Na
verdade, ao vermos as peripécias imensas por que passa o protagonista, altos e
baixos, anjo e demónio, acabamos por sentir que, amiúde, cenas dessas também
fizeram parte da nossa vida. Aliás, o próprio Carlos Avilez, o encenador, diz
mesmo que «Peer Gynt é uma viagem extraordinária
que fizemos primeiro ao longo de 50 anos e agora nestas últimas oito semanas».
Merece
o texto, na – sempre de elogiar! – versão e dramaturgia de Miguel Graça, uma
análise profunda. E cada um dos espectadores, por mais vezes que veja o
espectáculo (em cena no Teatro Municipal Mirita Casimiro, até 9 de Agosto),
há-de reter inúmeros motivos de reflexão, inclusive porque – embora escrita em
meados do século XIX, eivada, pois, dos ‘fantasmas’ de então, que não serão, afinal,
mui diferentes dos nossos – a peça detém uma riqueza extrema. Não cabe, pois,
nesta leve crónica um esmiuçar das filo sofias
de vida aí apresentadas. Mas não passarão despercebidos, mesmo ao espectador
menos atento, alguns bem sugestivos apontamentos, a que o trajar ou o simples
tom de voz e pronúncia emprestam uma actualidade pungente, que – estou certo
disso! – toda a companhia bem se divertiu em caricaturar. As bailarinas de…
burka! Ou aquela espécie de conferência de líderes europeus, de tiques bem
nossos conhecidos e teorias também…
Uma prova de finalistas
Recorde-se que, ao
lado dos actores da companhia, entram em cena, para a sua prova de aptidão profissional,
os estudantes finalistas das Escola Profissional de Teatro de Cascais, assim
como alguns dos alunos do 2º ano, para desde já se habituarem a pisar o palco.
Há,
por isso, quatro elencos, uma vez que a intenção
de Carlos Avilez, em sintonia com o corpo docente da Escola, é fazer com que
cada um dos estudantes vista a pele de mais do que uma personagem. Primeiro,
para ser avaliado; depois, para que se auto-avalie e verifique em que papel
melhor se sente; e, finalmente, para que saiba ser a versatilidade uma das
características mais importantes do actor: hoje, senhora, amanhã, criada;
depois, bailarina ou bruxa ou doida varrida, cheia de tiques…
Uma
peça como esta – que é, no fundo, o imaginário retrato da vida, uma espécie de
odisseia dos tempos modernos, também ela pejada de fantasias, sonhos e loucuras…
– presta-se bem a pôr à prova os dotes do estudante que sonha ser actor. E não
se pense que há aqui «papéis pequeninos», sem valor e sem necessidade de treino
ou atenção . Nada disso! Veja-se, a
título de exemplo, a cena do manicómio: cada um representa a seu modo, tudo
estudado ao pormenor, para que seja eloquente o conjunto. Recordo que, tendo
ido à zona dos camarins para cumprimentar alguns dos intervenientes, olhei para
o palco e vi como os rapazes encarregados de, a determinado momento, retirarem um
palanque metálico, estavam a treinar, para que, na representação seguinte, tudo corresse a contento. Porque,
senhores, as mudanças de cenário, feitas num ápice, requerem treino adequado e
sobretudo se, como no caso vertente, esse mobiliário é retirado mesmo em cena
e, ainda por cima, em movimentos quase de bailado, que necessitam de notável
sincronia. E, nesta acção , como em
toda a peça, a coreografia de Natasha Tchitcherova desempenhou papel fundamental.
Carlos
Avilez – sempre com o apoio incansável da sua equipa técnica, que se desdobra –
pensou numa cenografia singela, mais de evocação
de ambientes do que da sua efectiva recriação
(que, aliás, bem se dispensa). Fernando Alvarez teve, também aqui e nos figurinos,
acção relevante, com a ímpar experiência
que se lhe reconhece. É singela, sim; mas exige, por isso mesmo, rápida e bem
sincronizada movimentação de
actores.
Maria Vieira e Pedro Condessa, mãe e filho |
Enfim,
com mais esta prova de aptidão profissional, que reúne em palco 51 actores mais
22 alunos do 2º ano, o Teatro Experimental de Cascais demonstra a validade do
teatro como forma de fazer Cultura e Intervenção
e documenta, por outro lado, o excelente trabalho educativo que, através da
arte de bem representar, se está a desenvolver na Escola Profissional de Teatro
de Cascais.
Não
há senão uma atitude a tomar: aplaudir. De pé!
José d’Encarna
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 103, 29-07-2015, p. 6.