sábado, 19 de outubro de 2024

Os nomes das ruas

             Não, longe de mim a ideia de substituir-me a António Cabral, que, mui religiosamente, mantém a sua oportuna rubrica «Olhar a toponímia» no nosso Notícias de S. Brás. Oportuna, porque ajuda a criar comunidade, na medida em que, recordando os nomes das ruas e das terras, as pessoas sentem tudo muito mais próximo, muito mais nosso.
            Permita-se-me, porém, que, como historiador da cultura, realce a importância que a cronologia detém neste âmbito; ou seja, a resposta à pergunta:  por que razão a esta rua foi dado esse nome?
Repare-se, a título de exemplo, no caso citado pelo nosso prezado António Cabral na edição de Setembro: Maria Bárbara Louro morreu em 1929; o seu nome foi dado à rua em 12-01-2016, quase 100 anos depois! Porquê? Que é o que diz a ata nº 1/2016, da reunião camarária em que tal decisão se tomou? Só tantos anos passados se lembram da senhora, porquê?

            Veja-se o exemplo desta rua de Beja, que a figura mostra.
Século XIX adiante, ainda não havia placas nos arruamentos, era a Rua dos Mercadores. Ali se faziam os negócios, ali se ajuntavam os burgueses. Mais tarde, os mercadores perderam o seu ar de ambulantes e estabeleceram-se; vai daí, o povo deu em chamar-lhe a Rua das Lojas. Vieram depois as danças e contradanças da I República, hoje está no poder um partido, amanhã está outro, e a população acaba, em determinado momento, por depositar em Afonso Costa as suas sempre adiadas esperanças. Vitoriaram a sua subida ao poder e nada melhor do que afixar o seu nome na artéria mais frequentada da cidade, que se tornou, por isso, a Rua Dr. Afonso Costa. E não se esqueceu o seu título académico, como garantia de validade!
Está a tornar-se comum esta mui louvável atitude de dar conta dos nomes antigos. A praça principal de Coruche tem, na sua placa toponímica, um bonito azulejo: Praça da Liberdade / antiga / Praça 5 de Outubro / e / Praça do Comércio. Em três penadas, mui incisivo registo da história local: o ponto de encontro dos homens de negócios do século XIX saudou a implantação da República e proclamou a Liberdade que 25 de Abril lhe concedeu!

                                                           José d’Encarnação 

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 335, 20-10-2024, p. 13.

Desculpas

            Passado o tempo estival em que, quer chova quer vente quer haja um calor de rachar, ainda nos habituámos (nós e as instituições) a, no possível ripanço de férias, deitar contas à vida e fazer projetos. Multiplicam-se, por isso, em Setembro e em Outubro, as iniciativas, nesta vontade em que todos andamos de fazer, fazer, fazer, antes que seja tarde, antes que o terramoto surja ou aquela desvairada bomba catapultada por desvairada gente a todos nos leve desta para melhor.
            Por conseguinte, queiramos ou não, temos de pegar na agenda, dado que ainda não é tempo de nos fecharmos no casulo ou numa qualquer arca encoirada. Vamos deixar isso para daqui a muitos anos (esperança vã, mas também se diz que a esperança não pode sequer fenecer). E, avaliadas as propostas, aceitar-se-ão umas em detrimento doutras.
            Quando as descartadas até são de alguma monta, há que descobrir uma desculpa, que é, como a palavra indica, uma forma de dizermos quanto estamos penalizados, quanta culpa sentimos, por não podermos aceder ao convite.
            Engendra-se, por vezes, o que se chama uma desculpa ‘esfarrapada’, porque, amigo, aqui para nós, quando não nos apetece mesmo sair de casa e ir à exposição ou à apresentação do livro ou àquela inauguração, porque lá iríamos encontrar fulano ou fulana e já chega o que aguentámos no passado… se não nos apetece, qualquer desculpa serve, mesmo a mais mirabolante. Aliás, amiúde o que ora acontece é que não se apresenta desculpa nenhuma e, depois, quando nos perguntam «Ai houve? Não recebi comunicação! Sabes, hoje a Internet funciona cada vez pior, anda tudo sobrecarregado, ele há bué de mensagens que se perdem!»…
            Andas numa fona a – finalmente! – arrumar os livros. Decidiste agora que essa é  tarefa inadiável e que não pode parar. A amiga do peito vai apresentar um livro; seria uma ocasião de a reveres e, até, de espaireceres um pouco dessa árdua tarefa dos livros. Preferes não ir. Mais tarde arrependes-te, porque perdeste uma oportunidade e os livros ainda continuam por arrumar, porque, a dado momento, deparaste com um de que já te não lembravas e paraste a reler…

                                                                       José d’Encarnação

Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 870, 15-10-2024, p. 10.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

50 000 EUROS! – e o povo aplaude!

