quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O Peter Pan somos nós?

            – Sabes alguma coisa do Aristides? – perguntei a um colega, porque há muito que não tinha notícias dele.
            – Sei. Está na cama!
            – Doente, não?
            – Não. Eu disse «está na cama», não disse «está de cama»!
            – Como assim?
            – Declara que já fez muito na vida e não está para se ralar mais; por isso, não sai da cama!
            Pasmei. E, agora, lembrei-me do diálogo (ambos esses meus companheiros de trabalho já partiram, um a seguir ao outro), quando me deliciei com a encenação que Carlos Avilez fez – na versão de Miguel Graça – da obra do dramaturgo escocês Sir James Mathew Barrie (1860-1937), Peter Pan (1904). O meu colega desistira de se aborrecer com as preocupações do dia-a-dia; Peter Pan não queria crescer, achava que ser criança era o melhor do mundo.
            Muitos de nós conhecemos – ainda que vagamente, porventura – a história deste menino a quem Wendy procurava espicaçar para ser alguém e sair do universo dos sonhos na sua Ilha da Fantasia, povoada por sereias, peles-vermelhas, piratas (ai, o feroz capitão Gancho!...), fadas, aves encantadas… E perguntamo-nos:
            – Serei Wendy ou prefiro ser Peter Pan?
            Ou, como escreve Miguel Graça:
            «E nós, como não alcançamos uma coisa nem outra, porque não conseguimos alcançar nem uma nem outra coisa, somos ao mesmo tempo Peter e ao mesmo tempo Wendy, a querer viver fechados e separados do mundo, e a querer integrar-nos e a fazer parte de qualquer coisa, sempre à procura da Terra-do-Nunca».
            Uma e outra coisa: «recusar a viver a vida normal» e querer «apenas a normalidade da vida normal».
            O livro de Barrie começa assim:
            «Todas as crianças crescem, excepto uma. Depressa se apercebem de que vão crescer, e a maneira como Wendy soube foi esta.
            Certo dia, quando tinha dois anos, estava a brincar num jardim e, arrancando uma flor, correu a levá-la à mãe. Devia estar encantadora, pois a mãe levou a mão ao coração e exclamou:
            – Oh! Porque não hás-de ficar assim para sempre!?
            Foi tudo o que se passou entre elas; mas, a partir daí, Wendy soube que teria de crescer. As crianças sabem-no sempre, a partir dos dois anos. Dois é o começo do fim».
            Personagens que povoaram a nossa infância e juventude, se acaso tivemos a sorte de alguém delas nos falarem. Será, contudo, difícil que, alguma vez, não tenhamos encontrado por aí o terrível Capitão Gancho (o gancho que era a sua mão direita decepada); ou não tivéssemos imaginado a Fada Sininho a nosso lado, qual voz da consciência, a chamar-nos à realidade. E o crocodilo.
            É, pois, nesse mundo que se desenvolve a peça, para maiores de 6 anos, que o Teatro Experimental de Cascais estreou no passado dia 13 e que vai estar em cena até véspera de Natal, de sexta a domingo, com sessões às 16 horas de sábado e às 11 e às 16 de domingo, para dar azo a que os mais jovens possam ir.
            E é de não perder esse espectáculo em que os actores – em excelente (como sempre!) cenografia e figurinos de Fernando Alvarez (inolvidável a ‘reprodução’ das ilustrações de Paula Rego!...), mui adequada coreografia de movimento (Mónica Alves) e coreografia de luta do mestre de esgrima Eugénio Roque – se divertem e nos fazem divertir.
            Dir-se-ia espectáculo sem pretensões. Sê-lo-á. Mas – importa frisá-lo! – quem disse aí que fazer algo simples não implica enorme sabedoria de longa experiência acumulada?!...
            Mais uma vez, gente nova contracena com os actores ‘residentes’ do Teatro Experimental de Cascais (Teresa Côrte-Real e Luiz Rizo, por exemplo) e com o veterano e sempre jovem Ruy de Carvalho na figura, em cena, do narrador.
            Achava Peter Pan que as mães só serviam para contar histórias. Quiçá imaginemos também que Carlos Avilez e a sua equipa estão ali para contar histórias e nada mais. Sim, é verdade. Estão ali. E contam-nos histórias que nos ajudam a compreender melhor a realidade, sem que tenhamos um Peter Pan que nos ensine a voar. Eles é que nos dão esse ensinamento. Para que melhor compreendamos as vicissitudes do nosso quotidiano e saibamos evitar o crocodilo e o temível capitão Gancho. Oh! se ensinam!
                                                           José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 213, 29-11-2017, p. 6.
O capitão Gancho

Dificuldades?

Eles divertem-se...

Peles-vermelhas...

Ruy de Carvalho, o narrador

Voar!

Teresa Côrte-Real
As fotos foram, com a devida vénia, retiradas da página do T. E. C. no facebook.

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