A
muitos terá acontecido o mesmo. O silêncio a envolver-nos, em Março e Abril, determinou
retorno à infância.
De
casa de minha avó, no Cerrito, eu ouvia chocalhos de cabras no caminho, a guizalhada
do macho e, até, a falta de unto nos rodados da carroça… Ecoava pelo ar a buzina
do Ti Zé Lòsinho, recém-chegado da lota de Olhão. Bradava-se pela Ti
Marquinhas, cuja casa ficava na colina que é o núcleo central do sítio do Corotelo,
e ela ouvia e nós ouvíamo-la a ela. Automóvel que passasse – e era raro passar!
– a gente identificava-lhe o som. Era bem perceptível o zumbido do besouro em volta
dos vasos de flores…
Eu
dormia a sesta no sobrado, com tecto de canas. Adormecia ao som do que minha avó
chamava as costureiras. Nunca vim a saber o que eram; mas tinham mesmo o jeito
de serem mulheres a coser à máquina, a espaços. Não me assustava, mas tentava imaginar
como seriam, se grandes, que estavam a fazer, se roeriam as canas… Adormecia!
Esse matraquear compassado tenho-o bem presente na memória. Tantos anos
passaram!...
O
silêncio que, por força do vírus, nos envolveu teve esse condão mágico de
novamente me sentir menino…
José d’Encarnação
Publicado em Noticias de S.
Braz [S. Brás de Alportel] nº 282, 20-04-2020, p. 13.
O núcleo central do Corotelo, visto do Cerrito, a casa de meus avós |