sexta-feira, 31 de maio de 2013

«Na Sua Mão Direita» – uma oração

            Impressionou-me mui favoravelmente – quando, ainda moço, estudei pela primeira vez a antiga civilização egípcia – a informação de que, ao pressentirem aproximar-se o fim do seu percurso terreno, os egípcios procuravam retirar-se para mosteiros e aí apreendiam as regras exaradas n’O Livro dos Mortos, espécie de manual de passagem.
            No credo católico, súmula de dogmas professados, diz-se, a dado momento, que, após a Sua breve vida na Terra, Jesus «subiu aos Céus, onde está sentado à direita de Deus Pai». Inspirou esta expressão o pendor filosófico de Antero de Quental: «Na mão de Deus, na Sua mão direita / Descansou afinal meu coração». E foi esse o mote escolhido por António Salvado para o seu mais recente livro de poemas: Na Sua Mão Direita (Edições Sirgo, Castelo Branco, 2013; ISBN: 978-989-07695-8-8).
            30 títulos: 28 poemas propriamente ditos, assumindo alguns a forma de soneto mas sem obediência a rima; uma longa oração de prosa poética – «Fere-me os olhos a Tua Luz» (p. 37-38) – e o «Secreto Lugar», em jeito de coroa de cinco sonetos.
            Ressonâncias bíblicas: um «salmo com gratidão» (p. 36); a evocação dos apóstolos Paulo, Pedro e Judas numa procura de perdão; a «água niveal de Siloé», símbolo da purificação por que se anseia; a via sacra da vida, «noite amarga» em busca de «um som de claridade» que anime e revigore…
            Por todas as páginas, porém, dominante, o diálogo com o Senhor: numa prece «sem melodia, mas de amor ornada»; na consciência do «débil pó» que nos conforma, no desejo místico de, esquecido o tempo e ultrapassado o espaço, a serenidade enfim chegar.
            Livro, pois, inesperado: mensagem impregnada de uma tranquilidade que é hora de procurar.

Publicado em Cyberjornal, 31-05-2013:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18388&Itemid=30

P. S.: “«Na Sua Mão Direita» – uma oração de António Salvado”, Gazeta do Interior (ano XXIV, nº 1286, Castelo Branco), 07-08-2013, p. 10.

Discutiu-se a crise da Lusitânia romana

            Permita-se-me que volte, de certo modo, ao assunto, pois se me afigura de interesse para os mangualdenses (e não só…) aperceberem-se da real importância da mesa-redonda internacional que, a 10 e 11 de Maio, aqui se realizou.
            Na sequência de idênticas reuniões que – em França, Espanha e Portugal – têm ocorrido desde 1988, sempre com um tema determinado, esta VIII mesa-redonda não poderia vir mais a propósito, na actual conjuntura. Os investigadores presentes procuraram discernir causas e consequências do «final» da Lusitânia romana, ou seja, como é que, perante os novos desafios postos pelo contacto com outros povos e outras ideologias (designadamente a cristã), os Lusitanos souberam adaptar-se e adoptar as soluções adequadas.
            Poder-se-á sempre questionar a verdade da secular afirmação «História, mestra da vida». Certo é, porém, termos, no dia-a-dia, sobejas provas de que o desconhecimento da História não constitui bom presságio, mormente para os detentores de funções públicas.
            De sublinhar e de muito aplaudir, por conseguinte, o pronto apoio da Câmara Municipal e das entidades locais a uma iniciativa científica proposta por um centro de investigação universitário (o Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto), em colaboração com uma associação de defesa do património local, a Associação Cultural Azurara da Beira.
            Desta sorte, para além dos muitos outros factores que lhe têm permitido evidenciar-se pela positiva no panorama nacional, Mangualde colocou-se agora, de pleno direito, no mapa das cidades onde a investigação histórica detém lugar de relevo. Aliás, tivemos ocasião de ver como se pretende concretizar a valorização dos vestígios arqueológicos da Quinta da Raposeira; e amiúde se dá a conhecer, quer nas redes sociais quer na imprensa, o património histórico-cultural do concelho.
            A cidade encontra-se exemplarmente no bom caminho e… recomenda-se!

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 617, 01-06-2013, p. 12.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ana Moura encantou no Museu do Oriente!

             Na sessão comemorativa dos 25 anos da Fundação Oriente, a fadista Ana Moura apresentou o seu mais recente álbum «Desfado» e encantou os convidados que encheram por completo o auditório do Museu do Oriente, em Alcântara, na noite de terça-feira, 21.
            O Dr. Carlos Monjardino, presidente do Conselho de Administração da Fundação, saudou os presentes e deu conta, em breve alocução, do que foram os 25 anos da instituição (constituída a 18 de Março de 1988), objectivos propostos e atingidos, nomeadamente no que concerne a mais estreita ligação entre Portugal-metrópole e os que foram seus territórios no Oriente – Macau (de modo especial), Timor e Goa. A promoção da língua e da cultura portuguesas através das mais diversas iniciativas constituiu preocupação fundamental, em estrita colaboração com as entidades locais, sendo de realçar o importante papel do Instituto Português do Oriente, em Macau, e o apoio às comunidades macaenses. Inseriu-se também nessa política a criação, em 2008, deste Museu do Oriente, como «ponte entre culturas remotas», a fim de melhor se «contribuir para o encontro entre Ocidente e Oriente e para uma relação entre civilizações em que o conhecimento, a arte e também as relações económicas substituam a ignorância, o fanatismo e a guerra».
            O concerto de Ana Moura foi inolvidável. Não apenas pelos temas cantados mas também – e quiçá, sobretudo – pelo modo como a fadista e os seus músicos se apresentam, numa contagiante empatia, porque não é apenas a voz, a melodia, o virtuosismo com que dominam a seu bel-prazer os instrumentos: é a irradiação para o público de uma alegria, de um prazer partilhado, «gostamos do que estamos a fazer e não resistimos a sorrir, a menear-nos no doce enleio para que a melodia nos arrasta»…
            Esguia, nos seus longos cabelos negros, vestido negro também, até aos pés mas envolto na finura transparente de organza (diríamos!), a estilização minimalista de um xaile, sorriso pleno e permanente, a vénia singela e breve na retribuição dos quentes aplausos… – Ana Moura encantou!
            Deixou-nos, a dado passo, com os seus músicos. E foi um festival! Ensaiada e bem original rapsódia – não foi exactamente rapsódia, mas de onde em onde colhíamos trechos de fados nossos… – onde o espírito do jaze esteve bem presente, para cada um dos músicos brilhar a solo, num virtuosismo singular: Ângelo Freire, na guitarra portuguesa (magnífico!); Pedro Soares, na viola de fado; André Moreira, na viola baixo; João Gomes, nos teclados; e Márcio Costa, na bateria e percussões. Não regateámos merecidos aplausos, mesmo a meio do longo e saborosamente orquestrado trecho com que nos brindaram!
            Além do conteúdo do álbum «Desfado», tivemos ‘direito’ a vibrar com o seu já consagrado «Búzios» («Vê como os búzios caíram virados p'ra norte / Pois eu vou mexer o destino, vou mudar-te a sorte»)… E, no final, os longos aplausos apenas conseguiram mais um fado – que nos apetecia ficar ali a noite toda. Mas não podia ser – uma requintada ceia esperava os convidados numa sala ao pé.

