segunda-feira, 30 de outubro de 2017

«Transcendências», de António Macedo, na galeria do Casino Estoril

             Confesso que gostava de saber escrever assim. Não, desenhar ou pintar não digo, porque sou um zero à esquerda e sempre apanhei péssimas notas a Desenho. Não tenho jeito, pronto! Para escrever, lá vou alinhavando umas coisas, porque escrevo desde pequenino e todos os dias escrevo, e mal de mim se algo não tivesse aprendido com os excelentes professores que tive ao longo de toda a minha vida!
            Também me aventurei no campo das Artes Plásticas, mantendo uma secção de noticiário acerca das exposições que se iam realizando pela Costa do Sol (hoje, Costa do Estoril). Ele era a galeria da Junta de Turismo, de saudosa memória (não faltava a uma inauguração!); a galeria do Casino, desde os anos 60, em que foi dirigida pelo prof. Calvet de Magalhães; a galeria JF, do escultor Óscar Guimarães (como presidente da Junta de Freguesia de Cascais).
            Era assim a modos de eu olhar para os quadros ou as esculturas e, como estudara História de Arte na Faculdade, contava o que eles me «diziam». Creio que a isso se chama uma escrita «impressionista», porque relata as impressões que o escrevente transmite.
            Nunca, porém, ousei embrenhar-me na linguagem – para mim, hermética – dos críticos de arte. Admiro-a, tiro-lhes o chapéu, protestando a minha ignorância e incapacidade.
            E porque é que estou agora a falar disto? Porque está patente na galeria do Casino Estoril a exposição de António Macedo, não o apresentador do Programa da Manhã na Antena Um, mas um portuense (n. 1955), que, depois de frequentar a reconhecida Faculdade de Belas Artes do Porto, demandou Londres, em 1975, fez já 16 exposições individuais, participou em dezenas de exposições colectivas e também figuraram trabalhos seus «em algumas das maiores feiras de arte mundiais».
«A entrega», óleo sobre tela, de António Macedo
            Claro, perante isso, não pode o sapateiro ir além da chinela e, por conseguinte, tive de ater-me a transcrever o que conceituados críticos escreveram sobre o senhor. Um deles é espanhol e, na informação que amavelmente me foi enviada, classifica a obra de António Macedo como um «labirinto de claridade, onde se cruzam a realidade e o desejo, a luz ténue, o passado e o futuro, o neo-realismo e o super-realismo». É interessante. Uma pintura intemporal. Não sei como é essa do desejo, mas deve ser verdade. E tenho de ir ver.
            O outro crítico é o meu grande amigo Edgardo Xavier, poeta lírico até à medula e pintor nas horas vagas (eu digo isso, porque está a escrever mais do que a pintar). E recorto um breve trecho das frases transcritas, para se ver como eu nunca saberia escrever assim. Garante Edgardo Xavier que António Macedo «reinventa o sentido das formas» e as expõe «dentro de um racional equilíbrio que afirma a força dos academismos na nova procura do que se esconde para lá da emoção meramente plástica».
            Pois.
            Sirva, por conseguinte, todo este preâmbulo para incitar a uma visita obrigatória: a exposição de 27 óleos e 10 desenhos estará patente até 20 de Novembro, diariamente, das 15 às 24 horas.

                                                                      José d’Encarnação

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Viva o Parque das Amendoeiras!

            E este meu «viva!» tem dois sentidos: o de parabéns e saudação pela primorosa ideia e mui oportuna designação; e o de incitar a que o parque, localizado onde está, seja doravante o ponto de encontro dos residentes, novos e velhos.
            Fruto do Orçamento Participativo, o que também se aplaude, devido a configurar um desejo da população, apresenta-se, assim pode ler-se na passada edição do nosso jornal (p. 21), como dignificação de um espaço público, mediante cuidado arranjo urbanístico, que prevê zona de estacionamento e, claro, um «parque de lazer intergeracional».
            E, a propósito desta última frase, surgiram-me de imediato uma imagem e um livro.
            A imagem foi (que o leitor me desculpe se dou um exemplo não português) a do Hyde Park, em Londres, no domingo, 1 de Junho passado: repleto de famílias, na mais completa descontracção, tomando o seu almoço em jeito de piquenique, jogando, convivendo… Para mim, uma sensação bem agradável, sabendo-me no coração de uma grande cidade.
            O livro foi o de David Kundtz, «Parar» (edição de Sinais de Fogo, Lisboa, 2ª edição, Abril de 2004). A obra é de 1998 e tem como subtítulo «Como parar quando temos de continuar».
            David Kundtz demonstra a importância que têm, no nosso dia-a-dia, as pausas conscientes que possamos fazer, em silêncio. É assim a modos de um ‘carregar as baterias’. Não temos tempo para isso? Temos, pois! Quando esperamos por um amigo que tarda; enquanto o computador não se inicia; enquanto o autocarro não chega; enquanto a água não levanta fervedura… Mil e um momentos que podemos agarrar, para tomarmos consciência de nós: o que somos, o que fazemos, como fazemos…
            Parque das Amendoeiras! Bonito, o nome! Excelente, o objectivo! Vamos querer que seja mesmo esse «parque de lazer intergeracional»!

                                                           José d’Encarnação
Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 251, 20-10-2017, p. 13. As imagens são também do jornal.

