Acedi
de muito bom grado ao gentil convite que, por intermédio do seu dinamizador,
Jorge de Castro, me foi endereçado pela equipa res
ponsável,
ao longo dos anos, pela manuten
ção destes
regulares encontros, para prefaciar o livro que reúne, em jeito de balanço, o
que foram cem sessões de
Noites com Poemas.
Acompanhara de perto a programa
ção,
ainda que não me haja sido possível dela beneficiar, senão mui raramente, mas… cri
não ser complexo alinhavar considerações a
cerca,
por exemplo, do papel da poesia na vida das pessoas e da comunidade, a poesia
como deleite, a poesia como evasão e refúgio, pausa retempera
dora, lugar ao sonho, arma, consciencializa
ção, poesia-vida, vida em poesia!…
«País
de poetas» diz-se que é o nosso, pela facilidade com que, mesmo quase «virgens
de letras» (mui sugestiva classificação
do Prof. Ernesto Guerra da Cal a Isolina Salves Santos), pessoas ditas do
‘nosso Povo’ põem «o seu talento em cena» (Natael Rianço) e vão por aí adiante
alinhando rimas e zurzindo, como quem não quer a coisa, na sociedade ímpia que os
tortura.
Imaginei-me,
pois, a dissertar, em breves linhas, sobre esse papel catártico e subversivo da
Poesia (aqui com letra maiúscula).
Eis
senão quando Jorge de Castro me atira para o computador, a 1 de Abril (e não
era mentira!), o rascunho do alinhamento dos textos. 259 páginas! Arregalei uns
grandes olhos de admiração e fui
digitalmente folheando o volume. Daí o título destas minhas linhas: uma pessoa
sente-se abalroada!...
É
que essas cem noites não foram aquele mero encontro, tertúlia de amigos e de curiosos
que se deliciavam a dizer versos alheios e próprios, acompanhados, por vezes,
de um toque musical para espairecer. Duas horas até à meia-noite, em jeito de eficaz
pretexto para um suave adormecer em braços de fagueiras musas, na feliz expectativa
de um ainda mais fagueiro amanhecer! Não! «Aquilo» – um mundo! – assumiu pouco
a pouco tais dimensões que imaginamos contratorpedeiro gigante e somos
abalroados mesmo, sem tir-te nem guar-te! Submersos, esmagados por tão fecundo
caminhar, por tão variadas temáticas, portentoso manancial de ideias, personalidades, poemas, qual enorme biblioteca de estantes bem recheadas de preciosos livros, lombadas
d’oiro, ricos pergaminhos … Mancheia de Cultura!
Conta
Jorge de Castro, em «alguma história», o que foi essa caminhada. Nada mais haveria,
pois, a referir e, ao concluir a leitura dessa apresentação,
olhei-me e perguntei-me que mais se poderia acrescentar, inclusive atendendo à
forma sempre esbelta como sabe burilar as frases e as recheia de mui delicioso
conteúdo. Estive para pegar no telefone e assinar desistência. Contudo, o
cursor foi descendo, descendo e sempre a mostrar um crescendo de novidades e de
temas permanentemente vestidos, no
título, de mui sugestiva roupagem. E fui-me deixando ficar, na expectativa…
Uma
expectativa que não resultou gorada. Longe disso! O volume que ora temos nas
mãos é muito mais do que esse repositório de afectos, cumplicidades e fraternidade.
Relatos concisos, mas pormenorizados, de cada sessão, palavras elegantemente
manuseadas, frases brandidas como floretes em rigorosa aula de esgrima… Que expressões
culturais não foram aí abordadas? Mui difícil será dizê-lo! Que a poesia,
afinal, constituiu pretexto para muitas viagens outras pelos mais variegados
ramos do saber!
Podia
cá fora sentir-se aquela morrinha que nos entra, incómoda, ossos adentro; podia
a jornada ter sido arduamente condimentada de fel e vinagre; podiam os
noticiários ter-nos mimoseado mais uma vez, como é seu timbre, com os horrores de
um mundo de marionetas manobradas por mãos esquivas e gigantes… Ali, porém,
como que reunidos em torno de mui acolhedora
lareira, os poetas deixaram tudo isso lá fora e a Cultura docemente os
envolveu.
Uma
centena de vezes, aqui miudamente ora se conta.
Relembrando
os serões, reconfortamo-nos também.
E
brota-nos, espontâneo, inevitável, deliciado, ciciado e caloroso: bem hajam!
José d'Encarnação
Prefácio ao livro
100 Noites com Poemas, coordenado por
Jorge de Castro. Edição de Apenas Livros, Lisboa, Abril de 2017, p. 12-13.
ISBN: 978-989-618-547-3. Apresentado na Feira Medieval de S. Domingos de Rana, a 9 de Abril de 2017.
Da poesia dita popular
Estava-se
no pino do Verão de 1988. Chegara-me à redacção
uma mancheia de versos. Considerei-os fora do comum, despretensiosos, mas
acutilantes e eivados de comovente simplicidade. Dediquei-lhes uma página inteira
– e tive o privilégio de receber, dias depois, uma carta do Prof. Ernesto
Guerra da Cal, a aplaudir e a explicar o fundo significado daqueles ‘poemas’.
Depois
de Isolina Alves Santos, essa poeta ‘pastora
virgem de letras’, vieram Celestino Costa, Natael Rianço, o alentejano
«Carola»… e uma atenção especial, portanto,
por parte da Associação Cultural de
Cascais, em estreita colaboração com
as juntas de freguesia do concelho de Cascais, a esses lídimos representantes
do Povo, porque veiculam, ainda que em linguagem ingénua e em versos ‘de pé
quebrado’, o sentir de todos nós – quais novos Aleixos dos nossos dias.
Disso
se falou. E do papel fundamental que, para o seu incentivo e divulgação, através de publicações condignas, detêm as
associações de defesa do património – porque de património cultural imaterial
se trata –, as juntas de freguesias, as câmaras municipais. E, claro, a
imprensa local e regional, como repositório primeiro desses dolorosos gritos
d’alma, desses confortantes regozijos, anátemas severos ou justificados encómios!
José d’Encarnação
É a síntese da intervenção feita nessa tertúlia a 16 de Janeiro de 2008, publicada no livro 100 Noites com Poemas, p. 94. Na p. 95, «Nota biográfica».