eu da poesia?» – pergunta, a dado passo. Sopa fria, sapato roto, pé descalço… Tudo isso! Mas, acima de tudo, «dentro de mim melodia»! (pág. 13).
E deixamo-nos embalar em jeito de suave balada:
porque não sei cavalgar
dou-te minhas esporas de prata
porque não sei prantear
dou-te os meus olhos de vento (pág. 15)
às vezes sobra-me tempo
onde o tempo é já a sobra
doutro tempo que passou (pág. 17)
culminando na balada para o nosso Luiz Goes (p. 46):
Andam p’la terra os poetas
dizem que são de ficar
dizem que são de ficar
são como os filhos das ervas.
Andam p’la terra os poetas
Nas ondas altas do mar
Ecos trovadorescos também.
Político
Finalmente, o político, arauto da liberdade, como se exige que o sejam sempre os poetas.
Canta-se a fraternidade – olá, Xanana, cristo-o-torto, cristo-o-velho, cristo-o-louco, cristo-o-belo! (pág. 47).
Verberam-se guerras estranhas:
No hospital de Prizren
lágrimas devoram o rosto
das vidas bombardeadas. (pág. 49)
Deixo de lado Coimbra, a Coimbra das memórias – olá, Couceiro! Olá, João Alvarez! Olá, Álvaro Aroso… – que também por aqui há (houve!) política e bem se aprendeu a lição de Torga, Miguel como Unamuno, Miguel como Cervantes. E é pungente o final. Bem, o final final lembra-me José Gomes Ferreira e a sua atenção às coisas mínimas da vida;[4] neste caso, o Poeta vê que a seu lado agora se assenta um cego (pág. 59) e quase lhe apeteceria começar a dissertar sobre a cegueira.[5] Não disserta, porque o cego lhe lembra Homero, o mítico poeta épico que dizem ter sido cego, e descobre um Homero que ri. Riso mordaz deve ser, porque agora já não há lugar para os épicos:
Agora que não temos um país
e onde
pelo sonho que fomos já não vamos (p. 57).
…
Missão cumprida, Poeta!
Do cachimbo de teu pai se evolavam fumaças olorosas, brincando na brisa suave… Agora, as fumaças fedem; a brisa virou tornado; e sobre a mão que segura o cachimbo impende espada de Dâmocles, em permanente ameaça.
Se já pelo sonho querem que não vamos; se o comboio já não passa tragado pelo progresso; se o recreio da escola virou corredor estreito… teimosia maior há-de ser a nossa, Poeta! Renegaremos Régio, solenemente, e vamos proclamar: «Ai sim? Então… eu vou por aí!».
NOTAS
[1] Edição de Talenticious, Figueira da Foz, 2011.
[2] Dissertação em Línguas e Literaturas Modernas, especialidade de Língua, Cultura e Literatura Portuguesas, intitulada O Casticismo em Torga e Unamuno, foi defendida, a 1 de Junho de 2010, na Universidade Autónoma de Lisboa.
[3] Torga – o Bicho Religioso, Universitária Editora, Lisboa, 2000 (2ª edição).
[4] Cf. José Gomes Ferreira, Poesia – III, Círculo de Leitores, Lisboa, s/ d.
[5] Cf. José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, Editorial Caminho, Lisboa, 2001.
[Apresentação feita a 19 de Novembro de 2011, na sede do Clube Desportivo da Costa do Estoril, Alapraia.]
Fumo, cachimbo, pai… Memória, afecto, serenidade.
Fumei cachimbo; meu pai fumou cachimbo. Meu avô paterno fumava cachimbo e não posso imaginá-lo sem ser de cachimbo na boca – sempre!
Um fumo diferente, bem cheiroso… Um fumo que nos inebria e seduz; provoca a imaginação; evola-se, como incenso em purificante altar de deuses…
Depois, o ritual: acendia-se friccionando o fuzil na pederneira (o sílex pirómaco) que queimava a isca, semente da isqueira. Talvez se não saiba que isqueiro era precisamente a caixa onde se guardavam as iscas… Assoprava-se para ficar em brasa e, paulatinamente, pacientemente, o lume ia pegando até cobrir a superfície toda, atiçado pelo sorvo a espaços… De seguida, era aspirar de quando em vez, saboreando – que a ciência residia em não deixar apagar! E sempre a carícia quente na mão, do fornilho arredondadamente suave, lustroso, bom…
Mais tarde, nem sempre todas as noutes, ou pela manhã, a operação da limpeza, em ritual também: sopra pela boquilha, raspa bem o fundilho, seca tudo muito bem…
…
Pode não apreciar-se o conteúdo do livro, os versos, alinhados ou não, de Com o Cachimbo de Meu Pai; contudo, mesmo que só nos quedássemos pela capa, tínhamos ali a Poesia toda, entendendo por Poesia aquela forma de muito dizer com palavras poucas, de muito sugerir com imagens mínimas, de longo historiar na fugacidade do momento.
Castanha a cor da capa, para fazer sobressair brancuras; artístico alongamento do banal código de barras, a sublinhar três eloquentes depoimentos, na quarta capa.
O Poeta, ali, em corpo inteiro!
…
Tive o privilégio de arguir a tese de doutoramento de Carlos Carranca – e este é, creio, o seu primeiro livro de Doutor por extenso. Na tese [2] pôs em paralelo Torga e Unamuno, dois viscerais patriotas, entendendo-se por patriotismo o amor pelo vernáculo, pelo típico, pelo que entranhadamente é nosso e nos distingue.
Ecoa essa temática na quadra puxada para a badana: a Pátria é tudo o que nos envolve, nos impregna, o bibe e o cachimbo e – claro! – todas as fases intermédias dum nascer rodeado. Os presentes e os ausentes. Um património – nosso! «Pátria», de pai, de antepassado, de pessoas que vieram antes de nós, que estiveram junto a nós, que partiram antes de nós – mas aqui estão, bem presentes! «Menino de bibe», «cachimbo de meu pai»…
…
Gosto das pinceladas de Rui Vasquez. Enigmáticas. Olhos que perscrutam, a desvendar negruras. Pensativas, serenas, confiantes…
Meditação. Paragem – que o gesto de semear palavra requer longos silêncios também. Cantochão em catedral de preces sussurradas.
…
Dividiu o Poeta em três partes o seu livro, identificadas por uma epígrafe e por esses desenhos de Rui Vasquez:
– Perspicaz olhar na página 8, precedido por uma passagem da 1ª (e não da 2ª) Carta de S. Paulo aos Coríntios (3, 18), que reza assim (permita-se-me que dê uma versão diferente da transcrita): «Ninguém se engane a si mesmo; se algum de vós se julga sábio segundo este mundo, faça-se louco para se tornar sábio». O versículo seguinte, não transcrito, explicita o pensamento do Apóstolo: «Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, pois está escrito ‘Eu apanharei os sábios na sua própria astúcia’».
– Olhar atento na pág. 24.
– Expectante na pág. 42, antecedido este por uma afirmação de Raul Brandão acerca do Homem e da sua arte histriónica.
…
Perguntar-se-á: mais um livro de poemas… para quê, num país de poetas? Aliás, eu acho que o são todos os países, pois escrever palavras belas e poucas constitui apanágio intrínseco do Homem, ainda que, em ritual (ou não) de acasalamento, gestos e sons de todos os animais sejam versos pela aragem derramados…
Tem este 36 poemas, quase todos de uma página só. E que pode dizer-se numa página, três-quatro linhas ao fundo dela, como se houvesse medo de a preencher toda, de sujar imaculadas brancuras?...
…
Fez tese Carlos Carranca sobre Torga e Unamuno, como disse. Leu e releu esses autores; longamente meditou sobre o que eles disseram. Era suposto, pois, que apresentador digno também lesse e relesse, meditasse, perorasse, contasse tudo de fio a pavio… Apesar dos longos anos debruçado sobre os escritos de um e de outro, Carlos Carranca não esgotou, no entanto, o pensamento de Torga e de Unamuno; antes pelo contrário: abriu caminhos, despertou apetites, numa sedução.
Assim, o apresentador: não pode esgotar o tema; deve, sim, torná-lo, se possível, ainda mais aliciante.
Carlos Carranca poeta consubstancia em si o pensador, o cantor e… o político! Permita-se-me, pois, que a esses três aspectos ora me cinja.
Pensador
Captando ecos de outras andanças, inclusive o da tese de doutoramento, onde o tema da religiosidade sempre esteve patente, assim como na sua investigação sobre Torga como ser religioso,[3] agarro no poema da pág. 30: «Nada ser de Deus».
Enigmático. Deveras enigmático. Parece confessar-se ateu, porque Deus é – para ele, poeta – o nada, afinal, com um rosto inexistente, mas que, em versos («palavras arrumadas»), teimam em atribuir-Lhe. É, pois, Deus uma criação poética? Todavia… mesmo usando como escada os versos – «palavras gastas e sempre renovadas» – o Poeta apenas consegue subir ao nada. Mágoa? Apenas verificação – resultado de uma experiência laboratorial muitas vezes repetida? «Por me saber ateu» – escreve. É Deus ou o Poeta o sujeito desta frase? Claro que tem de ser o Poeta que como tal se reconhece… Contudo, reconhecer-se-á?... Estão gastas as palavras, sim; não as proclama, no entanto, «sempre renovadas»? Teimosia é ou… a conclusão, alfim, de uma reflexão quotidiana, de palavras sempre renovadas? Será Deus um «nada»? Ou, para o Poeta, é poesia uma religião?
Por estes campos onde Deus não mora
há cruzes e santos e alminhas (pág. 34)
Sete versos e… tanto por pensar:
Nada ser de Deus senão dos versos
Que em palavras arrumadas
lhe vão dando o rosto que não tem.
Por me saber ateu
dos versos subo ao nada
a caminhar palavras gastas
e sempre renovadas. (pág. 30)
Cantor
Cantor é Carlos Carranca. Para ele, as palavras têm melodia, reconhece-as «pelo cheiro»; «ao fim do dia», porém, «suadas e humanas»… elas são «poemas por detrás da vida»! (pág. 31). Alguns dos seus textos são, pois, claramente para cantar, ao ritmo dolente de rufares pelas quebradas…
«Que espero eu da poesia?» – pergunta, a dado passo. Sopa fria, sapato roto, pé descalço… Tudo isso! Mas, acima de tudo, «dentro de mim melodia»! (pág. 13).
E deixamo-nos embalar em jeito de suave balada:
porque não sei cavalgar
dou-te minhas esporas de prata
porque não sei prantear
dou-te os meus olhos de vento (pág. 15)
às vezes sobra-me tempo
onde o tempo é já a sobra
doutro tempo que passou (pág. 17)
culminando na balada para o nosso Luiz Goes (p. 46):
Andam p’la terra os poetas
dizem que são de ficar
dizem que são de ficar
são como os filhos das ervas.
Andam p’la terra os poetas
Nas ondas altas do mar
Ecos trovadorescos também.
Político
Finalmente, o político, arauto da liberdade, como se exige que o sejam sempre os poetas.
Canta-se a fraternidade – olá, Xanana, cristo-o-torto, cristo-o-velho, cristo-o-louco, cristo-o-belo! (pág. 47).
Verberam-se guerras estranhas:
No hospital de Prizren
lágrimas devoram o rosto
das vidas bombardeadas. (pág. 49)
Deixo de lado Coimbra, a Coimbra das memórias – olá, Couceiro! Olá, João Alvarez! Olá, Álvaro Aroso… – que também por aqui há (houve!) política e bem se aprendeu a lição de Torga, Miguel como Unamuno, Miguel como Cervantes. E é pungente o final. Bem, o final final lembra-me José Gomes Ferreira e a sua atenção às coisas mínimas da vida;[4] neste caso, o Poeta vê que a seu lado agora se assenta um cego (pág. 59) e quase lhe apeteceria começar a dissertar sobre a cegueira.[5] Não disserta, porque o cego lhe lembra Homero, o mítico poeta épico que dizem ter sido cego, e descobre um Homero que ri. Riso mordaz deve ser, porque agora já não há lugar para os épicos:
Agora que não temos um país
e onde
pelo sonho que fomos já não vamos (p. 57).
…
Missão cumprida, Poeta!