 

sábado, 21 de outubro de 2017

CCC – Cidadela Cimentou Comunidade!

             Na passada sexta-feira, dia 20, a Direcção do Agrupamento de Escolas da Cidadela, em Cascais, convidou para um jantar de confraternização e de convívio, na sua sede, a comunidade educativa, ou seja, os professores, os funcionários, os membros do Conselho Geral do Agrupamento, os técnicos camarários e outros que estiveram ligados à obra. Pela Câmara, esteve o vereador do pelouro da Educação, Frederico Pinho de Almeida; pela Junta de Freguesia, Emília Sabino, em representação do Presidente.
            O pretexto: mostrar e usufruir da obra, a nova cantina que o Orçamento Participativo de 2015 permitira concretizar. A inauguração oficial ocorrera a 12 de Setembro e reza a placa que assinala o evento que a inauguração foi feita «pelos cidadãos de Cascais, na presença do Presidente da Câmara, Carlos Carreiras».
            Trata-se de um espaço que proporciona, na verdade, um excelente convívio entre os comensais. Registe-se, por exemplo, que parte das paredes é de tijoleiras pintadas de um branco leitoso, o que as torna deveras agradáveis à vista; que a iluminação, directa e indirecta, resulta extraordinariamente luminosa (passe o pleonasmo) e, até, de algum requinte do ponto de vista estético. Os meus parabéns a quem trabalhou na execução (realço o empreiteiro João e a Arqª Paula Cabral). Segundo vim a saber, boa parte da colaboração foi dada pro bono, designadamente os técnicos.
            Mostra-se bonito relógio numa das paredes, um elemento simpático também pela sua estética, muito bem escolhido.
            Na parede do lado norte afixou-se a metade de uma porta velha, que foi pintada e nela se inscreveu uma frase assaz adequada:
 
                        BONS MOMENTOS PASSADOS À VOLTA DA MESA
                             DEIXAM LEMBRANÇAS PARA TODA A VIDA.

            É a tradução livre, mas muito bem pensada por Paula Cabral, da frase que se apanha na internet em inglês, de autor anónimo: «The fondest memories are made when gathered around the table».
            Também esse aspecto merece encómio e não há dúvida que é de muito aplaudir a iniciativa do jantar, sobretudo depois de verificarmos a alegria contagiante de todos os que participaram e o partilharam na mais completa descontracção, tirando fotografias, contando das suas experiências, num evidente entusiasmo por estarem juntos, quando, no frenesim do dia-a-dia, cada um anda para seu lado, a puxar o barco.
            Não ouvi discursos, porque foi mais o coração que falou!
            Parabéns, portanto, à Direcção do Agrupamento, que assim ajuntou em torno da mesa uma comunidade, que importa manter e rejuvenescer cada vez mais.

                                                                        José d’Encarnação

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Amplo louvor à cultura numa instituição singular

             Antes de dar conta do que foi a cerimónia de entrega dos prémios Vasco Graça Moura (Cidadania Cultural) e Fernando Namora (Literatura), referentes a 2017, instituídos pela Estoril-Sol, importa salientar a tónica que perpassou por toda a sessão, ocorrida, sob a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, no final da tarde de quinta-feira, 12 de Outubro: a ênfase dada à Cultura numa ‘casa’, onde, à partida, só era presumível pensar-se em jogo, em dinheiro, slot-machines, bacará e ‘entretenhas’ afins, sempre vulgarmente mais relacionadas com aspectos menos lisonjeiros da nossa existência.

            E um vulto sobressaiu, por todos evocado como Homem, como Escritor, como Poeta, como Tradutor insigne, em suma, eminentemente como Homem de Cultura: Vasco Graça Moura, que durante anos presidiu a este júri e até mesmo já atormentado pela doença que cedo (é sempre cedo!...) o arrebataria do nosso convívio.

            Mas, claro, doutra personalidade se falou também, porque a ele se deve, incontestavelmente, a teimosia em envolver o Casino nessa aura cultural: Mário Assis Ferreira. Foi desde que assumiu as rédeas da Estoril-Sol que a Sociedade se converteu decisivamente, contra tudo e contra todos, em paladina das Artes Plásticas, das Artes do Espectáculo, da Literatura, com os prémios que instituiu e com a regular publicação da revista Egoísta, um primor de edição!

            Foi Dinis de Abreu o mestre-de-cerimónias, apresentando os oradores a uma assistência que encheu por completo o teatro do Casino Estoril.

            Mário Assis Ferreira começou por assinalar o «profundo significado» que esta sessão detinha, «pela importância e pelo interesse que lhe dedicamos», como elevada manifestação de Cultura. Evocou, emotivamente, a combatividade extrema e exemplar de Vasco Graça Moura; sublinhou os laços de amizade e de uma certa cumplicidade que o unem ao galardoado com o Prémio Cidadania Cultural, José Carlos Vasconcelos e fez-se eco do que o júri realçara no romance Flores, de Afonso Cruz, a que fora atribuído o Prémio Fernando Namora: a elevada qualidade estética aliada a uma estrutura sabiamente modelar. Não deixou de salientar o que atrás se referiu: ser a Cultura a tónica dominante da Estoril-Sol sobretudo desde 1987; ter aceitado o desafio da Cultura, «infelizmente tão solitário»; ter-se entregado «com fé aos ideais que preconiza num tempo marcado por tantos egoísmos».

