Ao
agradecer a homenagem que o TEC prestou a sua mãe, a filha de Mirita Casimiro
realçou a importância que o Teatro detém na comunidade e incitou todos – novos
e velhos – a frequentarem os teatros, não apenas para apreciarem uma Arte
inigualável mas também para, dessa forma, ajudarem os actores e as companhias a
prosseguir o seu trabalho.
No
Espaço TEC, em Cascais, inaugurou-se, no sábado, 22, a exposição evocativa
da vida – curta mas bem preenchida – de Mirita Casimiro, cujo centenário do nascimento
passou a 10 de Outubro. Maria Zulmira Casimiro de Almeida, de seu nome
completo, viria a partir com apenas 55 anos, atormentada pelas sequelas de
grave acidente de viação, que a incapacitara de prosseguir na sua brilhante carreira. Estreara-se
em 1934, segundo uns, ou a 5 de Janeiro de 1935, segundo outros, na revista
«Viva à Folia!», no Maria Vitória; Leitão de Barros escreveu expressamente para
ela o guião do filme Maria Papoila (1937), uma criação
imorredoira. De regresso do Brasil, onde se ‘refugiara’, foi acolhida pelo TEC,
onde são inesquecíveis as suas interpretações em Mar, A Casa de Bernalda Alba
e Maluquinha de Arroios (todas de
1966) e O Comissário de Polícia (1968),
entre outras, sempre sob a direcção
de Carlos Avilez.
Muito
participada, foi singela, mas emotiva – mormente para quantos tivemos a dita de
viver esses esplendorosos e heróicos anos do TEC (sempre em luta com a Censura
e não só…) – a abertura da exposição.
Falou Carlos Avilez, a realçar o profissionalismo de Mirita; Fernando Alvarez
(um dos responsáveis pela mostra)
leu a mensagem que João Vasco (impossibilitado de estar presente devido à
doença que o aflige) escreveu, numa evocação
do que a Mirita ficáramos a dever; interveio a filha, sensibilizada e reconhecida,
num apelo a que se não deixe morrer o Teatro; disse Norberto Barroca da
biografia que está a escrever. Um grupo de alunos da Escola Profissional de Teatro
de Cascais dançou, em alegre coreografia, a conhecida cantiga da Maria Papoila,
«Adeus, ó terra!...».
Reuniu-se
ali muita documentação, mormente
fotográfica, que vale a pena demoradamente apreciar. Uma carta manuscrita houve,
porém, que significativamente me
chamou a atenção. Não está datada.
Assina-a a actriz, que escreve a Serra e Moura, na sua qualidade de “presidente
da Assembleia-geral da Associação”:
«Quero
deixar bem vincado o meu reconhecimento pelas palavras que teve para comigo,
que muito me sensibilizaram quer como actriz quer como mulher e mãe.
Bem
haja!».
Nunca
será de mais salientar o lúcido papel que Joaquim Miguel Serra e Moura teve
como presidente da Junta de Turismo da Costa do Sol no apoio ao TEC e às
manifestações culturais em geral, mesmo arriscando-se a ser mal visto pelo
Poder, consciente da importância que as Artes – de todo o tipo – detêm para a
comunidade. Um exemplo a não esquecer, nomeadamente nos tempos que correm, em
que essa não parece ser uma prioridade política.
Eterno Gil Vicente!
E essa reflexão
leva-nos, necessariamente, aos dois autos de Gil Vicente que o Teatro
Experimental de Cascais tem em cena: o Auto
da Índia e o Auto da Barca do
Inferno.
Recorde-se que
foram estas as peças que o então novinho TEC apresentou em Osaka, na Exposição Universal, no dia consagrado a Portugal, 24 de
Agosto de 1970, com um elenco onde se integravam actores que davam os primeiros
passos, digamos assim, nas suas carreiras: Maria do Céu Guerra, Rui Mendes,
Mário Viegas, Zita Duarte, por exemplo.
E
a ‘eternidade’ da mensagem do consagrado autor quinhentista é agora realçada através
de bem arrojada encenação: Carlos
Avilez optou pelo… musical! Quem diria?!... Qualquer espectador imagina o
‘gozo’ que terá dado ao encenador e aos seus mais directos colaboradores (Fernando
Alvarez na cenografia
e figurinos, Miguel Graça na dramaturgia, Hugo Neves Reis e
Pedro F. Sousa na música original no desenho de som, Natasha Tchitcherova
na coreografia),
a congeminarem na perpretação deste
‘crime’! Largas asas concederam à sua imaginação
e o ‘crime’ aí está, pronto a ser venenosamente saboreado!
Sim,
escalpelizam-se os lúbricos devaneios das damas cujos maridos para a Índia se
foram e por cá as deixam, jovens, sensuais e sozinhas; sim, rimo-nos com gosto
dos que passaram a vida em esquemas de todo o tipo e pretendem, alfim, viajar
na barca divinal e não têm mais remédio do que subir a prancha que a sedutora e
azougada Vanessa, o Diabo em pessoa, lhes manda aprontar. Mas… quem há aí que
não se desmanche quando o fidalgo (António Marques) se justifica, a cantar o
fado; ou quando Teresa Côrte-Real se desdobra numa interpretação notável; e, sobretudo, quando o parvo, Joane, em
«rap», atira as suas sarcásticas piadas: «Ó homens dos breviários, rapinastis coelhorum et pernis perdiguitorum
e mijais nos campanários!». O máximo!...
E,
no final, bem divertidos, acabamos por dar inteira razão ao que se lê no texto
de apresentação:
«Obras em que se mantém vivo um retrato da Humanidade, com
críticas que não poupam ninguém... se ontem foram fidalgos, padres ou
magistrados mas também sapateiros e ladrões; hoje, podemos encontrar no texto
paralelismos aos temas do nosso quotidiano
Trata-se de uma reflexão sobre a
contemporaneidade de temas como: a igreja, o tráfico humano, a corrupção, o desemprego, a pobreza ou a injustiça
social... sustentando o que é a universalidade da obra de Gil Vicente.».
Nem mais!
Publicado em
Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 71, 26-11-2014, p. 6. Fotos retiradas, com a devida vénia, da página do TEC no
Facebook, da autoria de Ricardo Rodrigues.