            Publicado em Cyberjornal, edição de 22-05-2013:

quinta-feira, 23 de maio de 2013

E a mala de mão da sua senhora quanto pesa?

            – E o senhor quanto pesa?... E o seu amigo?... E a sua senhora?... E a mala de mão da sua senhora quanto pesa?...
            Olhámos uns para os outros, desconfiados, e o comandante Estácio dos Reis não hesitou:
            – Desculpe: porque é que precisa de saber?
            – Questões logísticas.
            Compreendemos depois, perfeitamente, ao abeirar-nos, nessa já bem longínqua manhã de 15 de Maio de 1989, na pista do aeroporto de Miami, do pequenino avião que nos levaria a Great Ábaco, nas Baamas: éramos os seis os únicos passageiros, mais o piloto, e cada uma das bagagens foi estrategicamente colocada nos espaços disponíveis do aparelho, para que o peso ficasse bem equilibrado e o voo decorresse sem problemas.
            Lembrei-me de imediato dessa cena, quando vi o vídeo a mostrar como, no passado dia 30 de Abril, um Boeing B747-400 cargo da companhia aérea norte-americana National Airlines se despenhara, no momento em que levantava voo da base aérea de Bagram, no Afeganistão. O aparelho, que transportava veículos automóveis e outras cargas, «rodou no ar e despenhou-se junto a uma estrada que circunda a base aérea» e, embora a notícia inicial fale de «razões ainda não averiguadas», é mais do que evidente de que se tratou de um erro crasso do pessoal de terra, que não soube acondicionar convenientemente a carga.
            É por isso que, na linguagem popular, se fala de «albarda-se o burro à vontade do dono», quando o homem que percebe de albardas quer fazer de uma maneira e o dono insista em que se faça doutra – e, nesse caso, é do dono a responsabilidade se a albarda der de si e caírem por terra os alforges e a pessoa que lá for escarranchada.
            Vêm estas histórias a propósito do grande receio que diariamente me invade ao assistir à crescente falta de profissionalismo, derivada, na sua maior parte, porque os governos da Europa, obedientes cegos ao paradigma reinante, insistem em «mandar para a reforma», a todo o custo, o maior número de pessoas. E quem vai? Com frequência, os mais capazes, e, dado tudo ser feito a trouxe-mouxe, de um momento para o outro (é tudo para ontem!...), não houve tempo sequer de ‘passar o testemunho’. E, por outro lado, há muito quem queira de imediato ‘assentar praça em general’ e nem lhe passa pela cabeça auscultar quem detém «saber de experiência feito».
            Quando o revisor passou, eu disse-lhe:
            – Deste lado da carruagem não há corrente e aquela porta lá ao fundo não abre.
            Já sabia, já anotara; deu-me quase a entender que a situação estava assim há já alguns dias e, como o comboio chegava e partia de imediato, não havia equipa para resolver a anomalia.
            Esta não foi uma situação de há anos atrás; passou-se no dia 19 de Abril num alfa Faro – Porto.
            Já não há equipas, já não há quem pense, já não há quem pese as questões. Visão pessimista? Quiçá. E aceito que me provem o contrário. Perguntarei:
            – Pensaram os técnicos que elaboraram o caderno de encargos das obras que estão a fazer-se na estrada Cobre – Murches, nas estradas que servem Bicesse ou na entrada sul de Alcabideche, no prazo máximo a que deveriam obrigar os empreiteiros a executar os trabalhos? Pensaram os senhores vereadores (se é que o assunto foi a sessão de Câmara, explicado) no enorme transtorno (de tempo e de dinheiro) que dá aos munícipes que os elegeram (e a eles próprios…) terem de andar às voltinhas, semanas a fio, e a verem que, nessas obras, há pouca gente a trabalhar e com tranquilidade plena? Pensou-se, ao elaborar o caderno de encargos, nas alternativas menos penosas? Estipulou-se, por exemplo, uma multa para o empreiteiro que deixasse eternizar a placa «desvio» quando já não é preciso fazer desvio nenhum? Fiscaliza-se devidamente o modo como a empreitada está a ser executada? Quem há aí que assuma os gastos adicionais de combustível – que não são de pouca monta… – que os moradores de Bicesse, por exemplo, têm suportado nos últimos meses? Eu escrevi «meses», sim, porque, infelizmente, é de meses que se trata.
            Prepara-se a campanha eleitoral. Este era um dos assuntos que eu gostaria de ver bem escalpelizado, porque o sentimos na pele todos os dias. Todos os dias. E nem sequer já há aquela placa simpática que de pouco servia, é certo, mas nos dava a sensação de que se pensava em nós, nas pessoas:
            «Desculpe o incómodo. Procuraremos ser breves!».
            Não são.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 338, 22.05.2013, p. 6.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Teatro, escola de vida, fonte de diversão!

            Tive ocasião de assistir recentemente a duas representações teatrais: uma, levada à cena pelo Teatro Experimental de Cascais, chamava-se Viagem à roda da Parvónia e, embora escrita em finais do século XIX e estreada a 17 de Janeiro de 1879, retrata fielmente o cenário político desta Europa destrambelhada em que (sobre)vivemos na 2ª década do séc. XXI; a outra, uma revista ligeira, encenada no seio de um Centro de Dia de uma Junta de Freguesia, cujos actores foram, portanto, como se imagina, os anciãos que lá passam os seus dias.
            E se a primeira me provocou fartas gargalhadas (no fundo, de riso bem amarelo…), a segunda estava entretecida de cenas cómicas do nosso quotidiano e, para mim, o mais importante foi sentir quanto fora cativante para esses actores terem conseguido pisar o palco (alguns fizeram-no agora pela primeira vez!), enfrentar o público e, de modo especial, terem ocupado o seu tempo nos ensaios e, por conseguinte, muito terem aprendido numa vida em comunidade.
            Veio, pois, a talhe de foice ter ido procurar tema para este apontamento e se me apresentar esta notícia, datada de Fevereiro de 2012:
            «A récita “Bordeira é isto!” marca encontro com a boa disposição no Cine-Teatro São Brás, no próximo sábado, dia 11, pelas 21h30, para mais um grandioso espectáculo de teatro de revista, interpretado pelo grupo de teatro amador da Sociedade Recreativa Bordeirense.»
            E acrescenta a nota então divulgada pelo Gabinete de Imagem, Documentação e Informação da autarquia:
            «Formada há mais de 7 décadas, a Sociedade Recreativa Bordeirense é uma associação cultural sem fins lucrativos, que se dedica à participação e realização de eventos culturais. O teatro amador foi uma das artes acarinhadas desde o início da formação do grupo, mantendo-se viva até hoje por membros de todas as idades».
            Porque repesco este assunto agora? Pelo seu amplo significado: primeiro, porque é S. Brás a dar a mão a Bordeira, que não é do concelho, mas é como se fosse; depois, porque as representações teatrais, com todo o seu cortejo de preparação, de redacção dos textos, de escolha do guarda-roupa, de crítica social, de divertimento, enfim, constituem excelente meio de criar comunidade.
            Apoiar as colectividades e as entidades que decidem fazer teatro representa, pois, um relevante serviço por parte das autarquias. E há que aplaudir!