            Coube ao presidente do júri, Guilherme d'Oliveira Martins, descrever, a traços largos, o perfil de Afonso Cruz, escritor, músico, «uma das certezas da actual literatura portuguesa», numa obra de elevada qualidade estética, em que o autor soube aliar a humanitas à compreensão do quotidiano, na sua complexidade. «Há sempre flores para aqueles que as quiserem ver». De José Carlos Vasconcelos disse ser uma «personalidade ímpar», «cidadão exemplar», «contra ventos e marés defensor das culturas de língua portuguesa», tal como Vasco Graça Moura. «Uma das figuras mais marcantes da vida portuguesa», disse, acrescentando: «Não é possível falar hoje da difusão da Cultura Portuguesa sem uma referência a José Carlos de Vasconcelos», designadamente através do seu Jornal de Letras, «um jornal único, que muito preza o rigor, o diálogo, a divulgação, um serviço público da maior importância, na prossecução do bem comum».

            Coube ao Presidente da Republica entregar os galardões, duas singulares obras escultóricas; e Assis Ferreira entregou os sobrescritos com os prémios pecuniários.

            Paulo Teixeira Pinto, representante da editora Babel, que patrocina a publicação, considerou um privilégio o poder estar a sua editora associada a esta iniciativa, cuja relevância acentuou. Pela editora, integrara o júri o Doutor José Carlos Seabra Pereira, professor associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

            Afonso Cruz agradeceu o galardão e, num improviso estudado (embora tenha dito que já se não lembrava bem do livro, porque, entretanto, já escrevera outro!...), teceu considerações sobre a importância da memória, da História, temática que – sublinhou – é, em seu entender, o ponto fulcral do romance. «Nasci em 1971, não sei o que é viver em ditadura». O que é que pode mudar? Os modelos que apresentamos às nossas crianças, que não são Gandhi ou Mandela, mas os super-heróis – e devem ser essoutros que importa imitar, bons modelos, no regresso a uma moral ontológica e não teleológica, pois «a memória é plástica, nós podemos moldá-la; a imaginação é criadora».

            José Carlos Vasconcelos – depois de se referir a Marcelo Rebelo de Sousa como «um Chefe de Estado que tem sentido de Estado e não pose de Estado, que está em muita parte e não em toda a parte» – agradeceu a honra que lhe fora concedida, «honra redobrada», frisou, atendendo ao patrono do galardão, Vasco Graça Moura, e ao facto de o primeiro galardoado ter sido Eduardo Lourenço, que estava presente.

            Leu o seu minucioso discurso, porque apostara – como o estavam a apresentar como cidadão cultural – em fazer o balanço do que fora a sua vida, que não se cingira, até aqui, aos 37 anos consecutivos à frente do Jornal de Letras, que fundara e, apesar das dificuldades, teimava em manter.

            Começara a escrever aos 13 anos, tendo dirigido duas páginas literárias em jornais locais. Esteve em todas as lutas académicas de Coimbra nos anos 70. Foi actor no TEUC – o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, e sempre o norteou, em seguida, o exercício das duas profissões que sempre quis ter: ser advogado e escritor. Afastado das redacções, em 1971, pela Censura, viria a assinar, já depois do 25 de Abril, o programa televisivo «Escrever é Lutar». Integrou a redacção d’O Jornal. Esteve na origem da TSF – Rádio Jornal. Afirmou-se defensor da língua, que «é a nossa principal riqueza, aspecto que parece estar a ser esquecido no âmbito da lusofonia». Liberdade, justiça e ética – são palavras que norteiam a sua actividade, «a política como ética e prática em acção». «Não sei quanto tempo vou resistir», «Não procuro qualquer lugar em qualquer galeria de retratos», confessou, a terminar – e o seu testemunho calou fundo em quantos longamente o aplaudiram depois.

            O Presidente da República quis apresentar três notas prévias ao discurso que trazia escrito: 1ª) Estamos num encontro de cidadania cultural, porque este é «um acto de resistência cultural»; 2ª) Vê com alegria a reedição da obra de Fernando Namora, porque a falta de memória «é um pecado que esta casa não cometeu»; 3ª) De Vasco Graça Moura salientou o ter sido «tão excelente tradutor», o que, em certa medida, pode ter obnubilado as muitas causas em que se empenhou e dispersou.

            Quanto à obra Flores, classificou-a como «um dos livros mais autobiográficos e simultaneamente mais pungentes» de Afonso Cruz, «um dos seus livros mais interventivos» – e a sua (dele, Afonso Cruz) «não foi uma intervenção de circunstância».

            Referindo-se a José Carlos Vasconcelos, seu vizinho e amigo de longa data, teve em conta o circunstanciado currículo que ele fizera gala em apresentar – «para que conste» (escrevo eu); não hesitou em declarar que «atravessamos um período crítico da imprensa portuguesa», incitando os mais jovens a manterem essas pontes que José Carlos Vasconcelos sempre procurou estabelecer entre Portugal e o Brasil. Dos dois galardoados não quis deixar de salientar ainda a sua «generosa humildade». E terminou marcando «presença, desde já, para o próximo ano, em nome da resistência cultural».

                                                            José d’Encarnação

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Outeiro da Vela - Um sonho português, um baptismo estranho!