Do cachimbo de teu pai se evolavam fumaças olorosas, brincando na brisa suave… Agora, as fumaças fedem; a brisa virou tornado; e sobre a mão que segura o cachimbo impende espada de Dâmocles, em permanente ameaça.
Se já pelo sonho querem que não vamos; se o comboio já não passa tragado pelo progresso; se o recreio da escola virou corredor estreito… teimosia maior há-de ser a nossa, Poeta! Renegaremos Régio, solenemente, e vamos proclamar: «Ai sim? Então… eu vou por aí!».
NOTAS
[1] Edição de Talenticious, Figueira da Foz, 2011.
[2] Dissertação em Línguas e Literaturas Modernas, especialidade de Língua, Cultura e Literatura Portuguesas, intitulada O Casticismo em Torga e Unamuno, foi defendida, a 1 de Junho de 2010, na Universidade Autónoma de Lisboa.
[3] Torga – o Bicho Religioso, Universitária Editora, Lisboa, 2000 (2ª edição).
[4] Cf. José Gomes Ferreira, Poesia – III, Círculo de Leitores, Lisboa, s/ d.
[5] Cf. José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, Editorial Caminho, Lisboa, 2001.
[Apresentação feita a 19 de Novembro de 2011, na sede do Clube Desportivo da Costa do Estoril, Alapraia.]
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Doutora Maria Manuel Valagão
Foi com especial enlevo (permita-se-me a palavra) que soube, através de Noticias de S. Braz (edição de Agosto), que a Doutora Maria Manuel Valagão fora a madrinha da 2ª edição da Feira da Serra, este ano, dedicada especialmente ao azeite.
Nada mais justo – e importará, decerto, sublinhar, mais uma vez, o relevante papel que esta ilustre são-brasense tem desempenhado no âmbito do incremento dado à culinária tradicional, nomeadamente (como não podia deixar de ser!) do nosso Algarve e do Alentejo. O reino das ervas e dos condimentos não tem para ela segredos e, numa altura em que o fastfood se impôs, até porque pouco tempo nos dão para almoçar e é tudo a correr, o recurso aos alimentos naturais constitui não apenas um objectivo salutar mas também o sábio e económico aproveitamento do que a Natureza pôs ao nosso dispor e que, por incúria, fomos abandonando!
Os poejos, as beldroegas, os cogumelos, os espargos silvestres, até os cardos!… voltaram a estar na ordem do dia e muita da consciencialização acerca da importância dessas ‘ervas’ se deve ao labor científico e de divulgação da Doutora Maria Manuel Valagão. O último livro que organizou – Natureza, Gastronomia & Lazer – sobre «plantas silvestres alimentares e ervas aromáticas condimentares» foi mui justamente galardoado com o Prémio de Literatura Gastronómica 2010, atribuído pela Academia Internacional de Gastronomia de Paris. E sobre ele escreveu Miguel Esteves Cardoso uma saborosa crónica (jornal Público, 29.04.2011, p. 13), subordinada ao título «Agarre este livro, se puder».
Motivos de sobra há, pois, para nos congratularmos!
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 180, 20 de Novembro de 2011, p. 15. A foto reproduz o instantâneo do encontro do autor com a Doutora Maria Manuel Valagão, a 11-11-2011, no Mercado de Santa Clara, em Lisboa].
Nada mais justo – e importará, decerto, sublinhar, mais uma vez, o relevante papel que esta ilustre são-brasense tem desempenhado no âmbito do incremento dado à culinária tradicional, nomeadamente (como não podia deixar de ser!) do nosso Algarve e do Alentejo. O reino das ervas e dos condimentos não tem para ela segredos e, numa altura em que o fastfood se impôs, até porque pouco tempo nos dão para almoçar e é tudo a correr, o recurso aos alimentos naturais constitui não apenas um objectivo salutar mas também o sábio e económico aproveitamento do que a Natureza pôs ao nosso dispor e que, por incúria, fomos abandonando!
Os poejos, as beldroegas, os cogumelos, os espargos silvestres, até os cardos!… voltaram a estar na ordem do dia e muita da consciencialização acerca da importância dessas ‘ervas’ se deve ao labor científico e de divulgação da Doutora Maria Manuel Valagão. O último livro que organizou – Natureza, Gastronomia & Lazer – sobre «plantas silvestres alimentares e ervas aromáticas condimentares» foi mui justamente galardoado com o Prémio de Literatura Gastronómica 2010, atribuído pela Academia Internacional de Gastronomia de Paris. E sobre ele escreveu Miguel Esteves Cardoso uma saborosa crónica (jornal Público, 29.04.2011, p. 13), subordinada ao título «Agarre este livro, se puder».
Motivos de sobra há, pois, para nos congratularmos!
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 180, 20 de Novembro de 2011, p. 15. A foto reproduz o instantâneo do encontro do autor com a Doutora Maria Manuel Valagão, a 11-11-2011, no Mercado de Santa Clara, em Lisboa].
domingo, 20 de novembro de 2011
«À Procura da Alegria» esgotou Musical
Estreou no domingo, 13, com casa cheia, na Sociedade Musical de Cascais, o musical À Procura da Alegria, de Victor Mata, com encenação de Vasco Campos, acompanhados, naturalmente, por toda uma equipa de técnicos. Do elenco fazem parte 16 elementos, alguns dos quais pisam pela primeira vez o palco – e esse é um dos principais aplausos a fazer, pelo dinamismo demonstrado em interessar pelo Teatro as camadas jovens.
Duas horas muito bem dispostas em que se dá conta de um tema prenhe de actualidade: a partida de inúmeros portugueses para as mais diversas partes do mundo (França, Inglaterra, Espanha, Canárias, Itália, Afeganistão, Macau, América do Norte, Venezuela, Brasil…), à procura de melhores condições de vida. Mostra-se como, nessas paragens, chegam a alcançar lugares cimeiros, ainda que a saudade do regresso seja, em todos, uma tónica comum.
O roteiro é, pois, pretexto para se darem apontamentos de danças e cantares de cada um desses países, em mui agradáveis coreografias de Susana Mata e adequado guarda-roupa (de Inês Mata), dado que as três personagens – orientadas à partida e recebidas à chegada pelo tio cego, Carlos Lopes – vão ao encontro dos parentes que têm por essas bandas: Viriato é um agricultor que tem procurado manter-se da faina agrícola; Paião fora deixado à guarda do tio, quando os pais emigraram; Amália já nascera em França, mas também foi enviada para cá ao cuidado do tio.
Mensagem evidente e optimista: «Matar saudades, voltar à vida sã do campo, alimentar-se da produção generosa das suas próprias mãos e assistir com alegria às festas da nossa terra». Valeu!
Entre os convidados, registe-se a presença do vereador Nuno Piteira Lopes e do presidente da Junta de Freguesia de Alcabideche, Fernando Teixeira Lopes. Piteira Lopes, no final, manifestou o empenho camarário em dar todo o apoio possível a estas manifestações, pelo enorme significado sociocultural que representam.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 290, 16-11-2011, p. 10].
Duas horas muito bem dispostas em que se dá conta de um tema prenhe de actualidade: a partida de inúmeros portugueses para as mais diversas partes do mundo (França, Inglaterra, Espanha, Canárias, Itália, Afeganistão, Macau, América do Norte, Venezuela, Brasil…), à procura de melhores condições de vida. Mostra-se como, nessas paragens, chegam a alcançar lugares cimeiros, ainda que a saudade do regresso seja, em todos, uma tónica comum.
O roteiro é, pois, pretexto para se darem apontamentos de danças e cantares de cada um desses países, em mui agradáveis coreografias de Susana Mata e adequado guarda-roupa (de Inês Mata), dado que as três personagens – orientadas à partida e recebidas à chegada pelo tio cego, Carlos Lopes – vão ao encontro dos parentes que têm por essas bandas: Viriato é um agricultor que tem procurado manter-se da faina agrícola; Paião fora deixado à guarda do tio, quando os pais emigraram; Amália já nascera em França, mas também foi enviada para cá ao cuidado do tio.
Mensagem evidente e optimista: «Matar saudades, voltar à vida sã do campo, alimentar-se da produção generosa das suas próprias mãos e assistir com alegria às festas da nossa terra». Valeu!
Entre os convidados, registe-se a presença do vereador Nuno Piteira Lopes e do presidente da Junta de Freguesia de Alcabideche, Fernando Teixeira Lopes. Piteira Lopes, no final, manifestou o empenho camarário em dar todo o apoio possível a estas manifestações, pelo enorme significado sociocultural que representam.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 290, 16-11-2011, p. 10].
Andarilhanças 24
Os cantoneiros
Em reportagem televisiva acerca dos funcionários da limpeza de Lisboa, ouvi chamar-lhes cantoneiros. O termo não está bem empregado, embora aceite que tenham querido aplicá-lo agora com outra acepção. Cantoneiro tinha um significado bem preciso, que, aliás, vem no dicionário: o encarregado da limpeza e manutenção de um cantão, ou seja, de uma porção de estrada. Trata-se, pois, de um conceito de conotação rural e não urbana.
Nos anos 50 e 60, recordo, o Zé Duque e o António Carneiro eram os cantoneiros, por exemplo, da estrada entre Torre e Birre: limpavam as valetas, reparavam os buracos no macadame e o seu cantão lá estava devidamente sinalizado por tabuletas de metal que espetavam na berma para melhor identificação. Amiúde, até, todas essas ferramentas ficavam de um dia para o outro no barracão de minha casa. Será que, na Câmara, disso ainda existe memória?
Arranjo da Estrada das Neves
Obra meritória: a estrada entre Bicesse e Manique estava uma lástima, era perigosa, com todas aquelas lombas e a curva apertada... Está a custar-nos a espera, os desvios, mas… esperemos que sejam rápidos e saia daí obra asseada.
Vedação perigosa
Para além do mau aspecto que dão aqueles casarões de fábrica abandonada junto ao quartel dos bombeiros – uma das primeiras imagens que acolhe quem, vindo da auto-estrada, se dirige a Cascais – a vedação do terreno, no passeio, está danificada em várias porções. Oxalá não se tenha de lamentar, um dia, a ocorrência de acidentes, devidos, por exemplo, a mera distracção de transeuntes.
Pavões
Escrevi, a 21 de Setembro, que corria voz de que se tinha a intenção de retirar os pavões do Parque Marechal Carmona. Foi boato falso, decerto, porque já por lá se vêem agora muitos mais, inclusive dos brancos. Boa ideia!
Mais publicidade para as iniciativas
A Agenda Cultural do Município de Cascais constitui importante veículo de informação acerca das iniciativas culturais e outras; os serviços de imprensa do Município também procuram estar sempre em cima do acontecimento. Sucede, porém, que nem sempre se tem hipótese de ver a agenda; e será uma percentagem pequena de munícipes que dispõe de acesso à Internet e, sobretudo, de tempo para se adestrar na busca dessas informações.
Custa, pois, verificar – e isso se tem repetido vezes sem conta ao longo dos anos – que falta público para muitas iniciativas. Quantos saberão, por exemplo, que é gratuita a entrada nos museus municipais? Quantos terão visitado o Museu do Mar?
Escrevia-se, há pouco, que mui provavelmente o Festival de Música do Estoril – um dos mais antigos e tradicionais do País – poderia vir a não ser apoiado por lhe faltar público. É a política, nomeadamente, da CP: há poucos passageiros? – Suprimem-se os comboios! Eu tenho uma outra filosofia: há poucos passageiros? Vamos fazer para que haja mais! Há pouca gente nos concertos? Vamos fazer das tripas coração, vamos dar a volta ao texto e… mostremos como é aliciante ir a um concerto!
A psicologia no preço dos combustíveis
Nesse aspecto, que se ponham os olhos nos publicitários que regem o negócio das gasolineiras. Como é que estão anunciados os preços? Aproximados ao cêntimo! E, levados pela magia de um dígito, somos capazes de andar uns quilómetros mais porque, na bomba X, o preço é de 1,529 euros, enquanto nesta aqui é de 1,549. Ou seja, se o deposito levar 40 litros, a corrida à outra bomba valeu 40 x 2 cêntimos = 80 cêntimos! Será que valeu a pena? Não se terá gasto mais no percurso? Em todo o caso, a publicidade venceu!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 290, 16-11-2011, p. 6].