[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 198, 20 de Maio de 2013, p. 21].

sábado, 18 de maio de 2013

O cavalo e o touro em congresso histórico!

            Está a decorrer na Golegã, desde ontem, dia 15, no moderno centro Equuspolis, e prosseguirá no Cineteatro da Chamusca, nos dias 18 e 19 (porque o dia de amanhã, 17, está reservado a visitas), um congresso internacional, que reúne cerca de 100 participantes, não apenas de Portugal, mas também de Espanha, Itália, Grécia, Líbia, México e EUA, com 56 (!) comunicações previstas em torno da temática: o cavalo e o touro na Pré-história e na História.
            Reveste-se de particular interesse esta iniciativa - patrocinada, naturalmente, por ambos os municípios, em que tanto o cavalo como o touro fazem parte da actividade económica, social e comunitária quotidiana - precisamente porque se procurou juntar numa mesma reunião científica, toda uma panóplia de assuntos, vistos dos ângulos mais diversificados, o que enriquece sobremaneira as perspectivas de análise.
            O Doutor Fernando Coimbra, grande dinamizador do congresso, especializou-se na investigação em arte rupestre e não admira, por isso, que logo a 1ª sessão haja sido dedicada às representações desses dois animais desde os tempos paleolíticos em sítios de Espanha, Grécia, Marrocos, Líbia…
Entrando-se na História propriamente dita, nas civilizações pré-clássicas e clássicas, falou-se do cavalo no Egipto faraónico (como símbolo de poder, por exemplo), das quadrigas de Roma, do cavalo como animal sagrado, para, no que à Idade Média e à Idade Moderna diz respeito, se dizer de «los primeiros caballos llevados a América por españoles y portugueses» e do papel deste animal na cultura islâmica e também na Revolução Industrial.
            A domesticação, tema perene, foi analisada; e igualmente se proporcionou encarar o cavalo do ponto de vista museológico, ou seja, que exposições há e podem vir a fazer-se: no Museu Nacional de Arqueologia, no Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes, na Casa dos Patudos ( Alpiarça)…
E, claro, como se compreende, «a criação de cavalos e a sua utilização artística e desportiva» não podia deixar de estar presente, encarando-se, inclusive, «a criação do cavalo Lusitano numa perspectiva biológica».
Os aspectos paleontológicos não foram esquecidos assim como a «utilização militar do cavalo ao longo dos tempos».
            Para o Cine-teatro da Chamusca (dias 18 e 19), o touro vai ser o «rei», prevendo-se, a seu respeito, uma abordagem temática idêntica à que se fez sobre o cavalo, ainda que, no final, ambos os animais se analisem: em lendas, nos bestiários, nos fabulários (o centauro!), nos contos e, inclusive, «en el imaginario mágico-religioso de los Mayas»!
            Inaugurar-se-á a exposição de pintura «30 000 anos de História do Cavalo». E, no âmbito das visitas programadas para amanhã, 17, os destinos são, em alternativa: a Ganadaria Assunção Coimbra e a Coudelaria Veiga (Chamusca e Golegã); Abrantes (Museu D. Lopo de Almeida e castelo, Museu de Arte Pré-Histórica de Mação); Vila Velha de Ródão (Centro de Interpretação de Arte Rupestre do Tejo, castelo e miradouro do rei Wamba, passeio de barco às Portas do Ródão, lagar de varas, conferência sobre o Paleolítico do Ródão pelo Dr. Luís Raposo).
Acrescente-se que estará presente a tauromaquia, no domingo: a sua história, «Cartazes tauromáquicos das décadas de 1960-70: intervenções de conservação e restauro numa colecção particular», as festas de toiros em Portugal e em Espanha, de ancestral valor (queira-se ou não). Por fim, cavalos e toiros nas artes plásticas: pintura, escultura, azulejaria…
            Por conseguinte, em terras ribatejanas, uma plêiade de investigadores está a demonstrar como o cavalo e o touro, afinal, além das ‘funções’ utilitárias e de diversão que se conhecem, podem constituir deveras interessante fonte de reflexão e de bem aprofundado estudo.

Publicado em Cyberjornal, 16-05-2013:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18311&Itemid=30

Romanos e bárbaros discutiram-se em Mangualde!

           Realizou-se, nos dias 10 e 11 do corrente mês de Maio, no auditório da Câmara Municipal de Mangualde, a 8ª edição da série de reuniões científicas internacionais que, iniciada em Bordéus, no mês de Dezembro do, já longínquo, 1988, se destinam a abordar um tema específico da história da Lusitânia Romana.
O assunto ora em debate foi a procura de uma resposta para ‘o fim’ da Lusitânia, ou seja, como é que, surgindo as crises, os Lusitanos delas se conseguiram desenvencilhar e daí brotaram novos modos e novas perspectivas de vida. Uma temática, pois, sobremaneira actual e que ainda não fora abordada, dado que, nas edições anteriores, se tratara das cidades (Bordéus, 1988), dos campos (Salamanca, 1993), da economia (Madrid, 1993), da cultura e da sociedade (Mérida, 2000), das comunicações (Cáceres, 2002). A 6ª edição, realizada em Cascais ( Novembro de 2004), teve por título «A Lusitânia entre o mito e a realidade» e tratou, por isso, da problemática religiosa. Por seu turno, em Toulouse (Novembro de 2007), a preferência foi para o estudo de como a Lusitânia, afinal, nascera e como haviam sido os seus primeiros tempos.

Esta mesa-redonda teve como promotor e secretário-geral o Doutor João Vaz, membro do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto, entidade de que, juntamente com a Associação Cultural Azurara da Beira, partiu a iniciativa da organização em Mangualde, bem no coração da Lusitânia ocidental, uma cidade cujo dinamismo (foi pronto o apoio das entidades locais, públicas e privadas) e fácil acessibilidade a fazem ombrear, cada vez mais, com Viseu. Registe-se, de modo particular, a fácil parceria estabelecida com o Município local, que chamou a si toda a logística; aliás, o Presidente da autarquia, João Gonçalves Azevedo, presidiu à sessão inaugural e o vereador da Cultura, João de Albuquerque Lopes, acompanhou com interesse praticamente todo o desenrolar dos trabalhos.