            A maior ambição da Comissão de Moradores do Outeiro da Vela: que o pinhal do Outeiro, pelo panorama dali abrangido sobre a baía de Cascais, não visse crescer no seu dorso o espinho atroz de uma urbanização em altura.
            A ameaça pairava no ar. Vampiros aguçavam a dentuça, na expectativa de farto repasto…
            Lutámos – que espinhos desses não queríamos num espaço justamente cobiçado pelos moradores para usufruto da comunidade.
            O bairro nascera à pressa antes do 25 de Abril, sem espaços de convivência, os apartamentos acanhados, encostados uns aos outros. Após o 25 de Abril, foi o regabofe que se conhece: a ocupação rápida, antes que fosse tarde!
            Finalmente, após inúmeras promessas adiadas e projectos rejeitados, veio o ano das eleições autárquicas e era preciso mostrar à população que, afinal, suas longas aspirações expressas no Orçamento Participativo de 2012 (OP 08), num ápice poderiam começar a ser satisfeitas, quando, em 28-10-2015, ainda se pensava na reformulação do projecto de execução.
O painel identificativo da obra em curso
Mountain Bike Skill Park
            E – vai daí! – muita leitura na internet, muito exemplo estranho analisado (há projectos desses em Denver, em Vancouver, Canmore, Kelowna e Calgary) e mui intensa pesquisa levaram a que se sugerisse uma designação sonante, que não ficasse atrás das suas congéneres estrangeiras: Mountain Bike Skill Park, expressão que poderá traduzir-se, à letra, por: Parque de Perícia para Bicicletas de Montanha!
            Convenhamos que a designação inglesa é muito mais atraente, enche a boca, deixa turista boquiaberto e indígena a franzir o sobrolho. Mas há lá designação portuguesa que lhe chegue aos calcanhares?! «Parque de Perícia para Bicicletas de Montanha»? Que saloiice!...
            Compreende-se perfeitamente a intenção e a pressa: Cascais vai ser, em 2018, Capital Europeia da Juventude. Tive o privilégio, a 29 de Setembro, de ver a minha correspondência selada não com um vulgar carimbo mecânico, mas presenteada com os selos comemorativos. O de 50 cêntimos tem cara de ancião – a homenagear (obrigado!) os que estamos bem no Outono da vida, os «menos jovens». Há, porém, um selo enorme, que mui habilidosamente a Marisa conseguiu colar no embrulho do livro dos provérbios que eu me propusera enviar para uma professora amiga. Meus senhores, uma panorâmica de Cascais com o farol de Santa Marta ao fundo! Maravilha!
            Maravilha vai ser também o Mountain Bike Skill Park, quando estiver prontinho, cheiinho de altos e baixos.

E o que é que eu vou pedir?
            Tinha que meter o bedelho! Vou pedir que a entidade competente ali coloque, em lugar de destaque, um ou dois painéis, em português e em inglês, a explicar o enorme significado histórico da designação toponímica «Outeiro da Vela».
            Vem nos livros. O Prof. J. Diogo Correia escreveu, na sua Toponímia do Concelho de Cascais (Câmara Municipal de Cascais, 1964, p. 45), que esta «eminência será um dia – que oxalá não venha longe – aproveitada para ponto de turismo da região» e explica: esse «morro, que altivamente se ergue como sentinela protectora da vila», servia de atalaia, em ocasião de perigo iminente», «ali se velava pela segurança dos moradores de Cascais e seu termo.
            Não veio muito longe, professor, esse aproveitamento turístico! De 1964 a 2018 passaram somente 54 anos!
            Os painéis são, pois, a meu ver, imprescindíveis!
            Devido a essa posição altaneira sobre a baía, em tempos imemoriais, quando a pirataria era exclusivamente a marítima, a população revezava-se a vigiar, a estar de vela, não adregasse navio pirata aproximar-se para semear devastação, pilhagem, mortandade…
            Outeiro da Vela a servir, em 2018, de radical ponto de encontro da juventude, continuará, portanto, a ser um símbolo: «Do alto desta montanha vos contemplo, senhores!».
 
                                                    José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 207, 18-10-2017, p. 6.

O mar ao fundo... E o Cabo Espichel, mais além...

E o Palacete Palmela a espreitar por entre o arvoredo...

E a vila, ali, a seus pés...

 

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Ter uma licenciatura!