Em reportagem televisiva acerca dos funcionários da limpeza de Lisboa, ouvi chamar-lhes cantoneiros. O termo não está bem empregado, embora aceite que tenham querido aplicá-lo agora com outra acepção. Cantoneiro tinha um significado bem preciso, que, aliás, vem no dicionário: o encarregado da limpeza e manutenção de um cantão, ou seja, de uma porção de estrada. Trata-se, pois, de um conceito de conotação rural e não urbana.
Nos anos 50 e 60, recordo, o Zé Duque e o António Carneiro eram os cantoneiros, por exemplo, da estrada entre Torre e Birre: limpavam as valetas, reparavam os buracos no macadame e o seu cantão lá estava devidamente sinalizado por tabuletas de metal que espetavam na berma para melhor identificação. Amiúde, até, todas essas ferramentas ficavam de um dia para o outro no barracão de minha casa. Será que, na Câmara, disso ainda existe memória?
Arranjo da Estrada das Neves
Obra meritória: a estrada entre Bicesse e Manique estava uma lástima, era perigosa, com todas aquelas lombas e a curva apertada... Está a custar-nos a espera, os desvios, mas… esperemos que sejam rápidos e saia daí obra asseada.
Vedação perigosa
Para além do mau aspecto que dão aqueles casarões de fábrica abandonada junto ao quartel dos bombeiros – uma das primeiras imagens que acolhe quem, vindo da auto-estrada, se dirige a Cascais – a vedação do terreno, no passeio, está danificada em várias porções. Oxalá não se tenha de lamentar, um dia, a ocorrência de acidentes, devidos, por exemplo, a mera distracção de transeuntes.
Pavões
Escrevi, a 21 de Setembro, que corria voz de que se tinha a intenção de retirar os pavões do Parque Marechal Carmona. Foi boato falso, decerto, porque já por lá se vêem agora muitos mais, inclusive dos brancos. Boa ideia!
Mais publicidade para as iniciativas
A Agenda Cultural do Município de Cascais constitui importante veículo de informação acerca das iniciativas culturais e outras; os serviços de imprensa do Município também procuram estar sempre em cima do acontecimento. Sucede, porém, que nem sempre se tem hipótese de ver a agenda; e será uma percentagem pequena de munícipes que dispõe de acesso à Internet e, sobretudo, de tempo para se adestrar na busca dessas informações.
Custa, pois, verificar – e isso se tem repetido vezes sem conta ao longo dos anos – que falta público para muitas iniciativas. Quantos saberão, por exemplo, que é gratuita a entrada nos museus municipais? Quantos terão visitado o Museu do Mar?
Escrevia-se, há pouco, que mui provavelmente o Festival de Música do Estoril – um dos mais antigos e tradicionais do País – poderia vir a não ser apoiado por lhe faltar público. É a política, nomeadamente, da CP: há poucos passageiros? – Suprimem-se os comboios! Eu tenho uma outra filosofia: há poucos passageiros? Vamos fazer para que haja mais! Há pouca gente nos concertos? Vamos fazer das tripas coração, vamos dar a volta ao texto e… mostremos como é aliciante ir a um concerto!
A psicologia no preço dos combustíveis
Nesse aspecto, que se ponham os olhos nos publicitários que regem o negócio das gasolineiras. Como é que estão anunciados os preços? Aproximados ao cêntimo! E, levados pela magia de um dígito, somos capazes de andar uns quilómetros mais porque, na bomba X, o preço é de 1,529 euros, enquanto nesta aqui é de 1,549. Ou seja, se o deposito levar 40 litros, a corrida à outra bomba valeu 40 x 2 cêntimos = 80 cêntimos! Será que valeu a pena? Não se terá gasto mais no percurso? Em todo o caso, a publicidade venceu!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 290, 16-11-2011, p. 6].
terça-feira, 15 de novembro de 2011
O documento estava no portão do pátio!
Termino, com este apontamento, a série de três em que se deu conta de uma atitude assaz frequente e nem sempre devidamente tida em consideração: o reaproveitamento de materiais.
Sim, em tempos de crise – e em todos, aliás… – reaproveitar é palavra-chave presente no nosso quotidiano: deixou de ter utilidade, está ali à mão de semear e até nos serve às mil maravilhas? – Reaproveite-se!
Movimentos ecológicos e artísticos preconizam, por exemplo, o reaproveitamento dos plásticos para criar um quadro, uma escultura. E apostam nisso, didacticamente, as escolas desde o ensino pré-primário, a fim de se instilar no espírito da criança essa boa mentalidade que tinham nossos avós e que a sociedade de consumo deitou para trás das costas e… é o que se vê!...
A pedra com letras motivo de mais este apontamento foi também identificada por Luís Filipe Coutinho Gomes, que a estudou (é a inscrição nº 53 do nº 12, de 1985, do Ficheiro Epigráfico): uma estela de granito, «que servia de ombreira à porta de acesso a um pátio sito à direita do fontanário logo à entrada da povoação de Pinheiro de Tavares», na freguesia de S. João da Fresta. Foi guardada na sede da Associação Azurara da Beira.
Um tudo-nada estragado, devido à prolongada exposição aos agentes atmosféricos e à passagem das pessoas, constituía o texto o epitáfio de duas pessoas da mesma família: um filho de Triteu, falecido aos 30 anos, e Súnua, filha de Mearo, de 70. Cenão, filho de Triteu, mandou lavrar o epitáfio em honra do irmão e da mãe.
E assim se ficou a conhecer mais uma família indígena que adoptou hábitos romanos e cuja memória acaba de perdurar até aos nossos dias. Para isso serve a epigrafia, esse gravar em material duradouro a mensagem que se pretende transmitir aos vindouros. Mesmo deslocada do seu contexto primordial, acabou por ser encontrada e hoje se lhe dá o devido valor como singular documento histórico.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 581, 15-11-2011, p. 13.
Sim, em tempos de crise – e em todos, aliás… – reaproveitar é palavra-chave presente no nosso quotidiano: deixou de ter utilidade, está ali à mão de semear e até nos serve às mil maravilhas? – Reaproveite-se!
Movimentos ecológicos e artísticos preconizam, por exemplo, o reaproveitamento dos plásticos para criar um quadro, uma escultura. E apostam nisso, didacticamente, as escolas desde o ensino pré-primário, a fim de se instilar no espírito da criança essa boa mentalidade que tinham nossos avós e que a sociedade de consumo deitou para trás das costas e… é o que se vê!...
A pedra com letras motivo de mais este apontamento foi também identificada por Luís Filipe Coutinho Gomes, que a estudou (é a inscrição nº 53 do nº 12, de 1985, do Ficheiro Epigráfico): uma estela de granito, «que servia de ombreira à porta de acesso a um pátio sito à direita do fontanário logo à entrada da povoação de Pinheiro de Tavares», na freguesia de S. João da Fresta. Foi guardada na sede da Associação Azurara da Beira.
Um tudo-nada estragado, devido à prolongada exposição aos agentes atmosféricos e à passagem das pessoas, constituía o texto o epitáfio de duas pessoas da mesma família: um filho de Triteu, falecido aos 30 anos, e Súnua, filha de Mearo, de 70. Cenão, filho de Triteu, mandou lavrar o epitáfio em honra do irmão e da mãe.
E assim se ficou a conhecer mais uma família indígena que adoptou hábitos romanos e cuja memória acaba de perdurar até aos nossos dias. Para isso serve a epigrafia, esse gravar em material duradouro a mensagem que se pretende transmitir aos vindouros. Mesmo deslocada do seu contexto primordial, acabou por ser encontrada e hoje se lhe dá o devido valor como singular documento histórico.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 581, 15-11-2011, p. 13.
Da ressurreição de objectos e de pessoas
Captou perfeitamente João Orlindo o espírito de um curso como o de Museologia e Património Cultural: a necessária ressurreição de, à primeira vista, insignificantes objectos que integravam todo um quotidiano, o ciclo anual na vida de uma comunidade.
Realça este seu livrinho a preocupação que já tinha perante a desertificação das aldeias do interior do País, a sua consequente perda de identidade, o abandono e destruição de objectos considerados inúteis. Aliás, foi no mesmo sentido Sílvia Costa que preparou De dentro do Armário, também publicado por Apenas Livros. Louve-se, pois, antes de mais, a iniciativa da publicação!
Se, ali, fora singelo armário de cozinha o mote para a referida ressurreição, aqui agarrou João Orlindo num canastrão de pisar castanhas, que, observando o definhar das vidas na aldeia de Balocas, perdida nas dobras da Estrela, «prossegue o seu descanso anual sobre o velho ‘caniço’»… E, vai daí, porque «os castanheiros já pouco são apanhados na totalidade; faltam as forças nos braços para limpar os ‘soitos’ e a agilidade nas mãos para separar as castanhas dos ‘oiriços’, assim como as pernas para as carregar», o canastrão constituiu pretexto para se falar de todo o ciclo da castanha e da sua importância na economia local, para se evocar um quotidiano pautado pelas estações do ano (quando ainda as havia bem distintas) e pelo ritmo diário do nascer ao pôr-do-sol, não esquecendo os serões em que, em volta da lareira, para «combater a lentidão dos dias de Inverno, mais vagos nos afazeres da terra», se contavam histórias, se passava o testemunho…
Que interesse há, pois, num canastrão de pisar castanhas para servir de tema a um livro? E a resposta não pode ser outra: é testemunho! Um testemunho a valorizar! Um testemunho que, afinal, tem histórias para contar – e que bem João Orlindo no-las soube transmitir!
É o canastrão incentivo para uma ressurreição. Ressurreição que se pretende definitiva, dado que se aponta para musealização perpetuadora de memórias!
Um exemplo – que se deseje frutifique, qual semente revitalizante!
Cascais, Setembro de 2011
Prefácio a Murmúrios de um tempo… – O objecto etnográfico, repositório de memória, de João Orlindo Marques. Apenas Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-628-343-1, p. 3-4.
Realça este seu livrinho a preocupação que já tinha perante a desertificação das aldeias do interior do País, a sua consequente perda de identidade, o abandono e destruição de objectos considerados inúteis. Aliás, foi no mesmo sentido Sílvia Costa que preparou De dentro do Armário, também publicado por Apenas Livros. Louve-se, pois, antes de mais, a iniciativa da publicação!
Se, ali, fora singelo armário de cozinha o mote para a referida ressurreição, aqui agarrou João Orlindo num canastrão de pisar castanhas, que, observando o definhar das vidas na aldeia de Balocas, perdida nas dobras da Estrela, «prossegue o seu descanso anual sobre o velho ‘caniço’»… E, vai daí, porque «os castanheiros já pouco são apanhados na totalidade; faltam as forças nos braços para limpar os ‘soitos’ e a agilidade nas mãos para separar as castanhas dos ‘oiriços’, assim como as pernas para as carregar», o canastrão constituiu pretexto para se falar de todo o ciclo da castanha e da sua importância na economia local, para se evocar um quotidiano pautado pelas estações do ano (quando ainda as havia bem distintas) e pelo ritmo diário do nascer ao pôr-do-sol, não esquecendo os serões em que, em volta da lareira, para «combater a lentidão dos dias de Inverno, mais vagos nos afazeres da terra», se contavam histórias, se passava o testemunho…
Que interesse há, pois, num canastrão de pisar castanhas para servir de tema a um livro? E a resposta não pode ser outra: é testemunho! Um testemunho a valorizar! Um testemunho que, afinal, tem histórias para contar – e que bem João Orlindo no-las soube transmitir!
É o canastrão incentivo para uma ressurreição. Ressurreição que se pretende definitiva, dado que se aponta para musealização perpetuadora de memórias!
Um exemplo – que se deseje frutifique, qual semente revitalizante!
Cascais, Setembro de 2011
Prefácio a Murmúrios de um tempo… – O objecto etnográfico, repositório de memória, de João Orlindo Marques. Apenas Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-628-343-1, p. 3-4.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Alemães e portugueses, diálogo com interrupções
Solicita-me Peter Koj um breve apontamento, no momento em que me informa que será este número, o 50º, o último em que exercerá as funções de chefe de redacção.
