É
sempre difícil escrever algo de válido a
cerca
de um escritor com tantas provas dadas e, ainda por cima, conceituado crítico
literário. Não há – claro! – nada a apontar de errado, quer na estrutura da
obra, quer na limpidez rigorosa da linguagem, cuja propriedade
domina como poucos.
Também
não é de bom-tom contar-se a história ou as histórias que se entrelaçam neste romance
que tem por pano de fundo uma Academia literária, a do Amor, criada sob a égide
do poeta latino que escreveu nada mais nada menos do que
A Arte de Amar. Por sinal, não podemos exigir que toda a gente
saiba Latim – embora novo movimento agora surja a reabilitar uma língua dita
«morta», mas que foi a «mãe» do Português. E os senhores que resolveram
baptizar a dita Academia ou se distraíram ou quiseram chamar a aten
ção, como aquele restaurante que, de propósito, de
chamava «O Rei dos Fangos». É que o senhor Ovídio, o tal da
Arte de Amar chamou-se, à boa maneira
dos cidadãos romanos, com três nomes: o
praenomen,
Publius; o
nomen, que era o nome
de família,
Ovidius; e
cognomen, Naso, um nome geralmente de
significado concreto, como é este, que, na origem, se dava a quem tivesse o
nariz comprido. Que ele meteu o nariz numa arte em que muitos necessitavam de
ser iniciados, lá isso ele meteu. E que na Academia do Amor a inicia
ção era obrigatória, isso está fora de questão, como
o está a entrada em qualquer Academia, por mais estranha que seja.
Tudo
se passa, por conseguinte, em época de eleições para os corpos directivos da
tal Academia e era preciso angariar votos; neste caso, é o autor, supomos nós, que
é assediado para se candidatar a membro, uma vez que escrevera uma obra susceptível
de entrar nos cânones exigidos para ser membro. Vem, pois, alguém aliciá-lo, prometendo-lhe
mundos e fundos, como é de jus em circunstâncias idênticas, sob condição de ele votar na lista em formação para derrubar a que estava no poder há um ror d’anos
e que, por isso mesmo, acabara por lançar a Academia no habitual marasmo de
quem está há muito num cargo, de pedra e cal, e se julga dono e senhor da verdade
toda. O que toda a gente sabe. Na Literatura. Nas Academias. Na Política. No
Futebol.
A
trama é, pois, essa, com ligações à Inglaterra, onde a Academia tem raízes e grandes
influências. E o pobre do autor lá se vê metido em palpos de aranha e procura
mostrar a sua valia, se quer singrar na vida e ser alguém mundialmente conceituado.
Por isso, de permeio vêm maravilhosas histórias, das quais a mais entusiasmante
– e o próprio académico aliciador o reconhece
por mais do que uma vez – a história (por sinal, verídica) do contabilista que andou
pelos Brasis em grande aventuras e desventuras é prato forte que jamais se
esquecerá. Também, a determinado momento, surge a de uma nadadora, verídica também
ela, de carne e osso, campeã olímpica, protagonista de uma história de amor, que
esteve, tal como o contabilista, presente no dia em que Teolinda Gersão
apresentou a obra (23 de Abril de 2015).
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Da esquerda para a direita; a nadadora, Teolinda Gersão, o Autor e o contabilista. |
Os
diálogos acerca do que deve ser a
obra literária perfeita, os ingredientes a que se deve lançar mão são um mimo:
«Porque
não escreve, por exemplo, sobre os seus amores? A sua primeira vez? Os engates
juvenis? As amantes, se as teve? Ou nesse particular correu-lhe tudo bem? Nada
há a corrigir? Dê a volta por cima. Escolha primeiro, escreva depois» (p. 156).
E
eu imagino Júlio Conrado a gozar, à medida que escreve, com um prazer danado de
ridicularizar a situação. Não. A
situação política directamente, não.