            Custa-me a acreditar toda essa trapalhada – de facto, até lhe poderia dar outro nome mais acutilante… – das falsas licenciaturas indicadas no currículo de detentores de cargos públicos para os quais, por lei, o «canudo», como vulgarmente se dizia, é condição sine qua non.
            Custa-me a acreditar por dois motivos.
            Primeiro, pelo que isso significa de má consciência e, até, de imaturidade. Penoso é dizê-lo, mas importa que «eles» e nós o consciencializemos.
            Depois, pelo que tal «exigência» pretende significar: a experiência vivida de três anos a estudar. Três anos, agora, uma insignificância em termos de possibilidade de aprofundar saberes e mesmo em termos de convivência e possibilidade de amadurecimento em partilha. Mas, sem dúvida, uma experiência por que se deve passar, como, em tempos, se dizia da tropa, que era o que nos «fazia homens». E três anos de estudo não são vida militar; consubstanciam, contudo, a necessidade de uma certa imprescindível disciplina, que urge aprender. Por isso se preconiza que todos possam ter acessibilidade a esse «estágio» de vida.
            Ignorância será, porém, imaginar que só a Universidade ou o Politécnico são caminhos ou veredas para atingir a maturidade ou a experiência. Os cursos profissionais, de que cada vez mais estamos necessitados, constituem óptima senda também para os que mostrem vocação para determinada área concreta da actividade humana.
            É curioso verificar – e essa reflexão amiúde se faz, felizmente – que, no perfil das redes sociais, há quem goste de assinalar que as suas habilitações foram conseguidas na «Universidade da Vida». Congratulo-me sempre, ao ler essa frase. Não pelo que ela possa encobrir de desdém por quem teve recursos para fazer um curso, mas porque, de um modo geral, revela se algum orgulho, que é como quem diz: «Amigos, sou o que sou, porque subi na vida a pulso, pelos escassos meios que tinha ao meu dispor, e estou orgulhoso por os ter aproveitado ou os estar a aproveitar!».
            «Os estar a aproveitar»! A frase saiu-me e obrigou-me a parar. Acabo de ler o livro de David Kundtz, «Parar», que tem como subtítulo «Como parar quando temos de continuar». Parei. David Kundtz demonstra a importância que têm, no nosso dia-a-dia, as pausas conscientes. E eu pensei: essa questão das falsas licenciaturas ou da eventual dificuldade em seguir a carreira académica universitária ou politécnica proporciona mais uma pausa, mesmo para os que lograram atingir o mais elevado nível de estudos: sim, como é que eu tenho posto a render os meus talentos?
                                              José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 716, 15 de Outubro de 2017, p. 11.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O meu depoimento sobre a Biblioteca Itinerante

             Vivamente me congratulo com o facto de a Fundação D. Luís I ter voltado a fazer funcionar a Biblioteca Itinerante.
            Recordo sempre com saudade os tempos de minha juventude, os anos 50. A carrinha da biblioteca parava mensalmente junto de minha casa, sita entre Birre e Torre, expressamente para mim e eu entregava e recebia os livros que seriam a minha delícia durante esse mês.
            Dessa forma, tive oportunidade de ler quase toda a obra de Emílio Salgari, de Júlio Verne, os clássicos portugueses como Almeida Garrett, Alexandre Herculano, as grandes biografias, que me encantavam enormemente.
            Ainda hoje guardo religiosamente o cartão de leitor e confesso que não teria conseguido ganhar a cultura que hoje tenho, sobretudo do ponto de vista da literatura, se não fora a atenciosidade de todos os funcionários, designadamente do saudoso Sr. Alberto. Era extraordinária, sobretudo se tivermos em consideração que a carrinha parava expressamente para mim.
            Acrescentarei que, mal entrei na redacção do Jornal da Costa do Sol, fiz questão em, todas as semanas, publicar o horário a que a carrinha passava, aos domingos, nos vários locais, porque se tratava efectivamente de uma iniciativa ao domingo e mensalmente cada local era visitado pela biblioteca itinerante.
            Congratulo-me, pois, vivamente com o retomar desta iniciativa e faço votos para que seja possível alargá-la a mais sítios que não apenas aos que ora estão previstos.

                                                                       José d’Encarnação

Nota: Este depoimento foi inserido na página da Fundação D. Luís I, a comentar a notícia do ‘ressurgimento’ da Biblioteca Móvel, a partir de 14 de Outubro de 2017. Acessível em:
A carrinha da Biblioteca Móvel

terça-feira, 10 de outubro de 2017

O brilhante exemplo do anedotário português, visto por um alemão

             Peter Koj foi professor na Escola Alemã e viveu em Cascais durante bastante tempo. É hoje, em Hamburgo, um dos paladinos na difusão da língua portuguesa, quer ensinando-a, quer promovendo iniciativas culturais relacionadas com Portugal.
            Tem mesmo uma Associação Luso-hanseática, destinada a intensificar as relações entre Portugal e a Alemanha, designadamente a sua cidade de Hamburgo, que é, como se sabe, uma das cidades alemãs que mais portugueses tem entre os seus habitantes.
            Já publicou vários livros sobre Portugal, um dos quais, com o título «E esta?», foi apresentado recentemente e é uma colecção de anedotas.
            Dizia-se nos tempos da Segunda Grande Guerra: «Se queres ouvir uma boa anedota de guerra, vai a Portugal!». O povo português tem essa grande qualidade de saber rir de si próprio. Isso Peter Koj procurou demonstrar.
            O volume está dividido em capítulos de a a i, de acordo com a temática das anedotas: «Na escola. Ditos da pequenada», «Coisas da religião», «Coisas do amor, da vida conjugal e da família», «No reino dos animais», «Entre médicos e psiquiatras», «Coisas da política, da economia e da vida social», «Entre bêbados, condutores e outros criminosos», «No Alentejo», «Miscelânea».
            Vale a pena transcrever duas passagens do excelente prefácio que o autor redigiu sob o título «O melhor é rirmos… para não chorarmos». Escreve ele, a dado passo, que, em França, há um ditado que diz que os portugueses estão sempre bem dispostos: les Portugais toujours gais. E acrescenta:
            «Em boa companhia, os portugueses gostam de comer e beber, de cavaquear… e de contar anedotas. Assim, de repente, ouve-se alguém perguntar: «E esta?». E logo se contam, à desgarrada, as anedotas alegadamente mais recentes».
            «A anedota pressupõe, portanto», confessa o Autor, «uma certa anestesia moral. Quem levar uma anedota a sério, medindo-a pela bitola moral, corre o risco de regressar a tempos medievais, quando as anedotas serviam de exemplo nos sermões que se ouviam no púlpito. O Humanismo restituiu à anedota o seu direito como 'jogo espirituoso'».
            É um livro bilingue, em alemão na página da esquerda, tendo, na página da direita, a tradução em português; e cada um dos capítulos atrás indicados tem, naturalmente, uma ilustração, uma caricatura que também ela é uma verdadeira anedota.
            Permita-se-me que transcreva duas das 140 anedotas ali contadas.