Nunca será de mais salientar o importante papel que Peter Koj tem desempenhado no estreitamento das relações entre a Alemanha e Portugal, não só porque a sua estada entre nós o levou a conhecer o Portugal profundo e por ele se apaixonou, como porque vive numa cidade em que as raízes e a presença portuguesas hoje se fazem sentir mais, decerto, do que noutra cidade alemã. É para mim um grande orgulho saber que foi comigo que Peter começou a aprender português, depressa se industriando no domínio de um vocabulário ímpar e na leitura sempre actualizada dos autores nossos contemporâneos. Foi, por isso, justamente galardoado, até porque, regressado a Hamburgo desenvolveu na cidade o mais amplo interesse pela cultura lusa nos seus mais diversos aspectos, nomeadamente literários, artísticos e musicais. Honra, pois, ao seu grande mérito!
Na actual conjuntura (estou a escrever dias antes das eleições em Portugal, determinadas pela chamada ‘crise’ que grassa por todo o sistema visceralmente capitalista em que o mundo se atolou), a Alemanha não é bem vista pelo português comum, o que é compreensível – atitude que porventura passará.
E se a Berlim dos nossos dias, no perfeito casamento (verbi gratia) entre a tradição e o futuro – de que a cúpula de vidro de Norman Forster sobre o edifício do Parlamento poderá apresentar-se como paradigma – nos alicia, quero, porém, dar dois dos muitos exemplos da minha experiência pessoal que me levaram a ter grande consideração pelos alemães:
– 1º) O alemão vem para Portugal e não faz como o inglês ou o francês, que insistem em falar nas suas línguas de origem e não se esforçam minimamente para aprender duas ou três frases que sejam do idioma português (afinal, a 5ª língua mais falada no mundo, segundo se diz). O alemão esforça-se, aprende e aprende bem!
– 2º) Um dos meus amigos, dono duma tipografia, comprou uma máquina na Alemanha. Houve qualquer problema e a máquina não funcionava. Vieram os representantes da marca em Portugal, operários e engenheiros; olharam, olharam, disseram que sim, de facto não trabalhava, o melhor era vir alguém da Alemanha. E vieram os engenheiros alemães. Vestiram o fato-macaco, arregaçaram as mangas, deitaram-se debaixo da máquina, sujaram as mãos e… já funciona, experimentem!
Publicado em Portugal-Post - Correio luso-hanseático (Hamburgo), nº 50, Novembro de 2011, p. 33-34 [versão portuguesa com tradução em Alemão].
Nunca será de mais salientar o importante papel que Peter Koj tem desempenhado no estreitamento das relações entre a Alemanha e Portugal, não só porque a sua estada entre nós o levou a conhecer o Portugal profundo e por ele se apaixonou, como porque vive numa cidade em que as raízes e a presença portuguesas hoje se fazem sentir mais, decerto, do que noutra cidade alemã. É para mim um grande orgulho saber que foi comigo que Peter começou a aprender português, depressa se industriando no domínio de um vocabulário ímpar e na leitura sempre actualizada dos autores nossos contemporâneos. Foi, por isso, justamente galardoado, até porque, regressado a Hamburgo desenvolveu na cidade o mais amplo interesse pela cultura lusa nos seus mais diversos aspectos, nomeadamente literários, artísticos e musicais. Honra, pois, ao seu grande mérito!
Na actual conjuntura (estou a escrever dias antes das eleições em Portugal, determinadas pela chamada ‘crise’ que grassa por todo o sistema visceralmente capitalista em que o mundo se atolou), a Alemanha não é bem vista pelo português comum, o que é compreensível – atitude que porventura passará.
E se a Berlim dos nossos dias, no perfeito casamento (verbi gratia) entre a tradição e o futuro – de que a cúpula de vidro de Norman Forster sobre o edifício do Parlamento poderá apresentar-se como paradigma – nos alicia, quero, porém, dar dois dos muitos exemplos da minha experiência pessoal que me levaram a ter grande consideração pelos alemães:
– 1º) O alemão vem para Portugal e não faz como o inglês ou o francês, que insistem em falar nas suas línguas de origem e não se esforçam minimamente para aprender duas ou três frases que sejam do idioma português (afinal, a 5ª língua mais falada no mundo, segundo se diz). O alemão esforça-se, aprende e aprende bem!
– 2º) Um dos meus amigos, dono duma tipografia, comprou uma máquina na Alemanha. Houve qualquer problema e a máquina não funcionava. Vieram os representantes da marca em Portugal, operários e engenheiros; olharam, olharam, disseram que sim, de facto não trabalhava, o melhor era vir alguém da Alemanha. E vieram os engenheiros alemães. Vestiram o fato-macaco, arregaçaram as mangas, deitaram-se debaixo da máquina, sujaram as mãos e… já funciona, experimentem!
Publicado em Portugal-Post - Correio luso-hanseático (Hamburgo), nº 50, Novembro de 2011, p. 33-34 [versão portuguesa com tradução em Alemão].
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Andarilhanças 23
O medo, a desmoralização e o poder
São constantes os vídeos e as mensagens que nos chegam, através da Internet, a explicar aspectos do quotidiano que a Comunicação Social não ousa abordar, nomeadamente ao que concerne às manigâncias de quem, por esse mundo, detém (ou deteve) o poder. Por exemplo, os chorudos vencimentos mensais. De quando em vez, há uma redacção que se passa e põe a boca no trombone, como foi o caso do semanário Focus do dia 26 de Outubro, que escarrapachou os ordenados milionários auferidos na RTP.
Recebemos também a explicação do que é, afinal, o Banco Central Europeu; do que se passa realmente (asseguram) na Grécia… E a entrevista com um perito, pensador, que explica tintim por tintim como é que se faz num mundo em que 1% da população mundial detém 80% da riqueza: interessa manter as pessoas desmoralizadas, assustadas, porque, assim, mais facilmente se deixam dominar. Uma nação optimista, saudável, confiante é difícil de governar!...
Compreende-se, pois, que a ordem seja para só dar notícias desagradáveis!... Uma ordem que, felizmente, entre nós, cada vez está a ser menos cumprida.
Câmara paga tributo aos ingleses
Há um projecto da Câmara de Cascais que visa proporcionar maior comunicabilidade do munícipe com os órgãos autárquicos. Chama-se «CRM – fale connosco» e está na página electrónica do Município. Poderia ser apenas “Contacte-nos” ou “Fale Connosco”. Não: tinha de ser CRM! E o que é CRM, num mundo pejado de siglas como é o nosso?... Não, não é, por exemplo, a Comissão de Recepção ao Munícipe, que seria designação corriqueira, nada ajustada a um município de prestígio internacional! Nada disso! CRM são as iniciais de… Citizen Relationship Management! Ora toma!... Para que lhes havia de dar!
Cachecol solidário
SOS Animal – sosanimal@sosanimal.com – é uma entidade sem fins lucrativos, para acolher animais abandonados e promover a sua adopção. Fruto da carolice de um dinâmico grupo de activistas, acaba de lançar uma campanha com o fim de angariar fundos para equipar a Clínica Veterinária SOSAnimal, sita em Caparide: a venda de um cachecol polar, de tamanho único, disponível em seis cores (laranja, azul escuro, bege, preto, azul claro e rosa claro) e dois logótipos (SOSAnimal cão e gato).
Clube Desportivo da Costa do Estoril
Comemora, no dia 18, 26 anos de existência, em prol da cultura e do desporto. Nesse dia, ao jantar, fados com Deo e José Pires. no dia seguinte, terei o prazer de apresentar o mais recente livro de poemas de Carlos Carranca, docente da Escola Profissional de Teatro e da Universidade Lusófona (Escola Superior de Educação Almeida Garrett). O livro chama-se Com o Cachimbo de Meu Pai. Seguir-se-á um concerto de flauta e piano: Marina Dmitrieva e Vera Belozorovitch, habituais colaboradoras do Clube, interpretarão obras de Listz.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 289, 09-11-2011, p. 6].
São constantes os vídeos e as mensagens que nos chegam, através da Internet, a explicar aspectos do quotidiano que a Comunicação Social não ousa abordar, nomeadamente ao que concerne às manigâncias de quem, por esse mundo, detém (ou deteve) o poder. Por exemplo, os chorudos vencimentos mensais. De quando em vez, há uma redacção que se passa e põe a boca no trombone, como foi o caso do semanário Focus do dia 26 de Outubro, que escarrapachou os ordenados milionários auferidos na RTP.
Recebemos também a explicação do que é, afinal, o Banco Central Europeu; do que se passa realmente (asseguram) na Grécia… E a entrevista com um perito, pensador, que explica tintim por tintim como é que se faz num mundo em que 1% da população mundial detém 80% da riqueza: interessa manter as pessoas desmoralizadas, assustadas, porque, assim, mais facilmente se deixam dominar. Uma nação optimista, saudável, confiante é difícil de governar!...
Compreende-se, pois, que a ordem seja para só dar notícias desagradáveis!... Uma ordem que, felizmente, entre nós, cada vez está a ser menos cumprida.
Câmara paga tributo aos ingleses
Há um projecto da Câmara de Cascais que visa proporcionar maior comunicabilidade do munícipe com os órgãos autárquicos. Chama-se «CRM – fale connosco» e está na página electrónica do Município. Poderia ser apenas “Contacte-nos” ou “Fale Connosco”. Não: tinha de ser CRM! E o que é CRM, num mundo pejado de siglas como é o nosso?... Não, não é, por exemplo, a Comissão de Recepção ao Munícipe, que seria designação corriqueira, nada ajustada a um município de prestígio internacional! Nada disso! CRM são as iniciais de… Citizen Relationship Management! Ora toma!... Para que lhes havia de dar!
Cachecol solidário
SOS Animal – sosanimal@sosanimal.com – é uma entidade sem fins lucrativos, para acolher animais abandonados e promover a sua adopção. Fruto da carolice de um dinâmico grupo de activistas, acaba de lançar uma campanha com o fim de angariar fundos para equipar a Clínica Veterinária SOSAnimal, sita em Caparide: a venda de um cachecol polar, de tamanho único, disponível em seis cores (laranja, azul escuro, bege, preto, azul claro e rosa claro) e dois logótipos (SOSAnimal cão e gato).
Clube Desportivo da Costa do Estoril
Comemora, no dia 18, 26 anos de existência, em prol da cultura e do desporto. Nesse dia, ao jantar, fados com Deo e José Pires. no dia seguinte, terei o prazer de apresentar o mais recente livro de poemas de Carlos Carranca, docente da Escola Profissional de Teatro e da Universidade Lusófona (Escola Superior de Educação Almeida Garrett). O livro chama-se Com o Cachimbo de Meu Pai. Seguir-se-á um concerto de flauta e piano: Marina Dmitrieva e Vera Belozorovitch, habituais colaboradoras do Clube, interpretarão obras de Listz.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 289, 09-11-2011, p. 6].
sábado, 5 de novembro de 2011
Andarilhanças 22
Passeios alargados em Cascais
Sente-se que os actuais urbanistas muito prezam a convivialidade, o andar a pé, o evitar os automóveis. A ideia é boa, desde que não levada ao exagero e aplicada a torto e a direito. O caso da Av. Engº A. Amaro da Costa para norte do cruzamento do Cobre, onde a circulação pedonal é mínima, e mesmo o trecho inicial da Estrada da Malveira, a partir da rotunda de Birre, são exemplos desse exagero, que em devido tempo denunciámos; debalde, porque urbanista é urbanista e o cidadão, mesmo que veicule o senso comum, não passa de cidadão ignorante das teorias…
Hoje, porém, dois alargamentos merecem aplauso. O primeiro, o do troço de passeio entre o Pão de Açúcar e a entrada para o Parque Palmela. Era zona bem apertada, de muita passagem de pessoas, nomeadamente para o paredão, amiúde com água resultante da infiltração da zona ajardinada acima do muro de protecção. O segundo, em plena vila, o do passeio fronteiro ao Largo Cidade Vitória, na Alameda dos Combatentes da Grande Guerra. Ficaram mais aconchegadas as esplanadas dos restaurantes típicos e há agora largueza de acesso.
Penhas do Marmeleiro ou a necessidade de se estudar História!
Foi notícia, mais uma vez, a excelente reconversão em parque urbano do campo de tiro aos pratos, na margem esquerda do Rio Marmeleiro, a leste de Murches. Aí se inaugurou, no dia 23, o circuito pedestre já existente mas ainda não devidamente publicitado.
