quinta-feira, 20 de julho de 2023

Reavivar e manter tradições

           «Andar nas bocas do mundo»: a expressão tem, geralmente, uma conotação negativa, porque está cada vez a ser mais habitual que se divulgue o que está mal e se esqueça, ou não se fale do que está bem. Vejam-se os programas de televisão e as notícias dos jornais. Dá impressão – e até (nós sabemos!) é verdade!... – que só o mal traz leitores! Todos os dias me aparece no telemóvel que o puto esfaqueou um colega, o marido degolou a mulher… como se o mundo girasse em torno desses desvarios!
Ora, andar nas bocas do mundo por bons motivos é, na verdade, uma das metas que o autarca consciente do seu papel deve prosseguir. Não basta dizer «viver aqui é bom!», «Este é o melhor lugar do mundo!». Queremos razões, factos concretos, argumentos válidos, provas! E queremos que haja consciência da necessidade de chamar mais gente boa a viver na nossa terra e a apreciar o bom que temos para oferecer! Há, até, um nome ‘técnico’ para isso: «promoção»!
Alegrou-me, por conseguinte, ver que a nossa S. Brás esteve, de certo modo, ‘nas bocas do mundo’ por uma boa razão. Refiro-me ao facto de ter visto, no delicioso programa da RTP 1 «100% Português» de sábado, 10 de Junho, a reportagem sobre as «Palmas Douradas». Foi não só a promoção da apreciada iniciativa de uma empresa são-brasense, mas também um bom pretexto para mostrar como o nosso Museu do Traje acolhe, de braços abertos, as boas iniciativas. A empreita ali esteve no seu maior esplendor, a mostrar como pode aproveitar-se o que a nossa Serra nos proporciona.
Também gostei de saber que, este ano, nas festas dos Santos Populares, em Estoi, o Rancho de Bordeira evocara os trabalhadores da pedra e mostrara no final, em apoteose, emergindo de um bloco do nosso calcário, uma estátua de Santo António. Valeu! Um ex-libris também as pedreiras dos Funchais, nossas, do Corotelo e de Bordeira, que tantos bons operários formaram e que do seu sapiente labor deram mostras por esse País além!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 320, 20-07-2023, p. 13.

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Eufemismos


             Parece palavra estranha, designadamente por não ser usada no dia a dia, embora os eufemismos façam parte intrínseca do nosso quotidiano. Vem do grego: ‘eu’ é um prefixo que significa ‘bem’; no corpo da palavra está implícita a noção de falar, expressar-se. Nos dicionários, explica-se que se trata do «acto de suavizar certas palavras ou ideias com outras mais agradáveis».
            Tive um mui diligente aluno alemão a quem procurei ensinar a língua portuguesa; com êxito, diga-se desde já, não pela competência do professor mas, sim, pela extraordinária dedicação do aluno. Imagine-se que, um dia, me propôs que tentássemos fazer a lista das palavras ou expressões equivalentes a ‘fugir’ e a ‘estar bêbado»! Pasmei! Um infinda caterva delas! Ora experimente lá, assim de repente, a lembrar-se de seis ou sete! Vai ver que consegue num ápice. Surgiu-me uma, há dias: «escafeder-se!»… Mas há tantas – que português é perito em… fugir a este pés daquilo que lhe desagrada!
            Muitas usamos ao falar com os nossos bebés, nomeadamente em relação às ‘necessidades’ orgânicas, a que, na altura, se dá a maior atenção, pois nos queremos certificar se todas as funções fundamentais da sua ‘máquina’ estão em ordem. Depois dos 70 anos, volta-se a essa meninice e não é de admirar se, um dia, encontramos o papelinho onde, para não se escrever, um dos nossos anciãos escreveu «Fiz cocó ontem, dia 17, às 10 horas» – que essa é uma das referidas funções de indispensável monitorização.
            Ocorreu-me, a esse propósito, a palavra «obrar».  Não hesito em a incluir no rol dos eufemismos. Obrar, do verbo latino «operari», ‘executar uma obra’, identifica, na circunstância, uma dessas ‘acções’ importantes do ser humano. Não vou ao ponto de sugerir (seria de mau gosto, claro, embora não deixe ser verdadeiramente imprescindível) que, entre as curiosas e oportunas frases que ilustram os pacotinhos de açúcar – «Já sorriste hoje?», «Já disseste hoje um bom piropo?», «Já abraçaste ternamente alguém?»?... – aparecesse, um dia, estoutra: «Já obraste hoje?». Seria, de facto, de mau gosto, não o nego, à hora de saborear o café; mas… não deixa de ser, por isso, uma das perguntas a diariamente não esquecer!...

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 848, 15-07-2023, p. 10.