segunda-feira, 28 de agosto de 2017

As mirabolantes peripécias de D. Álvaro Pires de Castro, 1º marquês de Cascais, evocadas por Alberto Pimentel

             Decidiu Fernanda Frazão, responsável da Apenas Livros, dar à estampa um livro que é, no seu estilo, uma história animadíssima. Teve, para esse efeito, o apoio da Associação Cultural de Cascais e fez-se agora uma edição especial com o pronto e solícito apoio da Junta de Freguesia Cascais Estoril.
            É que se trata, nem mais nem menos, do livro Um Português Derretido, em que Alberto Pimentel conta – como vem consagrado no subtítulo – «a pitoresca história de D. Álvaro Pires de Castro, 1º marquês de Cascais.
            Recuperada a independência, em 1640, el-rei D. João IV teve duas preocupações principais: defender-se dos ataques dos Espanhóis (e, por isso, ergueu e consolidou fortalezas ao longo da costa para salvaguardar a entrada do Tejo); e obter dos países europeus o reconhecimento da sua legitimidade como rei e não como usurpador.
            É nessa linha que se insere o envio do Padre António Vieira como diplomata a vários países europeus e para embaixador em Paris escolheu nada menos do que o Marquês de Cascais!
            Alberto Pimentel (1849-1925) – que os leitores de Cascais porventura já conhecem porque a Câmara, no ano 2000, incluiu, facsimilado, na série Memória de Cascais o capítulo que ele dedicara a Cascais na obra «Sem Passar a Fronteira» – foi um jornalista e um escritor multifacetado. Não se lhe pode chamar um historiador no sentido rigoroso da palavra, porque, amiúde, é capaz de aformosear os acontecimentos para que a leitura seja mais amena. Baseia-se, contudo, em documentos e o que conta acerca da vida – eu ia a escrever «louca» – que D. Álvaro Pires de Castro leva em Paris tem seguramente muito fundo de verdade.
            E a questão é a seguinte: como representante do Reino, o Marquês carecia de mostrar que em Portugal se vivia no melhor dos mundos, havia dinheiro que se podia esbanjar, que, enfim, el-rei D. João IV fizera muito bem em pegar nas rédeas do poder. E ele são festas, recepções, idas à ópera, serenatas, sempre acompanhado de bonitas mulheres que docemente sabia galantear… Até que… enfim, o dinheiro acabou e o Marquês foi forçado a regressar ao Reino, não sem ter deixado em Paris um halo de suma galanteria e mui grande benemerência…
            É dessa estada de D. Álvaro Pires de Castro em Paris que Alberto Pimentel dá pormenorizada conta, numa linguagem tão aprazível que é livro que só se deixa de ler quando se chega à pág. 60 (que é a última, já com as notas incluídas).
            Louve-se a Junta de Freguesia, na pessoa do seu Presidente, Pedro Morais Soares, por ter acarinhado esta edição, como, na semana passada, acarinhou a proposta do NASPE – Núcleo de Amigos de S. Pedro do Estoril para publicar, de Irene Prata, Provérbios para Sorrir ou… Reflectir, EM PAPEL! Como, não há muito, publicou, EM PAPEL, a história dos Teatros de Cascais, de Manuel Eugénio e Jose Ricardo Fialho, ora já em 2ªedição! Política bem diferente tem a Câmara Municipal de Cascais que opta pelo digital e que, instada a apoiar este livro de Alberto Pimentel, até porque ele caberia perfeitamente na referida série Memória de Cascais, onde já estava um título do mesmo autor, acabou por não dar qualquer resposta ao solicitado.
            Sirvam, pois, estas linhas para o incitar a estar presente na apresentação, que terei muito gosto em fazer, na próxima sexta-feira, dia 1, na sede da Junta em Cascais, a partir das 18 horas!