Oxalá que, desta sorte, ele possa vir a ser mais frequentado, exigindo também essa maior frequência mais cuidado na sua manutenção e vigilância.
Já em tempo oportuno solicitei às entidades responsáveis que corrigissem a distracção cometida por quem não estudou História nem teve o cuidado de se informar: é Marmeleiro (e não Marmeleira). Deve-se o topónimo ao curso de água que lhe passa aos pés, assim chamado por ser, outrora, zona rica em marmeleiros. Assim está designado na página do facebook, onde as Penhas contam com 647 amigos.
Demoraram os serviços camarários a mudar de Ponta para Pedra no caso do Centro Interpretativo instalado em S. Pedro do Estoril. Neste caso, a reivindicação tem mais de um ano. Vamos esperar – que a lentidão parece ser virtude!...
C
Prossegue a sua publicação quinzenal o jornal [«boletim»] chamado C (C de Cascais, C de Geração C…), propriedade da Câmara Municipal de Cascais. Recebemos na caixa do correio o nº 3, de 20 de Outubro, edição de Luísa Rego, 120 000 exemplares. O editorial não vem assinado, mas do seu teor se poderá deduzir ser da lavra de responsável do Executivo municipal. 24 páginas sem publicidade comercial nem informação sobre deliberações camarárias.
Festival de Música em risco?
Informou Rui Frade Ribeiro, no seu blogue «Pensar mais Cascais», no passado dia 26, que «em reunião plenária dos militantes do PSD de Cascais», o Dr. Carlos Carreiras anunciara, entre outras «linhas orientadoras para a redefinição dos investimentos municipais», que não se continuaria a financiar o Festival de Música do Estoril, atendendo ao «número reduzido de espectadores para estes espectáculos».
Salientando que, em seu entender, é papel da Câmara «apoiar iniciativas que permitam a diversificação da oferta cultural, especialmente na perspectiva de alargamento de públicos como são os casos da música clássica ou do bailado», comenta aquele ex-vereador da Cultura:
«É estranho que a mesma Câmara que financia espectáculos de Seal ou de Maria Rita, artistas com nome para encher uma sala de espectáculos com bilhetes pagos sem precisar de ajudas das entidades oficiais, recusa um apoio que este ano foi de 80.000 € para a realização do Festival de Música da Costa do Estoril.
Ao mesmo tempo que se propõe disponibilizar 250.000 € para um Festival de Cinema que se realiza em Lisboa, considera sem interesse um evento com mais de 30 anos de existência como é o Festival de Música da Costa do Estoril».
A tragédia grega
Depois de Barbershop, romance em que se retratam, em ironia fina, vidas singulares da burguesia nesta ocidental plaga lisboeta, quis Júlio Conrado brindar-nos com um livro de cordel (parabéns por ter também aderido a este formato em boa hora ressuscitado pela editora Apenas Livros.
Chama-se a Tragédia Grega (Lisboa, Fevereiro de 2011) e dá conta de uma situação deveras curiosa, em forma poética que é de prosa ou de prosa que é poesia à moda antiga, qual romanceiro – por tradição, em verso facilmente nos exprimimos.
Planeia-se um assassinato. No momento mais oportuno, para passar despercebido: quando milhões de portugueses estivessem de olhos pregados no televisor, pois Portugal defrontava a Grécia no final do Campeonato Europeu. Se Portugal ganhasse, o momento da grande euforia seria o ideal, ninguém daria por isso!
Vamos, então, matar! Está decidido!
Contratada está a experiência nunca desmentida do atirador, resta escolher o alvo. E aí está o busílis! O escritor quer liquidar tantos dos seus fantasmas!... O professor primário, o padre, a Nini, o cacique local, enfim!...
Borboleta de flor em flor, cheio de hesitações se mantém até final. E… a tragédia foi só no futebol! Grega, como as de outrora, em que o Destino era proclamado fatal pelo coro, ao longo de toda a peça. Bem, afinal também o escritor acaba por morrer!
De leitura fácil, jocosa, nas suas 20 páginas, acutilante no escalpelizar de atitudes e de situações, esta Tragédia Grega recomenda-se vivamente.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 288, 02-11-2011, p. 6].
Sente-se que os actuais urbanistas muito prezam a convivialidade, o andar a pé, o evitar os automóveis. A ideia é boa, desde que não levada ao exagero e aplicada a torto e a direito. O caso da Av. Engº A. Amaro da Costa para norte do cruzamento do Cobre, onde a circulação pedonal é mínima, e mesmo o trecho inicial da Estrada da Malveira, a partir da rotunda de Birre, são exemplos desse exagero, que em devido tempo denunciámos; debalde, porque urbanista é urbanista e o cidadão, mesmo que veicule o senso comum, não passa de cidadão ignorante das teorias…
Hoje, porém, dois alargamentos merecem aplauso. O primeiro, o do troço de passeio entre o Pão de Açúcar e a entrada para o Parque Palmela. Era zona bem apertada, de muita passagem de pessoas, nomeadamente para o paredão, amiúde com água resultante da infiltração da zona ajardinada acima do muro de protecção. O segundo, em plena vila, o do passeio fronteiro ao Largo Cidade Vitória, na Alameda dos Combatentes da Grande Guerra. Ficaram mais aconchegadas as esplanadas dos restaurantes típicos e há agora largueza de acesso.
Penhas do Marmeleiro ou a necessidade de se estudar História!
Foi notícia, mais uma vez, a excelente reconversão em parque urbano do campo de tiro aos pratos, na margem esquerda do Rio Marmeleiro, a leste de Murches. Aí se inaugurou, no dia 23, o circuito pedestre já existente mas ainda não devidamente publicitado.
Oxalá que, desta sorte, ele possa vir a ser mais frequentado, exigindo também essa maior frequência mais cuidado na sua manutenção e vigilância.
Já em tempo oportuno solicitei às entidades responsáveis que corrigissem a distracção cometida por quem não estudou História nem teve o cuidado de se informar: é Marmeleiro (e não Marmeleira). Deve-se o topónimo ao curso de água que lhe passa aos pés, assim chamado por ser, outrora, zona rica em marmeleiros. Assim está designado na página do facebook, onde as Penhas contam com 647 amigos.
Demoraram os serviços camarários a mudar de Ponta para Pedra no caso do Centro Interpretativo instalado em S. Pedro do Estoril. Neste caso, a reivindicação tem mais de um ano. Vamos esperar – que a lentidão parece ser virtude!...
C
Prossegue a sua publicação quinzenal o jornal [«boletim»] chamado C (C de Cascais, C de Geração C…), propriedade da Câmara Municipal de Cascais. Recebemos na caixa do correio o nº 3, de 20 de Outubro, edição de Luísa Rego, 120 000 exemplares. O editorial não vem assinado, mas do seu teor se poderá deduzir ser da lavra de responsável do Executivo municipal. 24 páginas sem publicidade comercial nem informação sobre deliberações camarárias.
Festival de Música em risco?
Informou Rui Frade Ribeiro, no seu blogue «Pensar mais Cascais», no passado dia 26, que «em reunião plenária dos militantes do PSD de Cascais», o Dr. Carlos Carreiras anunciara, entre outras «linhas orientadoras para a redefinição dos investimentos municipais», que não se continuaria a financiar o Festival de Música do Estoril, atendendo ao «número reduzido de espectadores para estes espectáculos».
Salientando que, em seu entender, é papel da Câmara «apoiar iniciativas que permitam a diversificação da oferta cultural, especialmente na perspectiva de alargamento de públicos como são os casos da música clássica ou do bailado», comenta aquele ex-vereador da Cultura:
«É estranho que a mesma Câmara que financia espectáculos de Seal ou de Maria Rita, artistas com nome para encher uma sala de espectáculos com bilhetes pagos sem precisar de ajudas das entidades oficiais, recusa um apoio que este ano foi de 80.000 € para a realização do Festival de Música da Costa do Estoril.
Ao mesmo tempo que se propõe disponibilizar 250.000 € para um Festival de Cinema que se realiza em Lisboa, considera sem interesse um evento com mais de 30 anos de existência como é o Festival de Música da Costa do Estoril».
A tragédia grega
Depois de Barbershop, romance em que se retratam, em ironia fina, vidas singulares da burguesia nesta ocidental plaga lisboeta, quis Júlio Conrado brindar-nos com um livro de cordel (parabéns por ter também aderido a este formato em boa hora ressuscitado pela editora Apenas Livros.
Chama-se a Tragédia Grega (Lisboa, Fevereiro de 2011) e dá conta de uma situação deveras curiosa, em forma poética que é de prosa ou de prosa que é poesia à moda antiga, qual romanceiro – por tradição, em verso facilmente nos exprimimos.
Planeia-se um assassinato. No momento mais oportuno, para passar despercebido: quando milhões de portugueses estivessem de olhos pregados no televisor, pois Portugal defrontava a Grécia no final do Campeonato Europeu. Se Portugal ganhasse, o momento da grande euforia seria o ideal, ninguém daria por isso!
Vamos, então, matar! Está decidido!
Contratada está a experiência nunca desmentida do atirador, resta escolher o alvo. E aí está o busílis! O escritor quer liquidar tantos dos seus fantasmas!... O professor primário, o padre, a Nini, o cacique local, enfim!...
Borboleta de flor em flor, cheio de hesitações se mantém até final. E… a tragédia foi só no futebol! Grega, como as de outrora, em que o Destino era proclamado fatal pelo coro, ao longo de toda a peça. Bem, afinal também o escritor acaba por morrer!
De leitura fácil, jocosa, nas suas 20 páginas, acutilante no escalpelizar de atitudes e de situações, esta Tragédia Grega recomenda-se vivamente.
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 288, 02-11-2011, p. 6].
A estela romana que era peitoril!
Na sequência do que já se escreveu na edição do passado dia 1 de Outubro, não posso deixar de voltar a referir-me ao facto de, na região de Mangualde, várias inscrições romanas terem sido identificadas em reutilização por estudantes de Epigrafia da Universidade de Coimbra, há uns 30 anos atrás.
O exemplo que ora se traz à colação não deixa também de ser curioso: uma estela funerária romana – com quase dois mil anos, portanto – foi aproveitada para peitoril da janela de uma casa rural sita na aldeia de Pinheiro de Tavares, freguesia de S. João da Fresta.
Devem-na ter encontrado por perto os construtores da moradia; acharam-na bonita, até porque tinha uma flor esculpida; acrescentaram-lhe quiçá uma cruz com pedestal como era de uso, não fossem os dizeres terem algum esconjuro maligno, e lá a puseram deitada, com o letreiro bem à mostra, ainda que desconhecessem por completo o que lá estava escrito e, sequer, em que língua!
Viu-a Luís Filipe Coutinho Gomes e decidiu-se a estudá-la, estudo que veio a ser publicado na revista Ficheiro Epigráfico, do Instituto de Arqueologia de Coimbra, no nº 12, de 1985, inscrição nº 52.
Constituía o texto, já bastante deteriorado devido à prolongada exposição aos agentes atmosféricos (agora, já está a recato na sede da Associação Azurara da Beira), o epitáfio de uma senhora, falecida aos 60 anos, Flavina de seu nome, filha de Flavo. Não se consegue perceber a identificação da dedicante, ainda que se trate de uma filha de Alúquio. O monumento estava consagrado aos deuses Manes, protectores, no Além, do espírito do defunto.
Ficámos assim a saber de representantes de três gerações de uma família com raízes locais (dada a onomástica que apresentam, tipicamente pré-romana): filha de Flavo, Flavina (o diminutivo não poderia ser mais apropriado!) casou com Alúquio (um nome etimologicamente lusitano) e dessa união nasceu uma filha, cujo nome, porém, se desconhece. Não nos admiraria, por conseguinte, que – dadas essas referências todas – o túmulo viesse a ser mais tarde usado para os restos mortais dos que na epígrafe vêm mencionados.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 580, 01-11-2011, p. 13.
O exemplo que ora se traz à colação não deixa também de ser curioso: uma estela funerária romana – com quase dois mil anos, portanto – foi aproveitada para peitoril da janela de uma casa rural sita na aldeia de Pinheiro de Tavares, freguesia de S. João da Fresta.
