Tenho
a sorte de possuir a colec
ção completa
(nove números) da revista
Autêntica,
editada pela UNICER. Um projecto acalentado nos primórdios de 2004, tendo como
res
ponsável Joana Queiroz Ribeiro,
que viria a terminar inopinadamente no 4º trimestre de 2009: «Depois de algumas
lágrimas muito disfarçadas, decidimos suspender a edi
ção».
Esse nº 9 foi significativamente dedicado ao «envelhecimento». Revista de uma
empresa, era também uma grande revista de cultura, de mui excelente apresenta
ção e saboroso conteúdo.
O
curto, mas muito válido, percurso da
Autêntica
levou-me, naturalmente, aos 15 anos que já leva a
Egoísta, também ela uma revista de empresa (a Estoril-Sol), que, ao
longo de 55 edições, nos tem proporcionado momentos únicos de beleza, quer nos
suculentos textos que serve, quer nas sempre sugestivas ilustrações com que nos
brinda.
Escusado
será dizer que em todas as lutas – e mui especialmente nesta de promover
Cultura – há, necessariamente, um rosto, o tal que arrosta com todos os
obstáculos e que, qual timoneiro, teima em não largar o leme que lhe foi
confiado. No caso da Egoísta, o
timoneiro chama-se Mário Assis Ferreira.
«Eu pensador me confesso!»
Não
admira, pois, que, tendo Assis Ferreira aceitado o convite para reunir em livro
os textos de apresenta
ção dos 55
números da revista, o lançamento desse volume, a que deu o sugestivo título de
Egoísta, mas não só – estando este «mas
não só» enquadrado na estiliza
ção de
um cachimbo, que é, seguramente, a sua «imagem de
marca»
–, haja configurado grande cerimonial de homenagem a um vulto da Cultura
portuguesa: «Uma sala repleta de familiares e amigos, onde se identificavam
ilustres personalidades de relevo da sociedade portuguesa».
Foi
no final da tarde de 24 de Setembro, no El Corte Inglês, em Lisboa. Na verdade,
parece que ninguém resistiu a marcar
presença, a fim de testemunhar ao autor quanto se aprecia não apenas a
abundantemente premiada revista que dirige, mas, de modo muito especial, a luta
sem tréguas que, à frente da Estoril-Sol, vem travando, para que as verbas do
jogo sirvam também a promoção de
iniciativas culturais, nomeadamente no domínio da Música, da Escrita e da Arte.
E
se calaram fundo as buriladas e certeiras palavras do apresentador, o Doutor Guilherme
de Oliveira Martins – aqui, na sua qualidade de presidente do Centro Nacional
de Cultura e de habitual colaborador das iniciativas literárias da Estoril-Sol
– não foi menos apreciado o descontraído depoimento de Daniel Gouveia, que com
Assis Ferreira esteve, por exemplo, na origem do grupo musical Quinteto
Académico. Bem agradável de se ouvir a sentida evocação
que fez desses tempos de cumplicidades…
Mário
Assis Ferreira agradeceu emotivamente a presença de todos – que, de resto, fizera
questão de abraçar, um a um, antes da sessão. Uma alocução
sentida, em que salientou o excelente trabalho da equipa da revista, chefiada
pela imaginação sem limites (dir-se-ia!...)
da editora Patrícia Reis. E há-de ter causado admiração
em alguns quando afirmou:
‒
Eu pensador me confesso.
Noctívago
por obrigação profissional e por opção, Assis Ferreira terá, noite adentro, a sós com
um dos cachimbos da sua vasta colecção,
a oportunidade de repensar o mundo à sua volta. Colheu dele, ao longo dos anos,
mui suculentos conceitos sobre que foi magistralmente dissertando. Parecerá
inadequado o advérbio «magistralmente»; não o será, porém, se atentarmos quão
fluente a frase se apresenta, riacho que brota, límpido, das profundezas da alma.
Ora leia-se:
«E
chegue ao rio. Admire-o mais do que uns escassos minutos, controle a bonomia da
leve correnteza, acompanhe a elipse do voo de uma ave, tente
escutar o espadanar distante dos remos de uma qualquer embarcação.
Sinta
o pulsar dessa cidade que é sua e deixe-a despertar-lhe a paixao: pelo que ela
é; pelo que ela, afinal, para si significa.
E
conclua, enfim, que este não é um exercício para um fim-de-semana, é um exercício
para a vida inteira. Mas que vale a pena.» (p. 128).
Não
deixou, pois, de sublinhar quanto a vida é, simultaneamente, «uma alegria
festejada, uma lágrima contida». E, com «o coração
a escrever e a razão a temperar», Mário Assis Ferreira confessou: «Descobri o
verdadeiro ser humano que eu sou».
Um
recado, afinal: quando descobriremos, pela reflexão, pela serenidade, o Homem
que há em nós e nos outros?
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 115, 04-11-2015, p. 6.