                                                                     José d’Encarnação

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A falta de água em Cascais

            Era este um título recorrente nos Verões das décadas de 50, 60 e ainda 70 do século passado. Esse fantasma aparentemente desapareceu, pois compramos a água a Lisboa e fornecedor que se preza não deixa o cliente desamparado, até porque ele próprio tem clientes que lhe pagam bem, a tempo e horas, sob pena de lhes virem cortar o contador e terem de pagar com língua de palmo o descuido.
            Dependemos de Lisboa; ou seja, dependemos do rio Tejo. E as notícias que vieram a lume nos princípios deste mês de Agosto acerca do substancial aumento de poluição das águas desse rio são de molde a trazer-nos preocupados. Bastará a água da barragem do Castelo de Bode deixar de ter qualidade para que renasçam os problemas de há 50 anos…
            Não estamos, felizmente, no Alentejo, onde a seca afecta gravemente a agricultura e, sobretudo, a pecuária; nem no Centro do País onde os criminosos incêndios fazem gastar milhões de metros cúbicos de água.
            Lembro-me, porém, de que, quando Guilherme Cardoso e eu fizemos o livro «Para uma História da Água no Concelho de Cascais» (SMAS, 1995), transcrevemos (p. 45-46) o texto que o Visconde de Atouguia publicara, em Julho de 1917, no jornal A Nossa Terra, onde dava miúda conta dos sítios do concelho onde os caçadores podiam dar água aos cães. Um relato do maior alcance histórico, uma vez que localizava nascentes, fontes, poços…

Solos permeáveis precisam-se!
            Passei a meninice em Birre de Baixo. Aí havia, na década 50, as ruínas dos tanques para lavar e passar roupa e, sobretudo, o poço público, com o bebedouro para os animais, poço que o Município, sem mais nem menos, alienou a um privado – e ‘así se hacen las cosas!’, diria o nosso cáustico Gil Vicente. De Inverno, eu ia a uma nascente próxima, de chinguiço aos ombros, um balde de cada lado, acarear água que por ali brotava límpida.
            Razões desta ‘conversa’?
            Duas: a primeira, para evitar que esses factos caiam no esquecimento; a segunda, para dizer que a Ribeira dos Mochos era para nós um «rio», porque, em tempo de boa invernia, inundava tudo quanto eram terras de cultivo e pomares desde Birre ao vale da Barraca de Pau. E donde vinha o rio? Do Mato Romão! Isto é, daquela zona entre Birre e Aldeia de Juso por cuja manutenção como mato nós continuamos a pugnar, porque é a sua permeabilidade às águas que poderá alimentar os caudais subterrâneos e evitar enxurradas que ponham em perigo as aldeias e a própria vila.
            Para que conste.
            Como, por exemplo, agora que tanto se fala de limpeza de matas, talvez não seja despropositado lembrar que Champalimaud, dono da Marinha, permitia às gentes das povoações vizinhas que, uma vez por semana, lá fossem apanhar lenha, maravalha, pinhas… O povo utilizava na cozinha, na cama dos animais, na cobertura dos pátios…

A necessária independência de Lisboa
            Os trabalhos de captação de águas para abastecimento de Cascais «na serra da Malveira» começaram em 1887. Construiu-se, mais tarde, a albufeira do Rio da Mula, sucessivamente aumentada, de modo que, em 2002, o muro de sustentação passou a ter 11 metros de altura e a capacidade de retenção de água subiu para 400 000 metros cúbicos!
            Assim se dava cumprimento a um voto repetidamente exarado nos relatórios dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento:
 
             «Necessário se torna prosseguir nos esforços de aumentar as possibilidades de captação das águas do concelho para que este não fique na inteira dependência da conduta de Cascais que transporta a água fornecida pela Companhia das Águas de Lisboa».

            Esse, porventura, um voto difícil de cumprir hoje, em que a preocupação maior parece ser a de autorizar novas urbanizações, permitir mais prédios em altura, proporcionar substancial aumento de habitantes, situação passível de vir a ser incomportável em termos logísticos, mormente se não se puser pôr cobro urgente às «roturas escondidas»; se não pensar de novo nas captações da Serra de Sintra e não se der a maior atenção à albufeira do Rio da Mula.