O programa desenvolvido
            Ultrapassou as seis dezenas o número de participantes e foram 21 as comunicações apresentadas.
            José Luis Ramírez Sádaba (Universidade da Cantábria) referiu os testemunhos epigráficos que, em Mérida, assinalam essa transição entre romanos e bárbaros. José d’Encarnação (U. de Coimbra) anotou a continuidade e a inovação registadas nos epitáfios cristãos dos primeiros tempos em relação aos epitáfios romanos («pagãos», dir-se-ia…). José Cardim Ribeiro (Museu de Odrinhas, Sintra), relacionou a divindade indígena Endovellicus com o culto que, no mesmo local (Terena, Alandroal), viria a instalar-se, dedicado a S. Miguel. Manuel Salinas de Frias (U. de Salamanca) chamou a atenção para a importância de um marco cadastral salmantino do tempo de Constantino II em relação com a organização político-administrativa da Lusitânia do século IV.
Na tarde do primeiro dia, assinalou Amílcar Guerra (U. de Lisboa) as perdurações onomásticas no Ocidente peninsular na transição do tempo romano para a Idade Média. João Vaz começaria por focar, de seguida, aspectos específicos da arquitectura do interior norte da Lusitânia na transição para os tempos cristãos. Pedro Barbosa (U. de Lisboa) mostrou como foram considerados os Judeus na legislação visigoda. Maurício Pastor Muñoz (U. de Granada) deu conta de como haviam terminado os jogos de gladiadores e as partidas de caça (venationes) nos últimos tempos da Lusitânia, por motivos religiosos e, sobretudo, económicos. Javier Andreu Pintado (UNED – Universidade Nacional de Ensino à Distância) teceu considerações acerca do significado das representações escultóricas dos imperadores tardo-imperiais. Sabine Lefebvre (U. da Sorbonne, Paris) resumiu as questões que se prendem com a recepção do poder imperial, aqui, desde o imperador Diocleciano a finais do séc. IV. Jonathan Edmondson (U. de Toronto, Canadá) salientou como se organizara a administração lusitana após as reformas de Diocleciano. Trinidad Nogales, que exerce actualmente as funções de Directora-geral do Património do Governo da Extremadura, deu conta das actividades em curso, de há uns anos a esta parte, no Centro de Estudos da Lusitânia, criado no Museu Nacional de Arte Romano de Mérida.
Antes do jantar social, gentilmente oferecido pelo Município, os participantes puderam inteirar-se in loco dos resultados das investigações arqueológicas levadas a efeito no sítio romano conhecido por Citânia da Raposeira, onde se identificaram significativas estruturas, designadamente habitações, condutas e um edifício termal, cuja consolidação e consequente musealização se pretende agora levar a cabo, por iniciativa camarária.
No 2º dia, Mélanie Wolfram (U. de Évora) sintetizou as conclusões a que chegara sobre a cristianização da Lusitânia meridional, no âmbito da tese de doutoramento que recentemente defendera. André Carneiro (U. de Évora) manteve-nos no Alto Alentejo, para mostrar a mudança e a continuidade aí registadas no âmbito do povoamento rural durante a Antiguidade Tardia. E pelo Sul permanecemos, pois que Maria Conceição Lopes traçou a evolução da cidade romana de Pax Iulia até ser Beja. Inês Vaz Pinto, a arqueóloga ora responsável pelo sítio romano de Tróia, patenteou-nos o que dele se sabia em relação a esse período cronológico. E se Maria João Santos, bolseira de doutoramento do Instituto Alemão, apontou o sítio de Mogueira (Resende) como «um espaço sagrado na encruzilhada entre dois mundos», Guilherme Cardoso (arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa e presidente da Associação Cultural de Cascais) assinalou o elevado interesse histórico de duas necrópoles medievais (ditas ‘visigóticas’) do concelho de Cascais: a de Miroiço de Manique e a de Alcoitão.
A última sessão teve três intervenientes: Adriaan de Man (U. Nova de Lisboa), em seu nome e no de Catarina Tente, referiu-se à «fragmentação e emergência de poderes no território de Viseu», no final da Lusitânia. Também Pedro Carvalho (U. de Coimbra, que, na circunstância, também representou a direcção da Faculdade de Letras) abordou o registo dessa fase terminal «nas paisagens rurais do interior norte da Lusitânia». Por fim, Carlos Fabião (U. Lisboa) dissecou a continuidade e as rupturas documentadas nos séculos V e VI no Ocidente peninsular.
Pode, pois, concluir-se que, numa época em que – amiúde para se aumentar o obrigatório currículo institucional – se multiplicam reuniões científicas, esta VIII Mesa-redonda internacional da Lusitânia cumpriu cabalmente o seu papel de manter uma tradição de sistemática pesquisa histórico-arqueológica acerca de um território romano que, até há umas três décadas atrás, pouco interesse despertara entre a comunidade científica internacional. E Mangualde soube, assim, honrar uma tradição em que se irmanam, de modo especial, investigadores de três países: Portugal, Espanha e França.
 
Publicado em Cyberjornal, 15-05-2013:

Adormecer ou… ligar o turbo!

           Era por um desses belos dias de Verão. Almoçara-se no restaurante do antigo seminário e subira-se calmamente, a saborear o bem cheiroso fresco das tílias, com destino à Sala dos Frescos do vetusto e altaneiro palácio episcopal, não sem, antes, se espraiar a vista até ao Adriático lá no horizonte e à República de San Marino vagamente visível também.
            Iniciou a sessão uma senhora. Lia pausadamente, monocórdica. Cinco minutos depois, metade dos assistentes começou a cochilar, mau grado o evidente interesse do tema, resultado de longas horas de investigação. As palavras da senhora soavam a canção de embalar, a ritmo compassado.
            A dado momento, porém, fez pausa maior. Um dos congressistas deu conta, acordou e desatou a bater palmas. Contagiou. Foi o aplauso geral!
            Mas…
            … a senhora não acabara, de facto. Ao aplauso sucederam, pois, mal contidas gargalhadas. A senhora, porém, retomou o discurso onde fizera a pausa maior e continuou na mesma lengalenga durante mais seis longuíssimos e penosos minutos, como se nada tivesse acontecido.
            Mais anos eu viva, não esquecerei o episódio, que me serve para explicar aos estudantes que, numa reunião científica, há duas regras fundamentais: o religioso respeito pelo tempo que nos é destinado e… falar para que nos oiçam e entendam. Não adianta «ligar o turbo», teimar em meter o Rossio na Rua da Betesga! Assentar nas ideias fundamentais e inovadoras a apresentar, claramente, sucintamente, pausadamente, prendendo a atenção!
Por isso tive pena, outro dia, quando o senhor – certamente uma sumidade na matéria – foi repetindo várias vezes, durante os 45 minutos em que falou, que «tinha muito mais coisas para dizer, mas o tempo não chegava, o tempo não chegava» – e a organização pedira-lhe que preparasse uma intervenção para… quinze minutos!
 