            66. A reencarnação do burro
            Dois amigos conversam:
            - Na próxima encarnação, gostaria de voltar como burro.
            Resposta do outro:
            - Podes desistir, ninguém volta duas vezes da mesma.

            79. Uma boa pergunta
            Pergunta a médica:
            - A senhora costuma falar com o seu marido depois de ter relações sexuais?
            - Se estou bem disposta e tenho um telefone a jeito, falo sim.

            Mais uma vez se se mostra a enorme capacidade que os portugueses têm de rir de si próprios, de procurar levar a vida a sério, sim, mas bem condimentada sempre com uma excelente anedota.
            Bem-haja, pois, o Dr. Peter Koj por nos brindar com esta colectânea que serve para cimentar mais o elo entre portugueses e alemães, designadamente de Hamburgo neste âmbito cultural e linguístico. Anote-se, ainda, que um dos objectivos do Autor é que o livro «não só contribua para alegrar os leitores, mas que possa servir também para fins educativos, neste caso, para o ensino do Português. Como são escritas num Português contemporâneo e corrente, servem sobretudo para a aquisição de um melhor domínio da oralidade».
            E tem toda a razão!

                                                           José d’Encarnação

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Escrita no Baixo Alentejo – das origens aos nossos dias

             Está a decorrer no Baixo Alentejo, desde Maio de 2016, uma exposição, que tive ocasião de visitar, a 23 de Setembro, no Museu Municipal de Aljustrel, intitulada «Escrita no Baixo Alentejo das Origens aos Nossos Dias».
            Trata-se de uma iniciativa da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo, cujo comissário é Rui Cortes, sendo a investigação histórica e a produção de conteúdos da responsabilidade do Professor Amílcar Guerra. A exposição destina-se a ser vista na Rede de Museus do Baixo Alentejo, que compreende os municípios de Aljustrel, Alvito, Beja, Castro Verde, Ferreira do Alentejo, Mértola, Ourique, Serpa, Vidigueira e Museu Regional de Beja. A execução da exposição e respectiva museografia esteve a cargo da empresa Glorybox.
            São as seguintes as partes em que a exposição se divide:
           a – territórios inscritos (os primeiros contactos e o aparecimento da Escrita, com particular destaque para as estelas da chamada «escrita do Sudoeste»);
           e  – Escrita no Mundo Romano;
           i  – A escrita e a Idade Média, ou seja, os textos paleocristão e islâmicos;
           o  – Escrita Moderna: a transmissão da palavra;
           u  – o mundo contemporâneo.
            O catálogo está muito bem concebido, com excelentes fotografias.
            De todas as inscrições aqui indicadas, eu assinalaria uma, de particular interesse, pois que data do século XI. Refere-se à construção de um minarete por ordem de Al-Mutadid. É única, no seu género, em território português, e conserva-se in situ «junto a uma fonte, no interior do castelo» de Moura. «Representa», explica-se na legenda, «a legitimação da propriedade do território de Moura, muito disputado pela existência de jazidas de prata».
            Trata-se, pois, de uma mostra, singela mas eloquente, que não poderá perder-se e que documenta bem como a escrita foi algo a que o Homem se dedicou desde tempos imemoriais. Ainda hoje, quando queremos que algo permaneça, escreve-se, porque, como diz o ditado, «a palavra voa, mas a escrita permanece»: verba volant, scripta manent.
 
                                                                   José d’Encarnação

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Faltam as palavras!

            Nem sei que diga! Faltam-me, de facto, as palavras, mesmo depois de apenas ter desfolhado, parando aqui e além, o nº 61.
            A magia da capa – um achado técnico que só a equipa da Egoísta poderia conceber. Começa logo por aí. Depois, o acutilante texto do director, Mário Assis Ferreira. O bilinguismo (há dos textos a versão em inglês) – para que a maravilha alcance ainda mais horizontes.
            O texto sobre Adelino Faria, repórter, com eloquente montagem. A imagem de Cândida Pinto, a mulher que (pensamos nós) de nada tem medo, em cenários de guerra e de campos de refugiados, jornalista dos quatro costados.
            O testemunho da mulher que se inscreveu no Big Brother…