                                                               José d’Encarnação
Albufeira do Rio da Mula, vista do paredão, longe do seu máximo de capacidade
Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 199, 23-08-2017, p. 6.
Paredão da barragem do Rio da Mula, na Serra de Sintra
 

sábado, 19 de agosto de 2017

O significado de um «adeus»

            Sempre ouvi que não devia dizer-se «adeus», que era assim a modos de um mau agoiro, que a gente nunca mais se tornava a ver. Nunca consciencializara, porém, o verdadeiro significado da palavra. Agora, que me disseram, em S. Brás, que os senhores padres – idos de sabática neste mês de Agosto – não queriam festa de despedida, dei comigo a matutar: despedida? Soa a abandono, a ir para não voltar, o que não era o caso.
            Compreendi, falando com o Padre Afonso, que preferiam festejar para o ano os 50 anos da sua ordenação sacerdotal e seria esse um bom pretexto para renovar a evocação do muito trabalho cultural – para além, obviamente, do que lhes é específico, o pastoral – que levaram a cabo, com imenso entusiasmo e dedicação, em S. Brás de Alportel, uma S. Brás que, culturalmente, ninguém o nega, transformaram por completo, colocando um concelho até então pouco falado num referencial em muitos aspectos.
            Voltemos, porém, ao significado de «adeus» (não resisto a este pendor para as etimologias das palavras…). É «a Deus»; como, em francês, «adieu» (à Dieu); em italiano, «addio» (a Dio); em castelhano, «adios» (a Dios). Enfim, toda esta Europa ocidental cristã (excluem-se, claro, os Ingleses, que já se excluíram de vez…), põe na palavra um significado venturoso, espiritual, que é como quem diz: na pior das hipóteses (ou na melhor, conforme o prisma), encontramo-nos no seio da divindade! Bonito! Como é bonita a expressão dos nossos velhotes: «até que Deus queira!»…
            Perdoar-me-á o leitor não-crente esta incursão pela vertente espiritual da vida em que eu acredito; contudo, afinal, há no nosso dia-a-dia toda uma envolvência quase mística em que estamos mergulhados, sem que disso nos demos conta.
            Por consequência, que os senhores padres irmãos gémeos, José da Cunha Duarte e Afonso Cunha, repousem um aninho das múltiplas tarefas a que se dedicaram, rejuvenesçam com a pausa e… nós cá os esperamos! Não dizemos «adeus!», mas «até já!».

                                               José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 249, 20-08-2017, p. 13.

domingo, 13 de agosto de 2017

Melhoramentos que trazem algum consolo, em Cascais

             Escrevia um leitor do jornal de Mangualde, Renascimento, que seria óptimo que todos os anos fossem anos de eleições; contudo, nos casos que vou referir, creio bem que intuitos eleitoralistas não foram tidos em consideração e só peço desculpa por não poder dar conta desses melhoramentos num jornal em papel (Agosto é mês de férias em todos os sentidos...).

            Primeiro melhoramento:
            A transformação em parque de estacionamento automóvel, sem destruição dos pinheiros existentes, do pinhal sito entre a Rua Fernão Lopes e a Rua do Bairro Operário. Era sempre uma dificuldade para estacionar, tendo em conta que nem todos os utentes do Hospital CUF são pessoas de posses susceptíveis de usufruir do parque do hospital, que é pago e bastante exíguo. Esse parque tinha, portanto, plena justificação e muito se agradece.
            Aplausos!

            Segundo melhoramento:
            Nas escadinhas do cemitério da Guia, que fazem a passagem de um nível para outro, foram colocados corrimões, o que, tendo em conta serem predominantemente anciãos os que visitam as campas dos seus entes queridos, é, sem dúvida, um melhoramento pequeno, mas da maior utilidade – que se agradece.
            Aplausos!

            Terceiro melhoramento:
            A quantidade de passeios que foram melhorados, de passadeiras devidamente assinaladas (tendo em conta os invisuais), e alguns deles deram mesmo lugar a ciclovias, usadas também por quem deseja fazer em segurança as suas caminhadas ou os seus exercícios de corrida para manter a forma. O mais visível será, sem dúvida, o da Longitudinal Norte, da Rotunda das Palmeiras (hoje, Padre Fialho de Almeida) até à grande rotunda de homenagem à mecânica, indo, portanto, pela Av. de Alcabideche e Av. Raul Indipwo. Passo por aí frequentemente, de carro, e não há vez nenhuma em que não veja pessoas a fazerem esse percurso, que dispõe, inclusive, de chafariz com bebedouro para cães. Um achado!
            Aplausos!
                                                                              José d’Encarnação