Publicado no jornal Renascimento [Mangualde], nº 616, 15-05-2013, p. 12.

Mui estranhas distracções

            Estão os responsáveis por Cascais mui apostados em colocar a vila nas bocas da Europa, mediante a organização de eventos cuidadosamente badalados pela estranja.
            Enchem o olho as «Conferência do Estoril», aonde acorreram – gratuitamente, claro! – nomes sonantes da intelectualidade mundial.
            Fomos solícitos a fazer filmes sobre a excelência do nosso País, muito acima das vulgares nações europeias.
            Invadiram-nos as motos e foi um espectáculo!...
            À força, porém, de querermos ser ‘europeus’ – carago! Sempre o fomos, não? – corre-se o risco de esquecer aqueles pormenores distintivos, identitários.
            Em Manique, travava-se – ao que parece – luta titânica para que o muro de sustentação das terras na estrada sul fosse de alvenaria, para condizer com o típico do local. Essa batalha ganhou-se, a custo; perdeu-se, ao que parece, a guerra de haver acompanhamento arqueológico numa zona tão sensível como é o rossio dessa aldeia, cujo solo é, seguramente, escrínio a não esperdiçar. Esperdiçou-se.
            Diante da vetusta capelinha de Murches, que é monumento, levantou-se um muro de betão. Ergueram-se vozes, incrédulas perante a insensibilidade de quem apresentou o projecto assim, a trouxe-mouxe, sem o mínimo respeito pelo «Génio do local». Vai remediar-se, dizem-me; mas o mal foi feito, o dinheiro gastou-se, a incompetência imperou. Talvez incompetência não o seja, afinal; eu chamar-lhe-ia, antes, ignorância, falta de sensibilidade histórica e ambiental, ordens dadas ao jeito do senhor ministro que é de altíssima craveira intelectual, tão alta, tão alta que não consegue enxergar a realidade em que (não) vive.
            Soube, há pouco, que também passara pela cabeça de alguém iluminado que Fernando Pessoa era um produto turístico de monta, a trazer para Cascais, que o pagode tira fotografias ao lado dele, no Chiado, por obra e graça da inteligência do Professor Lagoa Henriques, e se tira lá, também tira aqui, ora tem que ser! Vamos a isso! Então o homem não concorreu a bibliotecário aqui? Foi preterido, é certo, a favor (dizem!) de um cascalense, pintor, com provas dadas no domínio da biblioteconomia e da Arte, pois não se tratava apenas de uma biblioteca que estava a concurso mas de um Museu-Biblioteca! Deixá-lo! Podiam ter escolhido o Poeta, não podiam?... Isso foi obra de cunha, de certeza, oh! se foi!...
            Pois traga-se Pessoa para Cascais. Instale-se no museu para que não foi nomeado. E para isso – pasme-se!... – desmonta-se a única exposição arqueológica que Cascais tem! Velharias, cacos partidos, uns ossinhos (um deles até mantém anel d’ouro na falange, mas não interessa!…), tudo lá dos tempos pré-históricos, sem dinossáurios nem nada! Abata-se a exposição, prante-se nela o gabinete do injustiçado Pessoa, pois então!
            Aquelas peças pré-históricas vêm em todos os livros da especialidade, são únicas e até já se fizeram sobre elas mui lustrosas publicações? Deixá-lo! F. Pessoa é que é bom! Toda a gente o leu de fio a pavio, com todos os heterónimos – e é preciso que se proclame alto e bom som que o senhor concorreu a bibliotecário em Cascais, assim bem perto do Atlântico, para estar bem sossegado e poder escrever mais e mais, e que foi preterido por uns miseráveis de então, a favor de um tal de Carlos Bonvalot, de renome internacional (parece…), e que até fez, enquanto conservador, trabalho digno, exemplar… Contudo, isso não é produto turisticamente vendável, pois não?
            O que ora mais me espanta é o império da Ignorância. Do fazer por fazer, sem estudar, sem pensar, sem a preocupação de ouvir pareceres abalizados. Dizem-me que isso tem um nome e que é o que se está já a dar aos governantes europeus: são… autistas! Acho que é um nome bonito. Rima com artistas, com especialistas, com turistas… Vem mesmo a calhar!

            Publicado em Jornal de Cascais, 08.05.2013, p. 6.

Enxúndia, pachos & rezas

             Sei que nesse domínio há muito quem saiba muito. Lengalengas, rezas miudinhas a imprevisíveis santinhos, que nem constam decerto no rol consagrado pela Igreja. E há que tentar passar a escrito, com urgência, o que as velhotas ainda lembram, não vá o Diabo tecê-las e a memória escapulir-se.
            Dessas rezas não sei. Contudo, tive papeira, como toda a gente, quando era catraio. Minha avó matou a galinha melhor lá da capoeira (melhor para o efeito, já se vê) e tenho a vaga ideia de que, dias a fio, me untou o pescoço com a enxúndia da mesma. Era assim uma espécie de gordura, cheirava mal que se fartava, mas fazia muito bem, curava num instante, garantia minha avó, que isso de ter papeira é um perigo, pode deixar males para o futuro e o mê menino, Deus o abençoe, valha-nos Deus!
            Descobri que enxúndia é palavra clássica, do latim: axungia, nome dado à banha do porco. Não sei se também tinha então virtudes terapêuticas.
            Punha-se assim em pachos (e lembro-me que, um dia, apanhei merecida sova de meu pai e só pedia a minha mãe que me pusesse pachos quentes nas nádegas, para atenuar a dor das nelgadas que mãos calosas me haviam aplicado. Pois também de pacho descobri agora que equivale a parche e que tem igualmente origem latina (imagine-se!): vem de parthicum. Se calhar, mezinha que o Romano aprendeu com os Persas (também chamados Partos). O certo é que se conta de uma saborosa receita romana chamada «pullum parthicum», ‘o frango pártico’. E lá caímos nós na… enxúndia de galinha, outra vez!... Já chega!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 172, Maio de 2013, p. 10.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Uma luz ao fundo do túnel?