A televisão e nós
            Foi um brevíssimo e extremamente incompleto sumário do conteúdo do nº 61 (Junho de 2017) da Egoísta, revista da Sociedade Estoril-Sol. Já lá voltaremos. É que não posso deixar de desabafar um pouco, porque esta crónica, pensada e redigida antes das eleições, só vai sair com os resultados eleitorais conhecidos – e eu nem quero pensar nas reflexões que vão ser finamente feitas em relação a Oeiras (onde, neste momento, tudo leva a querer que Isaltino voltará a governar) e a Cascais.
            Disso, pois, bico calado, para não gerar anticorpos, que a gente já cá anda há muito ano, muito presidente nos passou pelas mãos (salvo seja!) e isto de relacionamento dos executivos camarários com a Comunicação Social local é sempre barril de pólvora e ai de quem se atrever a puxar fogo à mecha!
            Direi, todavia, que nos fartámos.
            Primeiro, dos repórteres que fizeram a cobertura dos incêndios, cheios de perguntas altamente inteligentes quer aos exaustos bombeiros quer às desoladas criaturas que, num ápice, tinham perdido todos os seus bens. «Foi uma desgraça, não foi?». «E agora o que pensa fazer?»…
            Depois, dos chefes políticos. Sim, aqueles que falam pelo Partido e pelo Povo, que abordam os problemas nacionais e aproveitam para apresentar soluções para tudo, menos para aquilo que o Povo daquela terra por onde estão a passar quer ver resolvido, pois se trata de eleições locais. Ao ouvi-los falar, são sempre as grandes linhas de acção, o que o Governo anterior não fez ou este não está a fazer. Nisso, o grande mestre foi, sem dúvida, Álvaro Cunhal, honra lhe seja feita. Antes de ir a uma localidade, informava-se do que era preciso ali, do que estava mal, do que necessitava urgente melhoria. Pão pão queijo queijo. Nada de especulações. E, depois, queixam-se que há abstenção, que o Povo não está para ir às urnas. Eles dizem todos a mesma coisa, que aprenderam nas cartilhas e não no contacto com o País real!... Adiante.

Uma edição a premiar!
            Por isso eu digo que esta edição da Egoísta saída em Junho (repito), antes de pré-campanhas eleitorais mas já em período de final de mandato em que importa inaugurar, começar obras, fazer o que esteve amodorrado anos nas gavetas… E ainda se criticava o Senhor Comendador Alberto João!... – é para ler tudo e meditar!
            Para já, o exemplo dos dois repórteres a que fiz referência.
            Depois, as bem oportunas reflexões de Assis Ferreira, que termina afirmando que, felizmente, em termos de televisão, temos liberdade de escolha, «cada um tem a Televisão que merece! Ainda que a opção seja desligá-la!».
            E, em terceiro lugar, a brincadeira maior: «Passámos horas a rever os grandes debates de quatro décadas de democracia. Registámos as perguntas dos moderadores, anotámos promessas, provocações, apartes, picardias e proclamações dos candidatos à direita e à esquerda do nosso ecrã. Misturámos tudo e da grande Bimby da política portuguesa saiu o debate que se segue». Frases «ditas em momentos decisivos da nossa vida colectiva». E a adivinha lançada pela revista: quem foi que disse o quê? Um mimo!
            Debate inventado, sim; mas manta de retalhos autênticos que não nos agasalha; causa, ao invés, arrepios de frio, porque mui dificilmente daí emana calor. O calor que nos confortaria e de que, mesmo tendo apenas dele uma levíssima pontinha de esperança, teimamos em impregnar os papelinhos a introduzir na ranhura.
     
                                                          José d’Encarnação                   

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 205, 04-10-2017, p. 6.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Ir e vir, vir e ir…

            O tema nada tem de novo e, bem analisadas as nossas vidas, mais ou menos curtas ou longas, certo é que sempre ouvimos dizer a amigos e a familiares que tinham família dispersa por aqui e por ali. E não apenas no território nacional, onde, manda a tradição, gente do interior demanda o litoral (e regressa, pelas festas, «à terra») ou ensaia mesmo trajectos mais diferenciados.
            Ainda no começo do mês de Setembro encontrei na recepção de um hotel no Algarve uma senhora que passou a meninice na Areia (povoação da freguesia de Cascais) e nunca mais ali voltara; e eu, algarvio, vivendo perto da Areia desde os quatro anos, andei na escola com os seus familiares, que bem conheço. Estava, claro, bem longe de pensar que a Paula, a falar com pronunciado sotaque algarvio, fosse natural de Cascais!...
            Os nossos jovens, mormente depois da excelente experiência que foi – e é! – o Programa ERASMUS, de mobilidade de estudantes e de docentes, partem agora sem problemas para o estrangeiro e o desenraizamento já não é tão grande como outrora, graças à facilidade de comunicações, no sentido concreto de transportes e no abstracto, de ligação telefónica ou virtual.
            Constituiu, no entanto, para mim, uma boa surpresa a existência, desde 2013, da Orquestra XXI, formada exclusivamente por executantes portugueses que estudam no estrangeiro. Assisti, com gosto, no passado dia 3 de Setembro, ao concerto no Casino Estoril, sob a direcção musical do maestro Dinis Sousa, com Artur Pizarro ao piano, o último concerto da 9ª digressão, que começara em Oliveira do Bairro e passara pela Casa da Música do Porto e pela Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Vale a pena dar conta das cidades onde estão esses 53 estudantes: Paris, Zurique (5), Colónia, Monte Carlo, Madrid (2), Munique (2), Berlim (7), Trosingen, Genebra (2), Leipzig (4), Amesterdão (2), Londres (8), Lubeque, Bruxelas, Glasgow, Detmold (3), Roterdão (3) Antuérpia (3), Hannover, Utreque, Haia, Düsseldorf, Mannheim.
            Regozijei, porque também musicalmente senti assim a Europa mais pequena, mais unida. Fagotes, flautas, trompas, trompetes, violinos, violoncelos, contrabaixos… substituíram aqui, eloquente e pacificamente, mísseis, bazucas, metralhadoras, canhões… Um som muito mais auspicioso!
                                                                          José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 716, 29-09-2017, p. 11.