sábado, 12 de agosto de 2017

Das Artes Plásticas em Cascais

         Dediquei parte importante da minha vida jornalística, desde o Outono de 1967, a comentar as exposições de arte. E ainda hoje procuro acompanhar de perto, ainda que com menos regularidade, o que, nesse domínio, se vai realizando. Pesa-me, agora, por exemplo, não conseguir dar mais atenção às iniciativas artísticas da Fundação D. Luís I no Centro Cultural de Cascais, na medida em que se sucedem a uma velocidade, diria, vertiginosa; procuro dar notícia, mas não comento habitualmente.
         Tal não aconteceu nas décadas de 60 a 80, altura em que procurava não faltava ao que se levava a efeito na galeria da Junta de Turismo, na galeria do Casino (única, esta última, a que continuo a poder dar mais atenção) e nas galerias que, entretanto, de vida efémera muitas delas, foram abrindo. Recordarei que, devido a ser escultor, Óscar Guimarães, quis dar espaço, como presidente da Junta de Freguesia de Cascais, à Galeria JF, que hoje se mantém sempre preenchida com exposições; que o próprio Espaço do Teatro Experimental de Cascais (junto ao Pão de Açúcar) foi galeria aberta a artistas de Cascais, que se haviam organizado em associação; que a Sociedade Musical de Cascais, em 1998 e 1999, albergou regularmente exposições do maior interesse…
        Uma actividade a que, também como historiador, me procurei dedicar com interesse e que teve como consequência eu possuir um espólio de catálogos, que seria presunção minha considerar significativo, mas cuja leitura retrata, sem dúvida, o que foi o panorama das Artes Plásticas na 2ª metade do século XX em Cascais.
       Acedi, de bom grado, à proposta que me foi feita de aderir ao PRADIM – Programa de Recuperação de Arquivos e Documentos de Interesse Municipal. E, nestes últimos dias, percorri toda a colecção desses catálogos, com vista à sua entrega, já concretizada, ao Arquivo Municipal.
   Confesso que fiquei mui agradavelmente surpreendido, ao verificar, compulsando essa documentação, quanto as Artes Plásticas – e falo de pintura, escultura, cerâmica, artesanato… – tiveram (e, felizmente, continuam a ter!) lugar de destaque no panorama cultural cascalense.
     Não haverá certamente um artista de nomeada que não tenha exposto nalguma das nossas galerias. E não tenho receio em afirmar que a História da Arte dessa 2ª metade do século XX não poderá gizar-se sem, a partir de agora, se fazer uma consulta ao espólio guardado no Arquivo Municipal.
     E regozijo-me por, da minha parte, ter contribuído para isso, uma vez que não se trata apenas de ver a reprodução das obras que esses catálogos contêm, mas os textos de abertura, nada despiciendos, assinados amiúde por vultos grados da nossa Cultura. Lembremo-nos, por exemplo, que Cruzeiro Seixas (nome maior do nosso surrealismo) esteve à frente da galeria da Junta de Turismo e que, nessa condição, não apenas chamou, para ali exporem, grandes artistas da sua geração como ele próprio redigiu muitas aberturas dos respectivos catálogos. Lembremo-nos que a galeria do Casino organizou inúmeros salões temáticos, não apenas os de Primavera ou de Outono, mas inclusive de Artesanato, de Gravura…

Três pesares
    E, ao percorrer esse espólio, há três pesares que não posso deixar de partilhar:

   ) A tacanhez de visão dos que, a partir de determinado momento, presidiram aos destinos turísticos de Cascais.
         Foi erro crasso não ter havido força política para não deixar matar a Junta de Turismo, cujo órgão Director, digamos assim, reunia representantes da Câmara, dos hoteleiros, o Capitão do Porto, representantes das agências de viagens… ou seja, pessoas que conheciam os problemas da região e que procuravam gerir com saber os dinheiros que advinham quer do Fundo de Turismo quer da Comissão de Obras da Zona de Jogo do Estoril. Essa direcção – a que, depois de Serra e Moura, presidiram pessoas de elevada craveira intelectual e saber prático como Licínio Cunha, César Torres, Alberto Romano… – tinha do Turismo uma visão alargada, onde as Artes Plásticas e, de um modo geral, a Cultura, ocupavam lugar importante.