Devem-na ter encontrado por perto os construtores da moradia; acharam-na bonita, até porque tinha uma flor esculpida; acrescentaram-lhe quiçá uma cruz com pedestal como era de uso, não fossem os dizeres terem algum esconjuro maligno, e lá a puseram deitada, com o letreiro bem à mostra, ainda que desconhecessem por completo o que lá estava escrito e, sequer, em que língua!
Viu-a Luís Filipe Coutinho Gomes e decidiu-se a estudá-la, estudo que veio a ser publicado na revista Ficheiro Epigráfico, do Instituto de Arqueologia de Coimbra, no nº 12, de 1985, inscrição nº 52.
Constituía o texto, já bastante deteriorado devido à prolongada exposição aos agentes atmosféricos (agora, já está a recato na sede da Associação Azurara da Beira), o epitáfio de uma senhora, falecida aos 60 anos, Flavina de seu nome, filha de Flavo. Não se consegue perceber a identificação da dedicante, ainda que se trate de uma filha de Alúquio. O monumento estava consagrado aos deuses Manes, protectores, no Além, do espírito do defunto.
Ficámos assim a saber de representantes de três gerações de uma família com raízes locais (dada a onomástica que apresentam, tipicamente pré-romana): filha de Flavo, Flavina (o diminutivo não poderia ser mais apropriado!) casou com Alúquio (um nome etimologicamente lusitano) e dessa união nasceu uma filha, cujo nome, porém, se desconhece. Não nos admiraria, por conseguinte, que – dadas essas referências todas – o túmulo viesse a ser mais tarde usado para os restos mortais dos que na epígrafe vêm mencionados.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 580, 01-11-2011, p. 13.
Resistir à uniformização!
Não seria tão avesso às cláusulas do Acordo Ortográfico se estivesse prevista a liberdade de opção. Não há um castelhano (de Espanha) e o espanhol (da América do Sul), o inglês americano e o inglês do Reino Unido?...
Não constituirá, porém, esse o perigo da perda da nossa independência – porque perdida já está! Também a identidade não correrá grande risco. Soubemos guindar o mirandês a língua oficial; respeitamos sem problemas o barranquenho e o minderico. E pugnamos por dar a conhecer cada vez mais aquilo que, em cada região, reflecte, também a nível da linguagem, o viver quotidiano.
«Bêceta, gato!», por exemplo. Como é que se escreve? Onde estará registado? Apresenta-se, no entanto, como singela expressão algarvia (e doutras paragens, quiçá) para afastar bichano impertinente que teime em abeirar-se dum prato ou em reclamar colo inoportuno.
Ou… «Não botes que eu não bebo!»: a ironia tão típica das nossas gentes, perante o gesto de quem queria servir um copo e, afinal, sem disso se aperceber, tinha a garrafa vazia!...
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 154 (Novembro 2011), p. 10.
Não constituirá, porém, esse o perigo da perda da nossa independência – porque perdida já está! Também a identidade não correrá grande risco. Soubemos guindar o mirandês a língua oficial; respeitamos sem problemas o barranquenho e o minderico. E pugnamos por dar a conhecer cada vez mais aquilo que, em cada região, reflecte, também a nível da linguagem, o viver quotidiano.
«Bêceta, gato!», por exemplo. Como é que se escreve? Onde estará registado? Apresenta-se, no entanto, como singela expressão algarvia (e doutras paragens, quiçá) para afastar bichano impertinente que teime em abeirar-se dum prato ou em reclamar colo inoportuno.
Ou… «Não botes que eu não bebo!»: a ironia tão típica das nossas gentes, perante o gesto de quem queria servir um copo e, afinal, sem disso se aperceber, tinha a garrafa vazia!...
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 154 (Novembro 2011), p. 10.
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Andarilhanças 21
Perplexidades
Perante o rol imenso de desgraças e de injustiças com que diariamente se depara, a nível nacional e internacional, e que nunca lhe passariam pela cabeça, o jornalista local até hesita em chamar a atenção para o buraco da rua, a lâmpada fundida, o autocarro que não cumpre horários, o parque de estacionamento de preço exagerado… Que é isso em comparação com o inaudito desespero de quantos nem uma negra côdea de pão têm para a boca?!...
Esquisitices
O caso – contado por fonte fidedigna – não se passa em Cascais, mas numa delegação do Banco Alimentar algures em Portugal: a roupa amontoa-se, porque os ‘necessitados’ são esquisitos na escolha e nem tudo lhes serve! E, do cabaz de alimentos recebido, logo mais adiante há quem deite pró contentor ou para a valeta os pacotes que não lhe interessam!
Comentários
18 de Outubro, RDP 1, programa da manhã. Não perdi o apetite para o pequeno-almoço, porque, hoje, é necessário viver um minuto de cada vez; contudo, as perspectivas de futuro que os noticiários nos apresentaram eram sombrias de mais!...
Aliás, na sequência do que muitos estamos a dizer há algum tempo, continua a apetecer perguntar: «Porque é que só se dá relevo à desgraça?».
Números
De novo, Mário Soares. Escalpelizou: importa tratar as pessoas como pessoas e não como números!
Há quanto tempo dizemos isso? E porque é que os que mandam tanto o esquecem? Não sabem que números não são susceptíveis de motivação nem de brio?
E, oportunamente, os publicitários aproveitam:
«Para nós, César não é um número. Ele é o pai babado da Sofia».
Oxalá assim fosse!
Terramotos
Nunca de tal me apercebera realmente; todavia, sempre que se fala em terramotos, vem, na verdade, à memória dos mais velhos, a madrugada de 28 de Fevereiro de 1969, quando Portugal foi sacudido por um sismo que, no seu epicentro, atingiu o grau 7,8 da escala de Richter.
Curioso verificar também que essa recordação está tão viva que o já aqui referido Rogério Pires de Carvalho o não esquece no livro Alenterra, quando evoca a sua estada em Lisboa. Igualmente José Manuel de Azevedo e Silva – exactamente, esse que foi o único ferido com certa gravidade da explosão no Cais-do-Sodré, a 28 de Maio de 1961, hoje professor universitário aposentado –, a essa ocorrência se refere na sua autobiografia, Passos e ‘Passas’ de uma Vida (p. 65-68); encontrava-se, na altura, a prestar serviço como agente da PSP na Parede.
Paulo Ossião
Seguramente, um dos nossos melhores aguarelistas em actividade. Tonalidades ténues, manchas cromáticas palpitantes, olhar perspicaz sobre os ângulos bonitos da realidade circundante.
Desde o passado dia 22 até 21 de Novembro, na galeria do Casino Estoril: «A minha Lisboa 30 anos depois». Magnífica! Uma cidade em tons de azul, a sinfonia dos telhados envoltos em neblina de aconchego. E pessoas! Pessoas à conversa na esplanada, a tagarelar nas janelas… Pessoas! Lisboa, afinal, humanizada!...
A não perder – que a cidade, assim, até a sentimos mais nossa!
Maria Helena Ventura
Munícipe de Cascais (vive entre nós há bastantes anos), Maria Helena Ventura tem-se notabilizado por uma escrita resultante de bem amadurecida investigação. Com um pé na ficção e outro na História, brindou-nos já com obras notáveis como, entre outras, Afonso, o Conquistador, evocação de D. Afonso Henriques (Março 2007); Onde vais, Isabel, a história da Rainha Santa Isabel (Março 2008); Um Homem Só, a sua visão da vida de Jesus Cristo (Maio 2010)…
O seu último trabalho, Cidadão Orson Welles (Março 2011, Edições Saída de Emergência, editora que a tem acompanhado), constitui eloquente forma de contar a biografia do controverso realizador. Esbelta tunisina apaixonada pela sua figura de criador e de Homem ousa interpor-se-lhe no caminho. Nasce daí acalorada paixão mantida secreta, miudamente narrada, psicologicamente densa, pretexto também para nos levar a passear pela Roma Eterna e seus infinitos recantos, por Florença, Paris e, até, no retorno à Tunísia do Museu do Bardo e do inesquecível oásis de Gabes…
Uma viagem cativante, mesmo quando se imagina o soar de «rajadas de vento à porta de uma cidade abandonada» (p. 115) ou só apetece «fundir as lágrimas nas águas do Tibre» e se anseia por que «as noites se fechem com o rótulo da esperança» (p. 19).
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 287, 26-10-2011, p. 4].
Perante o rol imenso de desgraças e de injustiças com que diariamente se depara, a nível nacional e internacional, e que nunca lhe passariam pela cabeça, o jornalista local até hesita em chamar a atenção para o buraco da rua, a lâmpada fundida, o autocarro que não cumpre horários, o parque de estacionamento de preço exagerado… Que é isso em comparação com o inaudito desespero de quantos nem uma negra côdea de pão têm para a boca?!...
Esquisitices
O caso – contado por fonte fidedigna – não se passa em Cascais, mas numa delegação do Banco Alimentar algures em Portugal: a roupa amontoa-se, porque os ‘necessitados’ são esquisitos na escolha e nem tudo lhes serve! E, do cabaz de alimentos recebido, logo mais adiante há quem deite pró contentor ou para a valeta os pacotes que não lhe interessam!
Comentários
18 de Outubro, RDP 1, programa da manhã. Não perdi o apetite para o pequeno-almoço, porque, hoje, é necessário viver um minuto de cada vez; contudo, as perspectivas de futuro que os noticiários nos apresentaram eram sombrias de mais!...
Aliás, na sequência do que muitos estamos a dizer há algum tempo, continua a apetecer perguntar: «Porque é que só se dá relevo à desgraça?».
Números
De novo, Mário Soares. Escalpelizou: importa tratar as pessoas como pessoas e não como números!
Há quanto tempo dizemos isso? E porque é que os que mandam tanto o esquecem? Não sabem que números não são susceptíveis de motivação nem de brio?
E, oportunamente, os publicitários aproveitam:
«Para nós, César não é um número. Ele é o pai babado da Sofia».
Oxalá assim fosse!
Terramotos
Nunca de tal me apercebera realmente; todavia, sempre que se fala em terramotos, vem, na verdade, à memória dos mais velhos, a madrugada de 28 de Fevereiro de 1969, quando Portugal foi sacudido por um sismo que, no seu epicentro, atingiu o grau 7,8 da escala de Richter.
Curioso verificar também que essa recordação está tão viva que o já aqui referido Rogério Pires de Carvalho o não esquece no livro Alenterra, quando evoca a sua estada em Lisboa. Igualmente José Manuel de Azevedo e Silva – exactamente, esse que foi o único ferido com certa gravidade da explosão no Cais-do-Sodré, a 28 de Maio de 1961, hoje professor universitário aposentado –, a essa ocorrência se refere na sua autobiografia, Passos e ‘Passas’ de uma Vida (p. 65-68); encontrava-se, na altura, a prestar serviço como agente da PSP na Parede.
Paulo Ossião
Seguramente, um dos nossos melhores aguarelistas em actividade. Tonalidades ténues, manchas cromáticas palpitantes, olhar perspicaz sobre os ângulos bonitos da realidade circundante.
Desde o passado dia 22 até 21 de Novembro, na galeria do Casino Estoril: «A minha Lisboa 30 anos depois». Magnífica! Uma cidade em tons de azul, a sinfonia dos telhados envoltos em neblina de aconchego. E pessoas! Pessoas à conversa na esplanada, a tagarelar nas janelas… Pessoas! Lisboa, afinal, humanizada!...
A não perder – que a cidade, assim, até a sentimos mais nossa!
Maria Helena Ventura
Munícipe de Cascais (vive entre nós há bastantes anos), Maria Helena Ventura tem-se notabilizado por uma escrita resultante de bem amadurecida investigação. Com um pé na ficção e outro na História, brindou-nos já com obras notáveis como, entre outras, Afonso, o Conquistador, evocação de D. Afonso Henriques (Março 2007); Onde vais, Isabel, a história da Rainha Santa Isabel (Março 2008); Um Homem Só, a sua visão da vida de Jesus Cristo (Maio 2010)…
O seu último trabalho, Cidadão Orson Welles (Março 2011, Edições Saída de Emergência, editora que a tem acompanhado), constitui eloquente forma de contar a biografia do controverso realizador. Esbelta tunisina apaixonada pela sua figura de criador e de Homem ousa interpor-se-lhe no caminho. Nasce daí acalorada paixão mantida secreta, miudamente narrada, psicologicamente densa, pretexto também para nos levar a passear pela Roma Eterna e seus infinitos recantos, por Florença, Paris e, até, no retorno à Tunísia do Museu do Bardo e do inesquecível oásis de Gabes…
Uma viagem cativante, mesmo quando se imagina o soar de «rajadas de vento à porta de uma cidade abandonada» (p. 115) ou só apetece «fundir as lágrimas nas águas do Tibre» e se anseia por que «as noites se fechem com o rótulo da esperança» (p. 19).