            Gostaria de acreditar que, na presente conjuntura (estou a escrever a 27 de Fevereiro de 2013), haveria hipótese de ver uma luz a dizer-nos, ao fundo do túnel, que alguma esperança subsiste. Não tenho, porém, convicção nenhuma a esse favor.
            Na verdade, tanto em Portugal como na Europa do Sul, os juros da dúvida externa são de tal modo pesados que, a manter-se o paradigma político vigente, as medidas preconizadas têm efeitos contrários aos que visam alcançar: o aumento dos impostos leva, inexoravelmente, à fuga ao fisco como único meio de subsistência; diminuir os ordenados implica diminuição do poder de compra e, consequentemente, menor consumo e menos receitas fiscais. Exemplo paradigmático é o do aumento para 23 % do IVA nos restaurantes, que levou ao encerramento de milhares de estabelecimentos, com todo o cortejo de males daí resultantes e que são evidentes para o senso comum.
            Esse, o primeiro problema dos Portugueses: não compreendem porque é que os ‘governantes’ não ouvem o ‘senso comum’ e se regem, em exclusivo, por teorias neoliberais hauridas em manuais universitários e desgarradas da realidade portuguesa (inteiramente diversa da dos países do Norte da Europa ou mesmo da Europa Central).
            O segundo problema: até nem se importariam de fazer sacrifícios, se não vissem que as dificuldades foram criadas por lobbies financeiros (caso do BPN, por exemplo), cujos responsáveis permanecem impunes. De facto, se assim não fora, o Português saberia governar-se bem; e já está, aqui e além, a dar a volta por cima, dedicando-se, nomeadamente, à agricultura em novos moldes. Talvez por aí, sim, haja uma luz ao fundo do túnel; e, felizmente, todos os dias temos informação de promissoras experiências, como a do aproveitamento, no Algarve, das figueiras da Índia…
            Terceiro problema: o País está a envelhecer, mas nada se faz para promover o aumento da natalidade e parece não se compreender que, neste momento, são os ‘velhos’ que – com as suas pensões (por menores que sejam) – estão a suportar as despesas com pais (ainda mais velhos), com filhos (desempregados) e com os netos! O corte brutal nas pensões, ainda por cima oneradas com pesada taxa de solidariedade (!), trouxe enorme descontentamento e a maior desconfiança. Os resultados eleitorais de Itália são disso prova cabal: o Povo não acredita nos políticos!

Publicado em Portugal-Post – Correio luso-hanseático [Hamburgo], nº 53, Maio de 2013, p. 20 (central, também com tradução em alemão).
 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Romanos e bárbaros discutiram-se em Mangualde

            Realizou-se, nos dias 10 e 11 do corrente mês de Maio, no auditório da Câmara Municipal de Mangualde, a 8ª edição da série de reuniões científicas internacionais que, iniciada em Bordéus, no mês de Dezembro do, já longínquo, 1988, se destinam a abordar um tema específico da história da Lusitânia Romana.
O assunto ora em debate foi a procura de uma resposta para ‘o fim’ da Lusitânia, ou seja, como é que, surgindo as crises, os Lusitanos delas se conseguiram desenvencilhar e daí brotaram novos modos e novas perspectivas de vida. Uma temática, pois, sobremaneira actual e que ainda não fora abordada, dado que, nas edições anteriores, se tratara das cidades (Bordéus, 1988), dos campos (Salamanca, 1993), da economia (Madrid, 1993), da cultura e da sociedade (Mérida, 2000), das comunicações (Cáceres, 2002). A 6ª edição, realizada em Cascais ( Novembro de 2004), teve por título «A Lusitânia entre o mito e a realidade» e tratou, por isso, da problemática religiosa. Por seu turno, em Toulouse (Novembro de 2007), a preferência foi para o estudo de como a Lusitânia, afinal, nascera e como haviam sido os seus primeiros tempos.
Esta mesa-redonda teve como promotor e secretário-geral o Doutor João Vaz, membro do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto, entidade de que, juntamente com a Associação Cultural Azurara da Beira, partiu a iniciativa da organização em Mangualde, bem no coração da Lusitânia ocidental, uma cidade cujo dinamismo (foi pronto o apoio das entidades locais, públicas e privadas) e fácil acessibilidade a fazem ombrear, cada vez mais, com Viseu. Registe-se, de modo particular, a fácil parceria estabelecida com o Município local, que chamou a si toda a logística; aliás, o Presidente da autarquia, João Gonçalves Azevedo, presidiu à sessão inaugural e o vereador da Cultura, João de Albuquerque Lopes, acompanhou com interesse praticamente todo o desenrolar dos trabalhos.

O programa desenvolvido
            Ultrapassou as seis dezenas o número de participantes e foram 21 as comunicações apresentadas.
            José Luis Ramírez Sádaba (Universidade da Cantábria) referiu os testemunhos epigráficos que, em Mérida, assinalam essa transição entre romanos e bárbaros. José d’Encarnação (U. de Coimbra) anotou a continuidade e a inovação registadas nos epitáfios cristãos dos primeiros tempos em relação aos epitáfios romanos («pagãos», dir-se-ia…). José Cardim Ribeiro (Museu de Odrinhas, Sintra), relacionou a divindade indígena Endovellicus com o culto que, no mesmo local (Terena, Alandroal), viria a instalar-se, dedicado a S. Miguel. Manuel Salinas de Frias (U. de Salamanca) chamou a atenção para a importância de um marco cadastral salmantino do tempo de Constantino II em relação com a organização político-administrativa da Lusitânia do século IV.
Na tarde do primeiro dia, assinalou Amílcar Guerra (U. de Lisboa) as perdurações onomásticas no Ocidente peninsular na transição do tempo romano para a Idade Média. João Vaz começaria por focar, de seguida, aspectos específicos da arquitectura do interior norte da Lusitânia na transição para os tempos cristãos. Pedro Barbosa (U. de Lisboa) mostrou como foram considerados os Judeus na legislação visigoda. Maurício Pastor Muñoz (U. de Granada) deu conta de como haviam terminado os jogos de gladiadores e as partidas de caça (venationes) nos últimos tempos da Lusitânia, por motivos religiosos e, sobretudo, económicos. Javier Andreu Pintado (UNED – Universidade Nacional de Ensino à Distância) teceu considerações acerca do significado das representações escultóricas dos imperadores tardo-imperiais. Sabine Lefebvre (U. da Sorbonne, Paris) resumiu as questões que se prendem com a recepção do poder imperial, aqui, desde o imperador Diocleciano a finais do séc. IV. Jonathan Edmondson (U. de Toronto, Canadá) salientou como se organizara a administração lusitana após as reformas de Diocleciano. Trinidad Nogales, que exerce actualmente as funções de Directora-geral do Património do Governo da Extremadura, deu conta das actividades em curso, de há uns anos a esta parte, no Centro de Estudos da Lusitânia, criado no Museu Nacional de Arte Romano de Mérida.
Antes do jantar social, gentilmente oferecido pelo Município, os participantes puderam inteirar-se in loco dos resultados das investigações arqueológicas levadas a efeito no sítio romano conhecido por Citânia da Raposeira, onde se identificaram significativas estruturas, designadamente habitações, condutas e um edifício termal, cuja consolidação e consequente musealização se pretende agora levar a cabo, por iniciativa camarária.
No 2º dia, Mélanie Wolfram (U. de Évora) sintetizou as conclusões a que chegara sobre a cristianização da Lusitânia meridional, no âmbito da tese de doutoramento que recentemente defendera. André Carneiro (U. de Évora) manteve-nos no Alto Alentejo, para mostrar a mudança e a continuidade aí registadas no âmbito do povoamento rural durante a Antiguidade Tardia. E pelo Sul permanecemos, pois que Maria Conceição Lopes traçou a evolução da cidade romana de Pax Iulia até ser Beja. Inês Vaz Pinto, a arqueóloga ora responsável pelo sítio romano de Tróia, patenteou-nos o que dele se sabia em relação a esse período cronológico. E se Maria João Santos, bolseira de doutoramento do Instituto Alemão, apontou o sítio de Mogueira (Resende) como «um espaço sagrado na encruzilhada entre dois mundos», Guilherme Cardoso (arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa e presidente da Associação Cultural de Cascais) assinalou o elevado interesse histórico de duas necrópoles medievais (ditas ‘visigóticas’) do concelho de Cascais: a de Miroiço de Manique e a de Alcoitão.
A última sessão teve três intervenientes: Adriaan de Man (U. Nova de Lisboa), em seu nome e no de Catarina Tente, referiu-se à «fragmentação e emergência de poderes no território de Viseu», no final da Lusitânia. Também Pedro Carvalho (U. de Coimbra, que, na circunstância, também representou a direcção da Faculdade de Letras) abordou o registo dessa fase terminal «nas paisagens rurais do interior norte da Lusitânia». Por fim, Carlos Fabião (U. Lisboa) dissecou a continuidade e as rupturas documentadas nos séculos V e VI no Ocidente peninsular.
Pode, pois, concluir-se que, numa época em que – amiúde para se aumentar o obrigatório currículo institucional – se multiplicam reuniões científicas, esta VIII Mesa-redonda internacional da Lusitânia cumpriu cabalmente o seu papel de manter uma tradição de sistemática pesquisa histórico-arqueológica acerca de um território romano que, até há umas três décadas atrás, pouco interesse despertara entre a comunidade científica internacional. E Mangualde soube, assim, honrar uma tradição em que se irmanam, de modo especial, investigadores de três países: Portugal, Espanha e França.