   2º) A tacanhez de visão dos que não compreenderam o elevado alcance da proposta de Licínio Cunha, prontamente secundada por Nuno Lima de Carvalho, de criar em Cascais um Museu de Arte Infantil. Um dos anteriores directores da galeria fora o notável pedagogo Calvet de Magalhães, que organizou exposições com trabalhos de crianças desde 1965 a 1972.
         A ideia era muito simples: em colaboração com as escolas – e a nível internacional, note-se! – seleccionavam-se os melhores trabalhos, que, após terem sido expostos, eram submetidos a nova selecção e, com eles, se ia formando um museu. Picasso não foi sempre adulto e fez «bonecos» quando era pequeno; Vieira da Silva ou Paula Rego também foram crianças e desde cedo pintaram e desenharam. Portanto, quem nos garante que algumas das crianças cujas obras se expuseram nos Salões de Arte Infantil não são hoje nomes relevantes? E Cascais tinha a prova dos seus primeiros passos!
        Convido a ver os catálogos desses salões e tenho a certeza de que facilmente me darão razão, tão providos de interesse artístico são muitos dos trabalhos aí reproduzidos, espólio que, um dia, alguém pura e simplesmente deitou para o lixo! (E tremo ao pensar que foi do lixo que se recuperou parte substancial da obra de Michel Giacometti hoje guardada no Museu Verdades de Faria!...).

   3º) A tacanhez de visão dos que não apadrinharam corajosamente o grande anseio de Nuno Lima de Carvalho, a «menina dos seus olhos», ouso dizer, agora que está na sua galeria, até 12 de Setembro, o XXXVII Salão Internacional de Pintura Naïf: a criação de um Museu de Pintura Naïf, com obras seleccionadas das que, anualmente, se iam apresentando nos respectivos salões. Leu-se bem? Está patente na galeria do Casino o XXXVII Salão Internacional de Pintura Naïf! Há 37 anos que damos cartas neste domínio! E deixámos escapar essa oportunidade!
 
       Perdoar-se-me-á esta partilha-desabafo; mas congratulo-me por – entregando ao Arquivo Municipal esse espólio, documento singular da actividade artística que por Cascais se foi desenvolvendo – poder, de certo modo, contribuir para que ela se não esqueça e para que estudantes, nomeadamente universitários (e não só), possam, a partir dele, elaborar teses, artigos… reflectir!
       Que a tomada de consciência do que se fez pode sempre constituir ponto de partida para vir a fazer ainda melhor! E a não incorrer nos mesmos erros!

                                                            José d’Encarnação
 
Este Salão foi inaugurado, na Galeria do Casino, pela Princesa Grace Kelly,
que expressamente se deslocou ao Estoril para o efeito.


Exposição de 1987, na Junta de Turismo da Costa do Estoril.
Laura Cesana, natural de Roma, fixara residência em Portugal.
A abertura do catálogo tem a assinatura de David Mourão-Ferreira.

Lima de Freitas expôs em Março de 1984.
O catálogo abre com um extenso texto de David Mourão-Ferreira.

O talento de Francisco Relógio para o cartaz do IV Salão Nacional de Artesanato.

 
 

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Vamos ver a mata dos dragoeiros!

             Já em nota inserida no Jornal de Cascais (28-03-2012, p. 4), eu me congratulara com o facto de ter sido, então, a mata de dragoeiros do Parque Palmela, a maior do País, classificada como “de interesse público” pela Autoridade Nacional Florestal (Aviso n.º 5/2012, de 16 de Março).
            Contudo, a notícia não terá tido grande eco e tudo recomeçou, de modo mais acutilante, com o artigo «A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização», publicado na revista Bouteloua, nº 21 (Junho de 2015), p. 123-133, por Vasco Manuel Almeida da Silva, do Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”, do Instituto Superior de Agronomia. O resumo do seu artigo reza assim:
            «No maciço de dragoeiros existente no Parque Palmela em Cascais (Portugal) foram identificados 4 exemplares de Euphorbia piscatoria Aiton que se propõe incluir na classificação de interesse público. Avalia-se o estado de conservação da vegetação e apresentam-se medidas de gestão».

            Entre as medidas de gestão, designadamente para melhor usufruto dessa mata de espécies únicas, propunha-se a retirada dos painéis publicitários (Fig. 1) que impediam a visão da beleza da pequena mas bem significativa mata.