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 287, 26-10-2011, p. 4].
sábado, 22 de outubro de 2011
Andarilhanças 20
Ter juízo
De formato reduzido (obviamente…), o número especial de Egoísta (revista da Estoril Sol) datado de Setembro é dedicado ao Juízo. Juízo no sentido mais corrente, manifestado na expressão «ter juízo». Nada mais oportuno, no momento em que tomamos consciência de que uns quantos inteligentes não tiveram juízo nenhum e a multidão dos outros há-de arcar com as consequências – e eles na boa!...64 páginas artisticamente ilustradas, a contar com a colaboração de reconhecidos escritores: Inês Pedrosa, Rui Zink, Vasco Graça Moura, Ricardo Costa, José Manuel Mendes, entre outros.
Recorte-se, como mensagem, o que o seu director, Mário Assis Ferreira, me escreveu, a propósito:
«Eu sei, pela sua intrínseca natureza, que o “Juízo” é um conceito relativo, subjectivo na sua valoração, falível nos seus resultados.
Mas bem pior que essa relatividade é a sua total ausência, quando as circunstâncias o exigem e o bom senso o reclama. E este é um difícil transe em que o “Juízo” se impõe.
Até porque, se não tivermos “Juízo”, outros nos obrigarão a tê-lo…».
Verão
Para registo com vista ao futuro, informe-se que uma vaga de calor – Verão em pleno Outono! – vem vestindo de gente as praias da Costa do Estoril. Mar de gente, mar chão, águas mornas, delícia de quantos – feliz ou infelizmente, consoante a situação em termos de emprego e de trabalho – ainda podem gratuitamente usufruir dessa benesse. Bem, gratuitamente, se calhar, não será, porque há por todo o lado os abutres dos parques de estacionamento pagos. No sábado, 1 de Outubro, a zona de Carcavelos (uma ainda privilegiada nesse sentido) não tinha para estacionamento 1 metro quadrado livre!
Creche
Praça João de Deus, Pampilheira. Cumpriu-se o que velhinho plano de urbanização previra: aquela praça com nome de pedagogo era para uma escola! Finalmente, conseguiu a Junta de Freguesia o necessário acordo com a Segurança Social e entregou à Santa Casa a gestão de mais uma creche.
Encantado, o Sr. Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, por ter presidido à inauguração, no dia 11. Menos de quatro décadas antes tal fora e, mui provavelmente, ele próprio teria sido utente, pois que por aqui cresceu criança e jovem.
Regozijaram os moradores da Pampilheira, ao poderem abraçar alguém que de muito bom grado despiu as vestes do Poder, para voltar a ser vizinho! Cimentou-se comunidade – e foi bom!
Academia
Aproveitou a Academia de Letras e Artes a apresentação, no dia 13, de mais uma edição sua, desta feita com uma proposta de visita ao Estoril – descomprometido e singelo testemunho de vivências, sem qualquer pretensão de ser livro de História – para dar conta de como vem gerindo o subsídio que o Município anualmente lhe atribui. E fez muito bem!
O gigante tombou!
Certamente por se não encontrar de boa saúde, ou porque já fazia sombra de mais, a mui vetusto eucalipto do parque Marechal Carmona, com porte de mais de um metro de diâmetro, foi decretada a eutanásia. Teria, como se informou em comunicado, «elevada perigosidade e comprovado risco de queda». Cortaram-lhe o alto tronco em rodelas!...
Alenterra
Um outro livro sobre a guerra em Angola: Alenterra, de Rogério Pires de Carvalho.
Sugestivo o anonimato do narrador, em primeira pessoa, assim como o da ‘senhora’ a quem ele vai contando tudo o que lhe passou pela cabeça desde o dia em que embarcou até que iniciaram o regresso (nem todos, claro!), não sem um nó na garganta, por terem deixado atrás os dois canitos, inseparáveis companheiros dos longos dias dos longos dois anos em Mucondo… «Quanto mais conheço os homens…».
Não se relata apenas como um homem se pode ir transformando, até o simples sonho lhe ser impossível de ter. Nos muitos momentos de solidão, silêncio e medo, toda a vida do narrador ali perpassa, como um filme, desde que nasceu até que daqui o levaram.
Narrativa lancinante, esta – a prender-nos do princípio ao fim. Queremos saber tudo logo! Queremos consciencializar infinitos traumas. As cubatas incendiadas uma a uma. As fitas das metralhadoras despejadas num desespero. Guerra maldita – que jamais acabará na memória de quantos a viveram!
Publicado em Jornal de Cascais, nº 286, 19-10-2011, p. 4.
De formato reduzido (obviamente…), o número especial de Egoísta (revista da Estoril Sol) datado de Setembro é dedicado ao Juízo. Juízo no sentido mais corrente, manifestado na expressão «ter juízo». Nada mais oportuno, no momento em que tomamos consciência de que uns quantos inteligentes não tiveram juízo nenhum e a multidão dos outros há-de arcar com as consequências – e eles na boa!...64 páginas artisticamente ilustradas, a contar com a colaboração de reconhecidos escritores: Inês Pedrosa, Rui Zink, Vasco Graça Moura, Ricardo Costa, José Manuel Mendes, entre outros.
Recorte-se, como mensagem, o que o seu director, Mário Assis Ferreira, me escreveu, a propósito:
«Eu sei, pela sua intrínseca natureza, que o “Juízo” é um conceito relativo, subjectivo na sua valoração, falível nos seus resultados.
Mas bem pior que essa relatividade é a sua total ausência, quando as circunstâncias o exigem e o bom senso o reclama. E este é um difícil transe em que o “Juízo” se impõe.
Até porque, se não tivermos “Juízo”, outros nos obrigarão a tê-lo…».
Verão
Para registo com vista ao futuro, informe-se que uma vaga de calor – Verão em pleno Outono! – vem vestindo de gente as praias da Costa do Estoril. Mar de gente, mar chão, águas mornas, delícia de quantos – feliz ou infelizmente, consoante a situação em termos de emprego e de trabalho – ainda podem gratuitamente usufruir dessa benesse. Bem, gratuitamente, se calhar, não será, porque há por todo o lado os abutres dos parques de estacionamento pagos. No sábado, 1 de Outubro, a zona de Carcavelos (uma ainda privilegiada nesse sentido) não tinha para estacionamento 1 metro quadrado livre!
Creche
Praça João de Deus, Pampilheira. Cumpriu-se o que velhinho plano de urbanização previra: aquela praça com nome de pedagogo era para uma escola! Finalmente, conseguiu a Junta de Freguesia o necessário acordo com a Segurança Social e entregou à Santa Casa a gestão de mais uma creche.
Encantado, o Sr. Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, por ter presidido à inauguração, no dia 11. Menos de quatro décadas antes tal fora e, mui provavelmente, ele próprio teria sido utente, pois que por aqui cresceu criança e jovem.
Regozijaram os moradores da Pampilheira, ao poderem abraçar alguém que de muito bom grado despiu as vestes do Poder, para voltar a ser vizinho! Cimentou-se comunidade – e foi bom!
Academia
Aproveitou a Academia de Letras e Artes a apresentação, no dia 13, de mais uma edição sua, desta feita com uma proposta de visita ao Estoril – descomprometido e singelo testemunho de vivências, sem qualquer pretensão de ser livro de História – para dar conta de como vem gerindo o subsídio que o Município anualmente lhe atribui. E fez muito bem!
O gigante tombou!
Certamente por se não encontrar de boa saúde, ou porque já fazia sombra de mais, a mui vetusto eucalipto do parque Marechal Carmona, com porte de mais de um metro de diâmetro, foi decretada a eutanásia. Teria, como se informou em comunicado, «elevada perigosidade e comprovado risco de queda». Cortaram-lhe o alto tronco em rodelas!...
Alenterra
Um outro livro sobre a guerra em Angola: Alenterra, de Rogério Pires de Carvalho.
Sugestivo o anonimato do narrador, em primeira pessoa, assim como o da ‘senhora’ a quem ele vai contando tudo o que lhe passou pela cabeça desde o dia em que embarcou até que iniciaram o regresso (nem todos, claro!), não sem um nó na garganta, por terem deixado atrás os dois canitos, inseparáveis companheiros dos longos dias dos longos dois anos em Mucondo… «Quanto mais conheço os homens…».
Não se relata apenas como um homem se pode ir transformando, até o simples sonho lhe ser impossível de ter. Nos muitos momentos de solidão, silêncio e medo, toda a vida do narrador ali perpassa, como um filme, desde que nasceu até que daqui o levaram.
Narrativa lancinante, esta – a prender-nos do princípio ao fim. Queremos saber tudo logo! Queremos consciencializar infinitos traumas. As cubatas incendiadas uma a uma. As fitas das metralhadoras despejadas num desespero. Guerra maldita – que jamais acabará na memória de quantos a viveram!
Publicado em Jornal de Cascais, nº 286, 19-10-2011, p. 4.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Os putos
Gostei muito da pose gaiata e feliz do casalinho que foi capa da agenda cultural do Município, São Brás Acontece, do mês de Setembro, em que se dedicou especial atenção ao regresso às aulas.
De mochila às costas, ele de ténis e ela de alpercatas, de calçanitos ambos, olharam para a objectiva do fotógrafo com ar de quem pergunta: «Ficamos bem assim?».
Ela mais altinha, de cabelos loiros e lisos, ele de cabelinho curto e ar matreiro – apanhados na passadeira de tijoleira que os encaminhava para a escola. Cena de ternura, a que não pude deixar de ser sensível e, por isso, dei os parabéns aos responsáveis por tão oportuna escolha. E, confesso, senti um bem comovido nó na garganta, quando me foi respondido:
«Os putos são filhos de um casal de funcionários cá da casa. Ela funcionária da limpeza e ele um dos melhores funcionários dos serviços de ambiente… Filhos de um jovem casal muito humilde e trabalhador, daqueles que convive diariamente com o desafio de dividir o magro orçamento familiar…
Eis a razão deste humilde miminho em período de regresso às aulas!».
Assim se cria comunidade! Assim se dá valor às pessoas!
Aplaudo, pois, com ambas as mãos!
Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 179, Outubro de 2011, p. 15.
De mochila às costas, ele de ténis e ela de alpercatas, de calçanitos ambos, olharam para a objectiva do fotógrafo com ar de quem pergunta: «Ficamos bem assim?».
Ela mais altinha, de cabelos loiros e lisos, ele de cabelinho curto e ar matreiro – apanhados na passadeira de tijoleira que os encaminhava para a escola. Cena de ternura, a que não pude deixar de ser sensível e, por isso, dei os parabéns aos responsáveis por tão oportuna escolha. E, confesso, senti um bem comovido nó na garganta, quando me foi respondido:
«Os putos são filhos de um casal de funcionários cá da casa. Ela funcionária da limpeza e ele um dos melhores funcionários dos serviços de ambiente… Filhos de um jovem casal muito humilde e trabalhador, daqueles que convive diariamente com o desafio de dividir o magro orçamento familiar…
Eis a razão deste humilde miminho em período de regresso às aulas!».
Assim se cria comunidade! Assim se dá valor às pessoas!
Aplaudo, pois, com ambas as mãos!
Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 179, Outubro de 2011, p. 15.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
O sentimento de pertença
Já lá vai, felizmente, o tempo em que à palavra «património» se ligava, de imediato, a ideia de grande monumento: palácio, castelo, igreja… Hoje, releva-se também o património imaterial, consubstanciado em crenças e costumes, nas danças e cantares, nos singelos mesteres quotidianos… Também isso constitui, afinal, um saber-fazer acumulado geração após geração, fermento duma identidade que se preza e valoriza.
Bem andam, pois, as câmaras municipais e até as freguesias quando, sozinhas ou em colaboração com associações de defesa do património, metem ombros, por exemplo, a publicações que consignam por escrito tais saberes e, dessa forma, lhes perpetuam a existência.
