Múltiplas
serão para cada um de nós, as imagens que, de imediato, ocorrem quando deparamos
com a expressão «atirar pedras».
Se
já somos entraditos na idade, voa o pensamento para a infância, para os
momentos em que, na rua (ainda havia rua e espaços para isso e companheiros
para isso), nos desafiávamos mutuamente a ver quem tinha mais pontaria para deitar
uma lata abaixo ou para acertar numa ‘caneca do pau-de-fio’, que era como nós chamámos
aos suportes de porcelana das linhas telefónicas. Ou, na berma do charco que se
formara com as chuvadas, quem conseguia fazer que a pedra saltasse mais vezes à
tona da água antes de mergulhar. Esse, aliás, era um dos divertimentos maiores
na praia: quem consegue mais saltos da pedra?
Para
algum de nós, pedrada pode, instintivamente, fazê-lo levar a mão à testa, onde ainda
resiste, e resistirá, a cicatriz da pedra que, jogada para entrar no pontão da
ribeira, saltou e provocou jorros de sangue, numa aflição.
Quando
começámos a ter lições de Religião, retivemos, porventura, aquela frase de
Cristo, quando Lhe apresentaram Maria Madalena, com a intenção de obter d’Ele
autorização para o apedrejamento previsto na Lei para quem se comportasse mal.
E a resposta foi: «Quem dentre vós não tiver pecado que atire a primeira pedra»
(João, 8, 7). E, ao contrário do que hoje ainda acontece, a morte por apedrejamento
não ocorreu e Maria Madalena, rezam as Escrituras, salvou-se e é hoje venerada qual
símbolo da regeneração.
E
há, pois, sentenças em que a expressão ‘atirar pedras’ vai na direcção da mensagem
evangélica: «Quem tem telhados de vidro não atire pedras ao do vizinho», por
exemplo.
E
se alguns de nós podem ter sempre no bolso um pedacinho de ametista ou de
safira, «porque lhe dá sorte», o protege dos maus olhados, outros – para se
consolarem das adversidades, das inimizades, dos ciúmes, das invejas… – poderão
ir, amiúde, ao baú de pensamento buscar, para refrigério, a máxima patente no sagaz
provérbio árabe:
«Não se atiram
pedras às árvores que não têm fruto!».
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde],
nº 859, 15/02/2024, p. 10.
Ilustração de José Luís Madeira pensada expressamente para esta crónica.