            Fiz-me eco desse texto e aplaudi a proposta no artigo «O sangue do dragão escorre em Cascais…», publicado em Costa do Sol Jornal, nº 177, 09-03-2017, p. 6 (acessível em: http://notascomentarios.blogspot.pt/2017/03/o-sangue-do-dragao-escorre-em-cascais.html ).
            Foram muitos os comentários a apoiar a ideia e iniciou-se, por isso, a 21 de Março deste ano, nos serviços camarários, por pronta intervenção da Cascais Ambiente, o processo que propunha a retirada de, pelo menos, o painel institucional gerido pela Câmara.
            O processo seguiu todos os trâmites necessários em tais situações, sempre angariando pareceres favoráveis, tendo culminado com a proposta de concordância, por parte do Director do Departamento de Gestão Territorial, Luís Campos Guerra, datada de 12 de Julho, p. p.
            É, pois, com a maior alegria que damos esta notícia, na medida em que, na realidade, se passa a ter, com muito maior visibilidade, mais um elemento de interesse em Cascais, numa altura em que o turista cada vez se interessa mais pelo património natural (Fig. 2).
            Como oportunamente referi, quanto seja do meu conhecimento, temos o dragoeiro da Quinta da Carreira (escolhido para logótipo pela Associação de Moradores), que – teve Rui Pais de Amaral a gentileza de informar – já se encontra protegido há muito, conforme o DR nº 233, de 26 de Setembro de 1995, com Declaração de Rectificação no DR nº 100, de 30 de Abril de 2002.
            Há um outro, também de boas proporções, no recinto do Hospital de Sant’Ana (Parede).
            E eu tive ensejo de apreciar, há dias, o dragoeiro existente na Rua do Cardeal (Charneca): dum lado em flor, cujo néctar as abelhas afanosamente cobiça sorviam numa azáfama de espantar  (Fig. 3); e, do outro, já com os cachos dos frutos, bolinhas menores que um berlinde (Fig. 4). Dava gosto ver!
            Como dará, com a retirada do painel, a quantos passarem junto à entrada do Parque Palmela, quer vindos desse mesmo parque, quer no regresso de saudável caminhada no paredão ou de tonificante banho na Praia das Moitas ou na zona da Piscina Alberto Romano.
 
                                                                             José d'Encarnação
Fig. 3 - A exuberância do dragoeiro em flor, a sedução
de dezenas e dezenas de abelhas sedentas do seu néctar! 
Fig. 2 - Um trecho da mata de dragoeiros no Parque Palmela

Fig. 1 - O painel publicitário que vai ser retirado, por decisão camarária,
para que melhor possa apreciar-se a beleza da mata.

Fig. 4 - A flor vermelha do hibisco realça os raminhos do dragoeiro
completamente cheios das bagas das sementes.
 

sábado, 5 de agosto de 2017

«Turbulência na Academia do Amor», de Júlio Conrado

             É sempre difícil escrever algo de válido acerca de um escritor com tantas provas dadas e, ainda por cima, conceituado crítico literário. Não há – claro! – nada a apontar de errado, quer na estrutura da obra, quer na limpidez rigorosa da linguagem, cuja propriedade  domina como poucos.
            Também não é de bom-tom contar-se a história ou as histórias que se entrelaçam neste romance que tem por pano de fundo uma Academia literária, a do Amor, criada sob a égide do poeta latino que escreveu nada mais nada menos do que A Arte de Amar. Por sinal, não podemos exigir que toda a gente saiba Latim – embora novo movimento agora surja a reabilitar uma língua dita «morta», mas que foi a «mãe» do Português. E os senhores que resolveram baptizar a dita Academia ou se distraíram ou quiseram chamar a atenção, como aquele restaurante que, de propósito, de chamava «O Rei dos Fangos». É que o senhor Ovídio, o tal da Arte de Amar chamou-se, à boa maneira dos cidadãos romanos, com três nomes: o praenomen, Publius; o nomen, que era o nome de família, Ovidius; e cognomen, Naso, um nome geralmente de significado concreto, como é este, que, na origem, se dava a quem tivesse o nariz comprido. Que ele meteu o nariz numa arte em que muitos necessitavam de ser iniciados, lá isso ele meteu. E que na Academia do Amor a iniciação era obrigatória, isso está fora de questão, como o está a entrada em qualquer Academia, por mais estranha que seja.
            Tudo se passa, por conseguinte, em época de eleições para os corpos directivos da tal Academia e era preciso angariar votos; neste caso, é o autor, supomos nós, que é assediado para se candidatar a membro, uma vez que escrevera uma obra susceptível de entrar nos cânones exigidos para ser membro. Vem, pois, alguém aliciá-lo, prometendo-lhe mundos e fundos, como é de jus em circunstâncias idênticas, sob condição de ele votar na lista em formação para derrubar a que estava no poder há um ror d’anos e que, por isso mesmo, acabara por lançar a Academia no habitual marasmo de quem está há muito num cargo, de pedra e cal, e se julga dono e senhor da verdade toda. O que toda a gente sabe. Na Literatura. Nas Academias. Na Política. No Futebol.
            A trama é, pois, essa, com ligações à Inglaterra, onde a Academia tem raízes e grandes influências. E o pobre do autor lá se vê metido em palpos de aranha e procura mostrar a sua valia, se quer singrar na vida e ser alguém mundialmente conceituado. Por isso, de permeio vêm maravilhosas histórias, das quais a mais entusiasmante – e o próprio académico aliciador o reconhece por mais do que uma vez – a história (por sinal, verídica) do contabilista que andou pelos Brasis em grande aventuras e desventuras é prato forte que jamais se esquecerá. Também, a determinado momento, surge a de uma nadadora, verídica também ela, de carne e osso, campeã olímpica, protagonista de uma história de amor, que esteve, tal como o contabilista, presente no dia em que Teolinda Gersão apresentou a obra (23 de Abril de 2015).
Da esquerda para a direita; a nadadora, Teolinda Gersão, o Autor e o contabilista.
            Os diálogos acerca do que deve ser a obra literária perfeita, os ingredientes a que se deve lançar mão são um mimo:

            «Porque não escreve, por exemplo, sobre os seus amores? A sua primeira vez? Os engates juvenis? As amantes, se as teve? Ou nesse particular correu-lhe tudo bem? Nada há a corrigir? Dê a volta por cima. Escolha primeiro, escreva depois» (p. 156).

            E eu imagino Júlio Conrado a gozar, à medida que escreve, com um prazer danado de ridicularizar a situação. Não. A situação política directamente, não. Indirectamente sim, porque estou bem em crer que o aliciamento para entrar numa lista ou num partido político poucos ingredientes terão de diferente do que os usados pelo senhor que pôs na cabeça a necessidade urgente de derrubar o amorfo status quo vigente na Academia do Amor.

            E, por isso, o Autor até mostra que é capaz de satisfazer os requisitos:

            «Os rebentos de verde pespontavam a musculatura espectral, na sua quase nudez, das árvores do jardim da Estrela, próximo da casa de Isaura. Os pássaros entregavam-se à chilreada anúncio da Primavera em desordem acústica, como no ensaio prévio ao grande concerto em que a prioridade está na afinação dos instrumentos» (p. 161).

            E nacos de prosa como este aparecem aqui e além, quando é preciso, que o autor não quer deixar os seus créditos por mãos alheias e, já que se meteu nessa de poder vir a ser membro da tal Academia, ele que tinha provas dadas no concreto do seu quotidiano, não queria deixar de mostrar que também as tinha no labor da escrita.
            Acabamos por não saber que lista, afinal, ganhou. Ou se esse desfecho está por lá metido nas entrelinhas ou vem mesmo expresso acaba por não interessar ao leitor, perdido que andou no emaranhado de histórias, que o seduziram do princípio ao fim, diferentes umas das outras.
            Crítico literário (ia eu a dizer: «por profissão»), Júlio Conrado não poupou uma alfinetada, ao transcrever a passagem de uma crítica:

            «[…] uma análise cuja ênfase recaía sobre o fundo romântico do texto em que realidade e ficção alternavam para se completarem através de linguagens pulsionais em trânsito do estado depressivo para a mentalidade positiva. Pela fácil e escorreita utilização dos mecanismos de captação da atenção do leitor…» (p. 176).

            Eloquente! E facílimo, afinal, de captar no seu sentido mais profundo.!...
            E agora, que andamos numa de «guerra» aos anglicismos que snobisticamente enxameiam o nosso quotidiano (no Concerto de Verão da Sinfónica de Cascais – imaginem! – o título, no programa, era «Cascais meets Jazz!»…) e que os senhores ingleses oficialmente se borrifaram para a Europa, ainda que os seus jovens (e os menos jovens…) adorem vir beber uns bons copos a Albufeira, enquanto o brexit não se tornar efectivo, eu não posso deixar escapar uma passagem de mestre. É que, na carta que William Smith, o manda-chuva da TRAR (The Royal Academy of the Romantism), em que a APON (Academia Publius Ovidius Naso) está filiada, escreveu ao «querido discípulo Berto Aguiar», a certa altura não deixa de se lamentar:

            «No entanto, fique sabendo: hesitei em seleccioná-lo para ser publicado. Desde logo, não abordava um autor romântico inglês; o escritor estudado era nem mais nem menos do que um dos paladinos da escola realista, em França, e sabe o que nós, Ingleses, pensamos dos franceses» (p. 170).