Indirectamente sim, porque estou bem em crer que o aliciamento
para entrar numa lista ou num partido político poucos ingredientes terão de
diferente do que os usados pelo senhor que pôs na cabeça a necessidade urgente
de derrubar o amorfo status quo vigente na Academia do Amor.
E,
por isso, o Autor até mostra que é capaz de satisfazer os requisitos:
«Os
rebentos de verde pespontavam a musculatura espectral, na sua quase nudez, das árvores
do jardim da Estrela, próximo da casa de Isaura. Os pássaros entregavam-se à
chilreada anúncio da Primavera em desordem acústica, como no ensaio prévio ao grande
concerto em que a prioridade está na afinação
dos instrumentos» (p. 161).
E
nacos de prosa como este aparecem aqui e além, quando é preciso, que o autor não
quer deixar os seus créditos por mãos alheias e, já que se meteu nessa de poder
vir a ser membro da tal Academia, ele que tinha provas dadas no concreto do seu
quotidiano, não queria deixar de mostrar que também as tinha no labor da
escrita.
Acabamos
por não saber que lista, afinal, ganhou. Ou se esse desfecho está por lá metido
nas entrelinhas ou vem mesmo expresso acaba por não interessar ao leitor,
perdido que andou no emaranhado de histórias, que o seduziram do princípio ao
fim, diferentes umas das outras.
Crítico
literário (ia eu a dizer: «por profissão»), Júlio Conrado não poupou uma
alfinetada, ao transcrever a passagem de uma crítica:
«[…]
uma análise cuja ênfase recaía sobre o fundo romântico do texto em que realidade
e ficção alternavam para se completarem
através de linguagens pulsionais em trânsito do estado depressivo para a mentalidade
positiva. Pela fácil e escorreita utilização
dos mecanismos de captação da atenção do leitor…» (p. 176).
Eloquente!
E facílimo, afinal, de captar no seu sentido mais profundo.!...
E
agora, que andamos numa de «guerra» aos anglicismos que snobisticamente enxameiam
o nosso quotidiano (no Concerto de Verão da Sinfónica de Cascais – imaginem! –
o título, no programa, era «Cascais meets Jazz!»…) e que os senhores ingleses
oficialmente se borrifaram para a Europa, ainda que os seus jovens (e os menos
jovens…) adorem vir beber uns bons copos a Albufeira, enquanto o brexit não se tornar efectivo, eu não
posso deixar escapar uma passagem de mestre. É que, na carta que William Smith,
o manda-chuva da TRAR (The Royal Academy
of the Romantism), em que a APON (Academia Publius Ovidius Naso) está
filiada, escreveu ao «querido discípulo Berto Aguiar», a certa altura não deixa
de se lamentar:
«No
entanto, fique sabendo: hesitei em seleccioná-lo para ser publicado. Desde logo,
não abordava um autor romântico inglês; o escritor estudado era nem mais nem
menos do que um dos paladinos da escola realista, em França, e sabe o que nós, Ingleses,
pensamos dos franceses» (p. 170).
Dos
Franceses e dos Europeus continentais em geral, acrescento eu. Se calhar, até
nem pensam nada, porque não os estudam, não lhes conhecem as línguas e já se
esqueceram, há muito, de uma ‘coisa’ que se chamou «Bloqueio Continental», em
que lá os comiseradores portugueses acabaram por lhes dar a mão e iam ficando
sem o corpo todo!... Essa é, porém, uma outra conversa, mas que – tenha o Autor
pensado nisso ou não – vem mesmo a calhar, a propósito da dependência em que nos
querem embrulhar.
Editado
pela Âncora, na colecção Holograma,
com ISBN 978-972-780.491-7, com data de Março de 2015 e 184 páginas, Turbulência na Academia do Amor
constitui, sem dúvida, um bom antídoto contra o dolce far niente em que somos tentados a deixar-nos amodorrar
nestes calorosos dias estivais. Há que ler!
José
d’Encarnação