Publicado em Cyberjornal, 15-05-2013:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18306&Itemid=30
(com ilustrações)

sábado, 4 de maio de 2013

A orla marítima

           
Extasia-me a orla marítima desde a Boca do Inferno até ao Guincho. A extensão do lapiás, onde o vento e as chuvas se divertem a escavar pequeninas pontes e túneis; as plantas as mais variadas e multicores espreitam por entre as rochas, a contarem do milagre de existirem ali; a agitação constante das águas, agora mais impantes de força, a bater, furiosas; daqui a pouco, ao invés, numa carícia melancólica…
            E o pôr-do-sol? Sim, já vi o raio verde, numa dessas tardes mornas de Outono. Foi naquela enseada antes do Cabo Raso, de fenda enorme, com os raios a cintilar lá em baixo, a gente espreita por cima e é como se o Sol ali se estivesse a pôr e as águas brincam, sabendo que pouco a pouco vão tornando a fenda maior e, um dia, obrigarão os homens a aumentar a protecção… Do outro lado, a onda vem, bate na rocha e há um chafariz de leite que brota e se despeja. Uma vez, três vezes, sempre!...
E sentimo-nos minúsculos diante da Beleza, da Força, da Majestade, do Infinito além…

Publicado na Agenda Cascais [Câmara Municipal de Cascais] nº 62, Maio.Junho 2012, p. 31.

Turismo em Cascais - de mal a pior!

             Quando o governo do Partido Socialista se alembrou de acabar com a identidade «Estoril», que tantos anos demorou a lançar e que constitui, hoje, uma marca identitária em todo o mundo, estava a governar a Câmara de Cascais a coligação Viver Cascais – PSD e CDS. Compreendia-se, pois, que os socialistas quisessem arrecadar os dinheiros do Jogo, deslocalizar para algures no Ribatejo a sede do turismo aqui da zona, pondo, inclusive, no atendimento turístico, pessoas de sua confiança mas que da história e do património cascalenses nada percebiam nem estavam ali para perceber. Eram questões partidárias, cada qual a puxar a brasa para a sua sardinha… O Executivo cascalense barafustou, mas… quem manda pode e os socialistas ganharam – com os resultados desastrosos que se conhecem.

            Agora (a gente sabe que não é assim, que não há nenhum partido português a governar Portugal, somos governados da estranja, mas vamos fazer de conta…), agora é uma coligação PSD/CDS que está oficialmente no Governo e a Câmara de Cascais é dessa mesma coligação. Por isso grandemente me espanta a notícia hoje veiculada pelo jornal Expresso:

            «As autarquias de Lisboa e de Cascais e a Associação de Turismo de Lisboa celebraram um acordo para a criação da nova Entidade Regional, responsável pelo sector turístico da região». E essa nova instituição vai adoptar a designação de ERTL – Entidade Regional de Turismo de Lisboa, e terá, simbolicamente, sede no Terreiro do Paço.
            Boa! O que eu gosto é do «simbolicamente»!
            Acrescenta a notícia:
            «Vítor Costa, o director-geral da ATL, vai ser candidato à presidência da nova entidade, enquanto o vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, Miguel Pinto Luz, será candidato à vice-presidência».
            Claro que, como historiador (há umas décadas…) do património turístico cascalense, não posso estar mais em desacordo, porque esta é mais uma forma encapotada de a capital nos absorver e nos matar a identidade.
            Recordaria apenas que, dois dias antes do 25 de Abril de 1974, foi gravado um programa no Rádio Clube Português, o debate, moderado por Luís Filipe Costa, em que todos os intervenientes, entre os quais se contavam, por exemplo, Licínio Cunha, então presidente da Junta de Turismo do Estoril, e eu próprio, lutámos contra a intenção, que então se preconizava, de erradicar o nome «Estoril» e mudar tudo para «Costa de Lisboa». Estava-se, repito, antes do 25 de Abril! Devido aos acontecimentos revolucionários, esse programa, de cerca de uma hora, só iria para o ar largos dias depois; mas a nossa posição ganhou e as ‘capas’ (vide imagem) que já tinham sido previamente impressas aos milhares – para pressionar!... – acabaram por ir para o lixo.
            Aproximam-se a passos largos as eleições autárquicas. Pensamos que os candidatos devem sobretudo pugnar, com unhas e dentes, por defender a nossa identidade cascalense – e isto, aliás, se proclamou na sessão preparatória das comemorações dos 650 anos de elevação de Cascais a vila, a 8 de Abril, p. p. A notícia que hoje (04-05-2013) lemos não é, pois, de bom augúrio.
            Oxalá os responsáveis saibam pôr a mão na consciência e fazer marcha-atrás.
            Enquanto é tempo!

