–
Sei. Está na cama!
–
Doente, não?
–
Não. Eu disse «está na cama», não
disse «está de cama»!
–
Como assim?
–
Declara que já fez muito na vida e não está para se ralar mais; por isso, não
sai da cama!
Pasmei.
E, agora, lembrei-me do diálogo (ambos esses meus companheiros de trabalho já
partiram, um a seguir ao outro), quando me deliciei com a encenação que Carlos Avilez fez – na versão de Miguel
Graça – da obra do dramaturgo escocês Sir James Mathew Barrie (1860-1937), Peter Pan (1904). O meu colega desistira
de se aborrecer com as preocupações do dia-a-dia; Peter Pan não queria crescer,
achava que ser criança era o melhor do mundo.
Muitos
de nós conhecemos – ainda que vagamente, porventura – a história deste menino a
quem Wendy procurava espicaçar para ser alguém e sair do universo dos sonhos na
sua Ilha da Fantasia, povoada por sereias, peles-vermelhas, piratas (ai, o feroz
capitão Gancho!...), fadas, aves encantadas… E perguntamo-nos:
–
Serei Wendy ou prefiro ser Peter Pan?
Ou,
como escreve Miguel Graça:
«E
nós, como não alcançamos uma coisa nem outra, porque não conseguimos alcançar
nem uma nem outra coisa, somos ao mesmo tempo Peter e ao mesmo tempo Wendy, a
querer viver fechados e separados do mundo, e a querer integrar-nos e a fazer
parte de qualquer coisa, sempre à procura da Terra-do-Nunca».
Uma
e outra coisa: «recusar a viver a vida norma l»
e querer «apenas a norma lidade da
vida norma l».
O
livro de Barrie começa assim:
«Todas
as crianças crescem, excepto uma. Depressa se apercebem de que vão crescer, e a
maneira como Wendy soube foi esta.
Certo
dia, quando tinha dois anos, estava a brincar num jardim e, arrancando uma
flor, correu a levá-la à mãe. Devia estar encantadora, pois a mãe levou a mão
ao coração e exclamou:
–
Oh! Porque não hás-de ficar assim para sempre!?
Foi
tudo o que se passou entre elas; mas, a partir daí, Wendy soube que teria de crescer.
As crianças sabem-no sempre, a partir dos dois anos. Dois é o começo do fim».
Personagens
que povoaram a nossa infância e juventude, se acaso tivemos a sorte de alguém
delas nos falarem. Será, contudo, difícil que, alguma vez, não tenhamos encontrado
por aí o terrível Capitão Gancho (o gancho que era a sua mão direita decepada);
ou não tivéssemos imaginado a Fada Sininho a nosso lado, qual voz da consciência,
a chamar-nos à realidade. E o crocodilo.
É,
pois, nesse mundo que se desenvolve a peça, para maiores de 6 anos, que o
Teatro Experimental de Cascais estreou no passado dia 13 e que vai estar em cena
até véspera de Natal, de sexta a domingo, com sessões às 16 horas de sábado e
às 11 e às 16 de domingo, para dar azo a que os mais jovens possam ir.
E
é de não perder esse espectáculo em que os actores – em excelente (como
sempre!) cenografia e figurinos de Fernando Alvarez (inolvidável a ‘reprodução ’ das ilustrações de Paula Rego!...), mui adequada
coreografia de movimento (Mónica Alves) e coreografia de luta do mestre de
esgrima Eugénio Roque – se divertem e nos fazem divertir.
Dir-se-ia
espectáculo sem pretensões. Sê-lo-á. Mas – importa frisá-lo! – quem disse aí
que fazer algo simples não implica enorme sabedoria de longa experiência
acumulada?!...
Mais
uma vez, gente nova contracena com os actores ‘residentes’ do Teatro
Experimental de Cascais (Teresa Côrte-Real e Luiz Rizo, por exemplo) e com o veterano
e sempre jovem Ruy de Carvalho na figura, em cena, do narrador.
Achava
Peter Pan que as mães só serviam para contar histórias. Quiçá imaginemos também
que Carlos Avilez e a sua equipa estão ali para contar histórias e nada mais. Sim,
é verdade. Estão ali. E contam-nos histórias que nos ajudam a compreender
melhor a realidade, sem que tenhamos um Peter Pan que nos ensine a voar. Eles é
que nos dão esse ensinamento. Para que melhor compreendamos as vicissitudes do
nosso quotidiano e saibamos evitar o crocodilo e o temível capitão Gancho. Oh!
se ensinam!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais],
nº 213, 29-11-2017, p. 6.
O capitão Gancho |
Dificuldades? |
Eles divertem-se... |
Peles-vermelhas... |
Ruy de Carvalho, o narrador |
Voar! |
Teresa Côrte-Real |
As fotos foram, com a devida vénia,
retiradas da página do T. E. C. no facebook.