    
        Claro, não é o Povo. É aquele grupo mais ou menos fiel de pessoas que – porventura a troco de umas moedas – se disponibiliza a estar ali, nos dias aprazados para a gravação, disponível para bater palmas por tudo e por nada, porque há o mestre-sala a comandar, agora é palmas, agora é palmas. Mormente palmas, muitas, para os trocadilhos que o apresentador faz sempre questão de, solenemente, com toda a pompa e circunstância, dizer, a propósito ou a despropósito da profissão do concorrente, «aí vai mais uma forma de eu introduzir a…» presença da voz off! Há quem não resista a perguntar onde é que ela está, a Patrícia Figueiredo, e o certo é que é omnipresente! Vasco Palmeirim faz, nessa altura, um cagaçal tão grande e atropela tanto as palavras que, amiúde, nem se consegue perceber bem o trocadilho!
            Mas não é do espalhafato do Vasco que ora importa falar. Ele é assim, foi a imagem de marca que criou, de baixa estatura (como está sempre a dizer), sem barba e sem carta de condução. Um fenómeno! Usado também para o taskmaster e, agora, para o floor. Não, também esses são fenómenos, porque mostram como a televisão portuguesa dobra a cerviz perante a estrangeirada e os senhores que mandam se vêem obrigados a usar não nomes portugueses para os programas mas nomes vindos da estranja, que os criadores deles não abdicam para ganharem o que lhes é devido. Não vamos, porém, por aí, pelo menosprezo oficial da riqueza imensa do vocabulário português, mas pelos dividendos, o que se paga, o que custa aos cofres do Estado, (ou seja, diz-se, a cada um de nós).
            Os 50 000 euros de cada sessão? É disso que o senhor está a falar? Os 50 000 euros do prémio máximo cujo anúncio em cada programa é bem sonoramente aplaudido, como, aliás, o está agora a ser esse tal de floor, que é um chão dividido em parcelas miudinhas com vontade de serem maiores, a lembrar as muradas que protegem as videiras na ilha do Pico? Não. Esses 50 000 euros saem só quando el-rei faz anos e o algoritmo está seguramente bem adestrado para dificultar a subida a esse cume!
            O que mais admira – e disso ora se quer falar – é o à-vontade, a desfaçatez, a descontração como somos presenteados dia sim dia não, quando não em dias seguidos, com sessões (50 000 euros!...) que já passaram e que, na ausência de qualquer indicação do género dum ainda que envergonhado REPETIÇÃO, pretendem dar a entender ao espectador que, mais uma vez, a RTP 1 põe a hipótese de alguém vir a ganhar um prémio chorudo. Sim, é mais uma vez não porque se trate de nova sessão, mas porque é, como sói dizer.se, «mais do mesmo!», essa sessão já foi! E a gente até maldosamente pergunta: «Será que ele puseram isto agora de novo, para o desgraçado que ganhou, há uns meses, 3000 euros ainda os não recebeu e, assim, vendo a sessão de novo, se lhe vai reavivar a esperança de os vir a receber um dia? Ou será, ao invés, com um bem generoso propósito pedagógico de mostrar a supina ignorância do concorrente que desconhece o nome do rei que está a cavalo no Terreiro do Paço e de incitar, por isso, o espectador a estudar mais sobre o seu País?
Compreende-se que a RTP não nade em abastança financeira. Mascarar desta forma a indigência não parece, porém, de bom tom e boa educação, quando se trata de um serviço público que deve pugnar pela Verdade (sim, Verdade com letra maiúscula!). Haja tento.
Não sei se nas redes sociais e na Comunicação Social o tema já terá sido verberado, Porventura foi e eu, nesse caso, meto a viola no saco, deserto, todavia, por saber se já houve essa ‘observação’ e, sobretudo, se os responsáveis pela RTP deram alguma resposta para não lhe ligarem nenhuma.
Fico à espera. Sentado, claro! Porque eu próprio já falei nisso à senhora Provedora e ela, coitada, decerto encaminhou a conversa para as instâncias superiores e… tudo ficou na mesma. O caso ocorreu quando o joker já passara a ter como prémio máximo 50 000 euros e apareceu  no alinhamento, alegremente, um da série anterior de prémio menor. E lá fomos cantando e rindo!...

                                                           José d’Encarnação


Publicado em Duas Linhas, 2 de Outubro, 2024: https://duaslinhas.pt/2024/10/50-000-euros-e-o-povo-aplaude/