Publicado em Cyberjornal, edição de 04-05-2013:

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A linha, tema de encantar!

              Foi apresentado na FNAC do CascaiShopping, na tarde do passado dia 27 de Abril, o livro Alinhas?, da autoria de Margarida Teodora Trindade (texto) e Alexandra Sirgado Rodrigues (ilustrações). Uma edição de Opera Omnia (ISBN: 978-989-8309-41-9); design, paginação e fotografia de Sofia Ferreira.
            Técnicas da magnífica Biblioteca Municipal de Torres Novas, habituadas, por isso, a dinamizar sessões de leitura para crianças, lançaram mão a esta obra que, aparentemente singela e despreocupada, encerra grandes lições para crianças e… para adultos, um pouco ao jeito do Principezinho, de Saint-Exupéry, ou d’As Aventuras de João sem Medo, de José Gomes Ferreira.
            Tudo gira em torno da linha, elemento que – com os mais diversos significados, concretos e abstractos – intimamente se entretece no nosso quotidiano: andar na linha; a linha do horizonte; «Deus escreve direito por linhas tortas»; há linhas oblíquas; as linhas com que se tramam vidas; a trama e a teia; linhas que atam uma história (a perna) a uma outra história (um chapéu de chuva atado também…); «há linhas que comemos com prazer…» (ai, este delicioso esparguete!...); «há linhas que contam uma história no rosto do avô António»; «há linhas que não se sabe nem onde começam nem onde acabam… e que, se puxares por elas, muito devagarinho, aos poucos, todos os nós se desatam». «Quando o Luís se zanga fica com a cabeça cheia de nós. Depois, para os conseguir desatar, tem de perceber com que linhas é que eles se formaram» …
            E não resistiram as autoras a incluir – com a actualidade que facilmente se adivinha – as linhas de um lenço de namorados:

                        «Meu Manel bai pró Brazil
                        Eu tamem bou no bapor
                        gordada no curação
                        daquele qué meu amor».

            Um livro inspirado e inspirador de muitas histórias para a «hora do conto» (termina com a libelinha a voar…). Uma presença doravante imprescindível em todas as bibliotecas. Lindíssimo veículo de um saber profundo!

Publicado em Cyberjornal, 02-05-2013:

CDCE homenageia poeta

             Tem privilegiado o Clube Desportivo da Costa do Estoril, com sede em Alapraia, as iniciativas culturais, independentemente, claro, de outras habituais actividades de índole desportiva e recreativa. Música e poesia, por exemplo, fazem parte do seu cardápio cada vez mais frequente.
            Na noite do passado dia 30, por exemplo, houve por bem a direcção promover uma homenagem a João Baptista Coelho, alfacinha octogenário que se radicou em Tires há mais de 40 anos e que ‘descobriu’, aos 58 anos de idade, a sua escondida veia poética. Começou por concorrer a uns Jogos Florais, ganhou e… ganhou esse ‘vício’, de tal modo que, hoje, se contam por centenas os primeiros prémios arrebatados nesses certames por esse País fora.
            Tiveram papel preponderante nesse evocar de um trajecto poético singular os Jograis do Atlântico (Edite Gil e Francisco Félix Machado), cabendo a Francisco Machado a condução da entrevista que fez ao homenageado, para que nos contasse desse seu peregrinar pelo caminho das musas… Tive também oportunidade de realçar o meritório trabalho que Baptista Coelho teve, durante vários anos, na organização dos Jogos Florais da Freguesia de S. Domingos de Rana, propondo o tema e preparando a documentação para a reunião do júri; e aprouve-me realçar, dentre os muitos que poderia seleccionar, o livro 25 Sonetos com o Mar ao fundo, de 2004, porque, além de ser uma viagem poética pela nossa bem poética orla marítima desde Cascais ao Guincho, mostra bem a maestria de Baptista Coelho na composição de sonetos, uma modalidade que, como se sabe, exige fino talento e extraordinário domínio da linguagem.
            O sarau – entrevista e apresentação de poemas por Maria Maya, Eduardo Martins, Jorge Castro, Edite Gil e Francisco Félix Machado – agradavelmente seguido por mais de duas dezenas de assistentes, foi melodicamente pontuado pela actuação, à guitarra e à vihuela, do holandês Rembrandt Gerlach.
            A João Baptista Coelho o nosso voto de que ainda por largos anos nos presenteie com a beleza do seu estro!

Publicado em Cyberjornal, 02-05-2013:
 http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18242&Itemid=30


 Fotos de Guilherme Cardoso: aspecto da assistência; a mesa com o homenageado e os dois membros dos Jograis do Atlântico; a evocação do poeta; Maria Maya, Eduardo Martins, Jorge Castro, que disseram poemas; Rembrandt Gerlach.


 

Em Trajouce - Canteiros saloios festejam o 1º de Maio

           Como já vai sendo tradição desde há largos anos, os canteiros que exercem a sua actividade em S. Domingos de Rana (do Clérigo, de Trajouce, de Tires…) organizam uma caldeirada de confraternização, no 1º de Maio.
            A iniciativa prende-se, naturalmente, com as comemorações do Dia do Trabalhador, outrora fortemente vigiadas pela PIDE. Os trabalhadores das pedreiras do concelho de Cascais – tanto os saloios como os que tinham vindo de fora – iam até à orla, passavam a manhã na pesca, faziam o lume junto ao pinhal da Marinha e aí se preparava a caldeirada com o que na manhã se lograra apanhar. E a confraternização continuava animada jornada afora.
Fo            Este ano, mais uma vez, juntaram-se no barracão do Carlos de Trajouce, que mais parece um museu de antiguidades (!), duas dezenas de trabalhadores da pedra, a que, nos últimos anos, se associaram membros da Associação Cultural de Cascais.
            Para além do enorme tacho da aprimorada e saborosa caldeirada, houve acordeão e gaita-de-beiços a animar a festa. Celestino Costa aproveitou o ensejo para autografar o seu último livro Nomes ou alcunhas das pessoas dos meus livros. E sorteou-se uma lembrança feita num tipo de pedra rara do concelho – que o contemplado de boa mente ofereceu para o «Museu do Caracol».

As fotos, de Guilherme Cardoso, mostram: um instantâneo do convívio no barracão que é quase 'museu de antiguidades'; Celestino Costa em sessão de autógrafos; a pedra-símbolo do dia, que o contemplado oferece a Armando 'Caracol' para o seu museu; e, finalmente, a foto de conjunto.
 
Publicado em Cyberjornal, 02-05-2013: