quinta-feira, 23 de maio de 2013

E a mala de mão da sua senhora quanto pesa?

            – E o senhor quanto pesa?... E o seu amigo?... E a sua senhora?... E a mala de mão da sua senhora quanto pesa?...
            Olhámos uns para os outros, desconfiados, e o comandante Estácio dos Reis não hesitou:
            – Desculpe: porque é que precisa de saber?
            – Questões logísticas.
            Compreendemos depois, perfeitamente, ao abeirar-nos, nessa já bem longínqua manhã de 15 de Maio de 1989, na pista do aeroporto de Miami, do pequenino avião que nos levaria a Great Ábaco, nas Baamas: éramos os seis os únicos passageiros, mais o piloto, e cada uma das bagagens foi estrategicamente colocada nos espaços disponíveis do aparelho, para que o peso ficasse bem equilibrado e o voo decorresse sem problemas.
            Lembrei-me de imediato dessa cena, quando vi o vídeo a mostrar como, no passado dia 30 de Abril, um Boeing B747-400 cargo da companhia aérea norte-americana National Airlines se despenhara, no momento em que levantava voo da base aérea de Bagram, no Afeganistão. O aparelho, que transportava veículos automóveis e outras cargas, «rodou no ar e despenhou-se junto a uma estrada que circunda a base aérea» e, embora a notícia inicial fale de «razões ainda não averiguadas», é mais do que evidente de que se tratou de um erro crasso do pessoal de terra, que não soube acondicionar convenientemente a carga.
            É por isso que, na linguagem popular, se fala de «albarda-se o burro à vontade do dono», quando o homem que percebe de albardas quer fazer de uma maneira e o dono insista em que se faça doutra – e, nesse caso, é do dono a responsabilidade se a albarda der de si e caírem por terra os alforges e a pessoa que lá for escarranchada.
            Vêm estas histórias a propósito do grande receio que diariamente me invade ao assistir à crescente falta de profissionalismo, derivada, na sua maior parte, porque os governos da Europa, obedientes cegos ao paradigma reinante, insistem em «mandar para a reforma», a todo o custo, o maior número de pessoas. E quem vai? Com frequência, os mais capazes, e, dado tudo ser feito a trouxe-mouxe, de um momento para o outro (é tudo para ontem!...), não houve tempo sequer de ‘passar o testemunho’. E, por outro lado, há muito quem queira de imediato ‘assentar praça em general’ e nem lhe passa pela cabeça auscultar quem detém «saber de experiência feito».
            Quando o revisor passou, eu disse-lhe:
            – Deste lado da carruagem não há corrente e aquela porta lá ao fundo não abre.
            Já sabia, já anotara; deu-me quase a entender que a situação estava assim há já alguns dias e, como o comboio chegava e partia de imediato, não havia equipa para resolver a anomalia.
            Esta não foi uma situação de há anos atrás; passou-se no dia 19 de Abril num alfa Faro – Porto.
            Já não há equipas, já não há quem pense, já não há quem pese as questões. Visão pessimista? Quiçá. E aceito que me provem o contrário. Perguntarei:
            – Pensaram os técnicos que elaboraram o caderno de encargos das obras que estão a fazer-se na estrada Cobre – Murches, nas estradas que servem Bicesse ou na entrada sul de Alcabideche, no prazo máximo a que deveriam obrigar os empreiteiros a executar os trabalhos? Pensaram os senhores vereadores (se é que o assunto foi a sessão de Câmara, explicado) no enorme transtorno (de tempo e de dinheiro) que dá aos munícipes que os elegeram (e a eles próprios…) terem de andar às voltinhas, semanas a fio, e a verem que, nessas obras, há pouca gente a trabalhar e com tranquilidade plena? Pensou-se, ao elaborar o caderno de encargos, nas alternativas menos penosas? Estipulou-se, por exemplo, uma multa para o empreiteiro que deixasse eternizar a placa «desvio» quando já não é preciso fazer desvio nenhum? Fiscaliza-se devidamente o modo como a empreitada está a ser executada? Quem há aí que assuma os gastos adicionais de combustível – que não são de pouca monta… – que os moradores de Bicesse, por exemplo, têm suportado nos últimos meses? Eu escrevi «meses», sim, porque, infelizmente, é de meses que se trata.
            Prepara-se a campanha eleitoral. Este era um dos assuntos que eu gostaria de ver bem escalpelizado, porque o sentimos na pele todos os dias. Todos os dias. E nem sequer já há aquela placa simpática que de pouco servia, é certo, mas nos dava a sensação de que se pensava em nós, nas pessoas:
            «Desculpe o incómodo. Procuraremos ser breves!».
            Não são.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 338, 22.05.2013, p. 6.

4 comentários:

  1. Alice Alves: Daqui a pouco vou à vila de autocarro e vou mais uma vez em Alcabideche fazer o "roteiro turístico"... Bem haja por chamar a atenção para as obras sempre muito demoradas......
    23/5 às 15:39

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  2. Maria Mattyes: A DANÇA CONTINUA !!!!!!!!!!!! É um VÍCIO QUE SE INSTALOU NA NOSSA SOCIEDADE E NOS MANDANTES QUE "MANDAMOS" QUE NOS MANDEM. Por essas, e por muitas outras, é que já ninguém me convence em termos políticos -IMPREPARAÇÃO PARA OS CARGOS, FALTA DE INTELIGÊNCIA, só esperteza suficiente que leva esta gente a descobrir a maneira de arrecadar dinheiro que deveria ser MUITO BEM GERIDO. TOU FARTA!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    23/5 às 18:56

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  3. Vítor Encarnação: Infelizmente é assim neste país!

    Sexta-feira às 18:40

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  4. Herculano Minga: É Portugal no seu melhor. O Chico esperto continua a fazer das suas por este Portugal à beira-mar plantado.

    Sábado às 17:33

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