Os jovens que estudam música no estrangeiro e formaram, este ano, a Orquestra XXI

Jorge Veiga, a alma do ERASMUS

             Não constituirá o mínimo exagero afirmar que foi a excepcional clarividência do Doutor Jorge Veiga, que, na sua qualidade de Vice-Reitor para as Relações Internacionais, fez com que a Universidade de Coimbra se guindasse a um lugar cimeiro no âmbito das universidades que aderiram ao Programa ERASMUS.
            Jorge Veiga teve a percepção clara do que isso iria representar para a formação de cada um dos estudantes contemplados, para a elevação e, até, credenciação internacional dos nossos docentes, daí redundando enorme prestígio para a Universidade.
Poitiers, 18-10-2001: Doutores Francisco de Oliveira, J. d'E.,
Jorge Veiga e Jorge de Alarcão
            Cedo se criou, pois, o Gabinete de Relações Internacionais (hoje, SRI), com uma dinâmica equipa liderada pela Dra. Filomena Marques de Carvalho, ela própria uma entusiasta que rapidamente soube estabelecer parcerias. A fundação do Grupo de Coimbra (1985) é o resultado palpável desse empenho. E jamais esquecerei que Jorge Veiga fez questão em estar presente no meu doutoramento honoris causa na Universidade de Poitiers, justamente a primeira com a qual a Faculdade de Letras estabelecera convénios. É que esse doutoramento simbolizava – acima de tudo! – o enorme apreço de Poitiers por tudo o que Coimbra estava a desenvolver.

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Rua Larga (revista da Reitoria da Universidade de Coimbra, nº 49, Julho 2017 [comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS], p. 18 (com versão inglesa).

Erasmus na UC: desenvolvimento e consolidação

            Perguntou-me o Doutor Ludwig Scheidl, ao tempo Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, se não me importaria de coordenar o Programa ERASMUS recém-criado, na parte que dizia respeito à História. Aceitei de muito bom grado o encargo e de imediato logrei enviar para Poitiers duas estudantes, justamente por ser a Universidade que imediatamente nos propusera como parceiros nesse projecto. Corria o ano lectivo de 1988-1989. E, desde Novembro de 1995 a 1999-2000, acumulei essas funções com as de delegado do Conselho Directivo para a supervisão dos programas ERASMUS / SOCRATES.
Capa da revista. Lê-se na tatuagem:
«llevo el mundo en mí alma»
            Hoje, aposentado há quase 10 anos, continuo a receber mensagens de estudantes que eu incitei a irem passar um ano ou um semestre nas universidades com que rapidamente encetei relações. Desde muito cedo também, quando as disponibilidades financeiras eram maiores, associei a um dos programas a Doutora Maria Manuela Tavares e, em boa hora o fiz, porque se há hoje um Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes é porque os Estudos Europeus, por seu intermédio, ganharam renome e grande pujança entre nós e a nível internacional.
            Não se concebe, em 2017, o que foram esses primeiros 20 anos ERASMUS, porque se tratava de algo verdadeiramente inovador, desprovido de skypes, WhatsApp e mesmo de mui reduzida utilização da Internet e do telemóvel. Valia-nos o facto de os docentes das universidades parceiras serem conhecidos e amigos. Quanta vez não telefonei aos pais dos estudantes a garantir-lhes que os filhos estavam bem! E a facilidade que nos era proporcionada de fazermos reuniões ora numa ora noutra universidade permitia-nos trocar opiniões e ajuizar do que seria melhor para o futuro. O relacionamento pessoal desempenhou papel do maior alcance, bem secundado pelas estruturas universitárias, cujos responsáveis também acabávamos por conhecer e tudo se tornava, por isso, muito mais facilitado.
            À fase inicial em que aos responsáveis era entregue também a gestão do financiamento, o que permitia maior maleabilidade de movimentos, viria a suceder, pela ordem natural das coisas, uma fase centralizadora, burocratizada a nível institucional e de menor capacidade financeira. O programa ressentiu-se, por isso, inclusive no que se poderia chamar de «democratização», pois o que, a princípio, era acessível, teoricamente, a todos os estudantes, desde que fosse bom o aproveitamento, passou a ter uma ‘discriminação’ económica, porque – apesar de cada Universidade procurar criar estruturas de acolhimento a nível de estada – o nível financeiro das famílias tinha de ser acima da média, para poder suportar as despesas.
            Em todo o caso, uma experiência ímpar que marcou definitivamente a vida dos nossos estudantes, alguns dos quais acabaram por fixar-se e constituir família nos países para onde foram. E o mesmo aconteceu com quem veio para Portugal.

                                               José d’Encarnação
 
Publicado em Rua Larga (revista da Reitoria da Universidade de Coimbra, nº 49, Julho 2017 [comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS], p. 16 (versão inglesa na p. 17).