            Dos Franceses e dos Europeus continentais em geral, acrescento eu. Se calhar, até nem pensam nada, porque não os estudam, não lhes conhecem as línguas e já se esqueceram, há muito, de uma ‘coisa’ que se chamou «Bloqueio Continental», em que lá os comiseradores portugueses acabaram por lhes dar a mão e iam ficando sem o corpo todo!... Essa é, porém, uma outra conversa, mas que – tenha o Autor pensado nisso ou não – vem mesmo a calhar, a propósito da dependência em que nos querem embrulhar.
            Editado pela Âncora, na colecção Holograma, com ISBN 978-972-780.491-7, com data de Março de 2015 e 184 páginas, Turbulência na Academia do Amor constitui, sem dúvida, um bom antídoto contra o dolce far niente em que somos tentados a deixar-nos amodorrar nestes calorosos dias estivais. Há que ler!
                                                                        José d’Encarnação

P. S.: Tive ocasião de me referir à apresentação da obra em 24 de Abril de 2015: http://notascomentarios.blogspot.pt/2015/04/a-turbulencia-na-academia-foi-explicada.html

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

ADUFE – revista cultural de Idanha-a-Nova

             Sempre preconizei que o município, além do boletim onde, por força da lei (amiúde não cumprida), dá conta da actividade administrativa, deve promover a cultura em geral e a sua cultura de modo especial.
  
Coruja-do-mato

A revista ADUFE, do concelho de Idanha-a-Nova, é disso um bom exemplo. De periodicidade anual, já vai no nº 24, o de 2016, último que me chegou às mãos (peço desculpa de só agora a ele me referir).
            Bilingue (português – inglês), 128 páginas profusa e magnificamente ilustradas, abre com o editorial assinado pelo presidente da Câmara, Palma Jacinto, que justamente realça a distinção mundial que hoje detém a sua cidade, pois desde Dezembro de 2015 que a UNESCO a declarou «Cidade Criativa» na área da Música; e «Reserva da Biosfera» em 2016, a assinalar os 10 anos da criação do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional.
            Se tudo isso é motivo de orgulho, acentua, também implica «imensa responsabilidade». As classificações, os prémios (digo eu) trazem notoriedade, a nível nacional e internacional, mas obrigam a que os municípios e, sobretudo, os seus gestores consciencializem a necessidade de manter o dinamismo: o empurrão inicial carece de continuado acompanhamento. Isso, aliás, tem feito Idanha e permita-se-me que aproveite para louvar a recente (e de há muito esperada!) aquisição da mansão da família Marrocos, logo à entrada de Idanha-a-Velha, convertível, segundo o que está planeado, em «hotel de charme», expressão ora muito em voga, que acarreta, no entanto, uma responsabilidade enorme, no que concerne à manutenção e, sobretudo, à sua utilização em termos de rendibilidade. E aí voltaríamos ao tema das acessibilidades, da promoção correcta e sustentada dos vestígios da importante cidade romana que jaz a seus pés… 
            Perdoar-me-á o leitor se fugi ao tema. Sucintamente, então, recupero o fio à meada: nesta edição da Adufe, «sons com música» trata de instrumentos musicais; «flores raras» debruça-se sobre o património vegetal (com desenhos magníficos!); «.pt» dá conta dos casais estrangeiros que chegaram ao território, por ele se enamoraram e por lá estão; «asas no escuro», um olhar perspicaz sobre as aves nocturnas; «Tejo», o rio que une e as suas encantadoras paisagens; Josefina Pissarra, de Penha Garcia, e os seus preciosos petiscos tradicionais…
            Enfim, mil e uma razões para, um dia destes, se abalar até um ‘mundo’ por que mui facilmente nos deixaremos seduzir!
 
                                                                     José d’Encarnação
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 713, 1 de Agosto de 2017, p. 11.