Nesse âmbito têm também as universidades uma palavra a dizer, porquanto a nível de trabalhos práticos de 2º ciclo podem aliciar os estudantes a olharem mais de perto para a realidade circundante. Dois exemplos beirãos são susceptíveis de o ilustrar:
– Filipa Gouveia, do Museu de Terras de Besteiros (Tondela), fez reviver as tradições de Múzares, aldeia perdida na paisagem: Múzares… Crepúsculo de Vidas e Memórias – Patrimónios a Preservar é livro editado pela Câmara, em 2010.
– João Orlindo Marques passou em revista o ciclo anual das gentes da aldeia da Barriosa (freguesia de Vide, concelho de Seia), sita na transição entre as serras da Estrela e do Açor, no livro Esta Vida é uma Cantiga! (Ocasos do viver numa aldeia serrana), Apenas Livros, Lisboa, 2010, que teve o patrocínio de entidades locais.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 579, 15-10-2011, p. 13.
Bem andam, pois, as câmaras municipais e até as freguesias quando, sozinhas ou em colaboração com associações de defesa do património, metem ombros, por exemplo, a publicações que consignam por escrito tais saberes e, dessa forma, lhes perpetuam a existência.
Nesse âmbito têm também as universidades uma palavra a dizer, porquanto a nível de trabalhos práticos de 2º ciclo podem aliciar os estudantes a olharem mais de perto para a realidade circundante. Dois exemplos beirãos são susceptíveis de o ilustrar:
– Filipa Gouveia, do Museu de Terras de Besteiros (Tondela), fez reviver as tradições de Múzares, aldeia perdida na paisagem: Múzares… Crepúsculo de Vidas e Memórias – Patrimónios a Preservar é livro editado pela Câmara, em 2010.
– João Orlindo Marques passou em revista o ciclo anual das gentes da aldeia da Barriosa (freguesia de Vide, concelho de Seia), sita na transição entre as serras da Estrela e do Açor, no livro Esta Vida é uma Cantiga! (Ocasos do viver numa aldeia serrana), Apenas Livros, Lisboa, 2010, que teve o patrocínio de entidades locais.
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 579, 15-10-2011, p. 13.
Andarilhanças 19
Parque Palmela – mui agradável surpresa
Há muito que não ia ao Parque Palmela. Sim, concertos, bailado e teatro na concha acústica; mas embrenhar-me por aí adentro, há muito que não tentava desde os tempos em que, com os filhotes crianças, íamos treinar no circuito de manutenção. Foi, pois, agradável surpresa ver da existência do restaurante, apoio para quem queira abalançar-se por altas travessias de aventura sobre o leito (ainda que seco) da ribeira. Aliciante proposta!
Convidam-se os visitantes a deliciar-se de ar puro; a observarem as aves e as espécies arbóreas seculares. Aconchegado o largo patamar de entrada atrás da Estoril--Sol Residence, a pedir pausa, na admiração da baía.
Urbanisticamente requintada também a entrada principal, onde o murmurar da água corrente alicia à distensão. Gostaríamos que alguns dos tanques rústicos que espreitam à beira dos caminhos interiores água tivessem também… Não se pode querer tudo!
Parque Marechal Carmona – o meu repto!
Mas, em relação ao Parque Marechal Carmona, apesar da crise – e talvez até por causa dela (carecemos de quem nos titile a auto-estima!...) – há um desafio que eu lanço: caso a EMAC não possa, que entidade (os Lions, o Rotary, a Propaganda, o Grupo Ecológico de Cascais…) quererá agarrar com mãos ambas a revitalização do conjunto escultórico daquela divindade das águas? Não custará os olhos da cara reparar a estátua, reconstituir a pia partida a metade e, sobretudo, criar um circuito fechado de água! Claro, o ideal seria reconstituir a ideia original – e a água a correr para os outros românticos laguinhos; era, quiçá, pedir muito em tempo de vacas magras; mas a recuperação do circuito fechado poderia constituir, inclusive, proposta a fazer a um estagiário em Arquitectura Paisagística, porque não? E o parque tanto ganharia com isso!
Túnel do Parque Palmela
Passei por lá no sábado, 1 de Outubro, de manhã. Já pintaram com garatujas alguns dos painéis de Mestre Nadir Afonso. Tenho uma pensa imensa de quem, a rir, praticou o desmando, porque gostava que todos pudéssemos estar minimamente satisfeitos connosco próprios e tal iniciativa mostra, claramente, que alguém não anda bem e está em guerra com o mundo. Coitado!
Publicações camarárias
Falámos do boletim C. Mas, se formos aos Paços do Concelho, pode acontecer encontrarmos folhas volantes ou mesmo pequenas publicações relativas a departamentos específicos e a empresas municipais. Por exemplo, o Macazine, da EMAC, destinado a crianças, de que tenho o nº 19, de Agosto de 2010. Ou a revista Ambiente Positivo, de Fevereiro de 2010, que traz, além do da Câmara, os logótipos de quatro empresas municipais: Cascais Atlântico, Cascais Energia, Cascais Natura, EMAC, que procurou demonstrar que está «Cascais na vanguarda da utilização de recursos». Existe também uma revista de prestígio, profusa e magnificamente ilustrada, excelente papel de elevada gramagem, design gráfico de Júlio Pisa, 5000 exemplares. E o utilíssimo Guia de Desporto – Concelho de Cascais 2011/2012, da responsabilidade do vereador do Desporto, João Sande e Castro, a referir as entidades desportivas, as instalações e espaços (pena que ainda continue o erro de designação das Penhas do Marmeleiro – p. 46) e traz vales de desconto!...
O meu voto: que não seja esquecido o arquivo de exemplares de cada uma delas – para a história!
Publicações das Juntas de Freguesia
Têm as juntas de freguesia do concelho apoiado sistematicamente publicações que se prendam com o seu património cultural material e imaterial (este, por exemplo, no âmbito da poesia). Aplaude-se esta disponibilidade, que demonstra grande espírito de abertura e de perfeita compreensão do que é o papel de uma autarquia próxima da população.
Em S. Domingos de Rana, há o boletim Notícias da Freguesia cuidadosamente preparado que, no anterior mandato, manteve alguma regularidade (na página da freguesia, o último número data de Maio de 2009). Carcavelos tem feito alguns ensaios, sem continuidade. Alcabideche optou por um boletim cultural, Al-qabdaq, de que se publicaram três números (1, 1990; 2, 1991; 3, 1992). O Executivo da Junta de Freguesia do Estoril preferiu – e bem – ‘usar’ páginas da imprensa local: tenho presente o nº de 30 de Agosto do nosso prezado colega Jornal de Região – Cascais, com as duas páginas centrais da responsabilidade daquela Junta, dando particular relevo às escolas da freguesia. Parede ensaiou iniciativas ao tempo de Tomaz Rosa, sobretudo em 1992 e 1993 (recordo, se não erro, Os Osguinhas). Cascais, que eu saiba, nunca terá pensado nisso.
É, decerto, bem coxo este panorama; aí fica, porém, para que outrem o complete. Importa, para a História local, que os dados não se percam e tudo fique convenientemente arquivado. Tenho a certeza que essa constitui, de resto, preocupação maior dos responsáveis pelo Arquivo Municipal.
Publicado em Jornal de Cascais, nº 285, 12-10-2011, p. 6.
Há muito que não ia ao Parque Palmela. Sim, concertos, bailado e teatro na concha acústica; mas embrenhar-me por aí adentro, há muito que não tentava desde os tempos em que, com os filhotes crianças, íamos treinar no circuito de manutenção. Foi, pois, agradável surpresa ver da existência do restaurante, apoio para quem queira abalançar-se por altas travessias de aventura sobre o leito (ainda que seco) da ribeira. Aliciante proposta!
Convidam-se os visitantes a deliciar-se de ar puro; a observarem as aves e as espécies arbóreas seculares. Aconchegado o largo patamar de entrada atrás da Estoril--Sol Residence, a pedir pausa, na admiração da baía.
Urbanisticamente requintada também a entrada principal, onde o murmurar da água corrente alicia à distensão. Gostaríamos que alguns dos tanques rústicos que espreitam à beira dos caminhos interiores água tivessem também… Não se pode querer tudo!
Parque Marechal Carmona – o meu repto!
Mas, em relação ao Parque Marechal Carmona, apesar da crise – e talvez até por causa dela (carecemos de quem nos titile a auto-estima!...) – há um desafio que eu lanço: caso a EMAC não possa, que entidade (os Lions, o Rotary, a Propaganda, o Grupo Ecológico de Cascais…) quererá agarrar com mãos ambas a revitalização do conjunto escultórico daquela divindade das águas? Não custará os olhos da cara reparar a estátua, reconstituir a pia partida a metade e, sobretudo, criar um circuito fechado de água! Claro, o ideal seria reconstituir a ideia original – e a água a correr para os outros românticos laguinhos; era, quiçá, pedir muito em tempo de vacas magras; mas a recuperação do circuito fechado poderia constituir, inclusive, proposta a fazer a um estagiário em Arquitectura Paisagística, porque não? E o parque tanto ganharia com isso!
Túnel do Parque Palmela
Passei por lá no sábado, 1 de Outubro, de manhã. Já pintaram com garatujas alguns dos painéis de Mestre Nadir Afonso. Tenho uma pensa imensa de quem, a rir, praticou o desmando, porque gostava que todos pudéssemos estar minimamente satisfeitos connosco próprios e tal iniciativa mostra, claramente, que alguém não anda bem e está em guerra com o mundo. Coitado!
Publicações camarárias
Falámos do boletim C. Mas, se formos aos Paços do Concelho, pode acontecer encontrarmos folhas volantes ou mesmo pequenas publicações relativas a departamentos específicos e a empresas municipais. Por exemplo, o Macazine, da EMAC, destinado a crianças, de que tenho o nº 19, de Agosto de 2010. Ou a revista Ambiente Positivo, de Fevereiro de 2010, que traz, além do da Câmara, os logótipos de quatro empresas municipais: Cascais Atlântico, Cascais Energia, Cascais Natura, EMAC, que procurou demonstrar que está «Cascais na vanguarda da utilização de recursos». Existe também uma revista de prestígio, profusa e magnificamente ilustrada, excelente papel de elevada gramagem, design gráfico de Júlio Pisa, 5000 exemplares. E o utilíssimo Guia de Desporto – Concelho de Cascais 2011/2012, da responsabilidade do vereador do Desporto, João Sande e Castro, a referir as entidades desportivas, as instalações e espaços (pena que ainda continue o erro de designação das Penhas do Marmeleiro – p. 46) e traz vales de desconto!...
O meu voto: que não seja esquecido o arquivo de exemplares de cada uma delas – para a história!
Publicações das Juntas de Freguesia
Têm as juntas de freguesia do concelho apoiado sistematicamente publicações que se prendam com o seu património cultural material e imaterial (este, por exemplo, no âmbito da poesia). Aplaude-se esta disponibilidade, que demonstra grande espírito de abertura e de perfeita compreensão do que é o papel de uma autarquia próxima da população.
Em S. Domingos de Rana, há o boletim Notícias da Freguesia cuidadosamente preparado que, no anterior mandato, manteve alguma regularidade (na página da freguesia, o último número data de Maio de 2009). Carcavelos tem feito alguns ensaios, sem continuidade. Alcabideche optou por um boletim cultural, Al-qabdaq, de que se publicaram três números (1, 1990; 2, 1991; 3, 1992). O Executivo da Junta de Freguesia do Estoril preferiu – e bem – ‘usar’ páginas da imprensa local: tenho presente o nº de 30 de Agosto do nosso prezado colega Jornal de Região – Cascais, com as duas páginas centrais da responsabilidade daquela Junta, dando particular relevo às escolas da freguesia. Parede ensaiou iniciativas ao tempo de Tomaz Rosa, sobretudo em 1992 e 1993 (recordo, se não erro, Os Osguinhas). Cascais, que eu saiba, nunca terá pensado nisso.
É, decerto, bem coxo este panorama; aí fica, porém, para que outrem o complete. Importa, para a História local, que os dados não se percam e tudo fique convenientemente arquivado. Tenho a certeza que essa constitui, de resto, preocupação maior dos responsáveis pelo Arquivo Municipal.
Publicado em Jornal de Cascais, nº 285, 12-10-2011, p. 6.
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