quinta-feira, 16 de maio de 2013

Romanos e bárbaros discutiram-se em Mangualde

            Realizou-se, nos dias 10 e 11 do corrente mês de Maio, no auditório da Câmara Municipal de Mangualde, a 8ª edição da série de reuniões científicas internacionais que, iniciada em Bordéus, no mês de Dezembro do, já longínquo, 1988, se destinam a abordar um tema específico da história da Lusitânia Romana.
O assunto ora em debate foi a procura de uma resposta para ‘o fim’ da Lusitânia, ou seja, como é que, surgindo as crises, os Lusitanos delas se conseguiram desenvencilhar e daí brotaram novos modos e novas perspectivas de vida. Uma temática, pois, sobremaneira actual e que ainda não fora abordada, dado que, nas edições anteriores, se tratara das cidades (Bordéus, 1988), dos campos (Salamanca, 1993), da economia (Madrid, 1993), da cultura e da sociedade (Mérida, 2000), das comunicações (Cáceres, 2002). A 6ª edição, realizada em Cascais ( Novembro de 2004), teve por título «A Lusitânia entre o mito e a realidade» e tratou, por isso, da problemática religiosa. Por seu turno, em Toulouse (Novembro de 2007), a preferência foi para o estudo de como a Lusitânia, afinal, nascera e como haviam sido os seus primeiros tempos.
Esta mesa-redonda teve como promotor e secretário-geral o Doutor João Vaz, membro do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto, entidade de que, juntamente com a Associação Cultural Azurara da Beira, partiu a iniciativa da organização em Mangualde, bem no coração da Lusitânia ocidental, uma cidade cujo dinamismo (foi pronto o apoio das entidades locais, públicas e privadas) e fácil acessibilidade a fazem ombrear, cada vez mais, com Viseu. Registe-se, de modo particular, a fácil parceria estabelecida com o Município local, que chamou a si toda a logística; aliás, o Presidente da autarquia, João Gonçalves Azevedo, presidiu à sessão inaugural e o vereador da Cultura, João de Albuquerque Lopes, acompanhou com interesse praticamente todo o desenrolar dos trabalhos.

O programa desenvolvido
            Ultrapassou as seis dezenas o número de participantes e foram 21 as comunicações apresentadas.
            José Luis Ramírez Sádaba (Universidade da Cantábria) referiu os testemunhos epigráficos que, em Mérida, assinalam essa transição entre romanos e bárbaros. José d’Encarnação (U. de Coimbra) anotou a continuidade e a inovação registadas nos epitáfios cristãos dos primeiros tempos em relação aos epitáfios romanos («pagãos», dir-se-ia…). José Cardim Ribeiro (Museu de Odrinhas, Sintra), relacionou a divindade indígena Endovellicus com o culto que, no mesmo local (Terena, Alandroal), viria a instalar-se, dedicado a S. Miguel. Manuel Salinas de Frias (U. de Salamanca) chamou a atenção para a importância de um marco cadastral salmantino do tempo de Constantino II em relação com a organização político-administrativa da Lusitânia do século IV.
Na tarde do primeiro dia, assinalou Amílcar Guerra (U. de Lisboa) as perdurações onomásticas no Ocidente peninsular na transição do tempo romano para a Idade Média. João Vaz começaria por focar, de seguida, aspectos específicos da arquitectura do interior norte da Lusitânia na transição para os tempos cristãos. Pedro Barbosa (U. de Lisboa) mostrou como foram considerados os Judeus na legislação visigoda. Maurício Pastor Muñoz (U. de Granada) deu conta de como haviam terminado os jogos de gladiadores e as partidas de caça (venationes) nos últimos tempos da Lusitânia, por motivos religiosos e, sobretudo, económicos. Javier Andreu Pintado (UNED – Universidade Nacional de Ensino à Distância) teceu considerações acerca do significado das representações escultóricas dos imperadores tardo-imperiais. Sabine Lefebvre (U. da Sorbonne, Paris) resumiu as questões que se prendem com a recepção do poder imperial, aqui, desde o imperador Diocleciano a finais do séc. IV. Jonathan Edmondson (U. de Toronto, Canadá) salientou como se organizara a administração lusitana após as reformas de Diocleciano. Trinidad Nogales, que exerce actualmente as funções de Directora-geral do Património do Governo da Extremadura, deu conta das actividades em curso, de há uns anos a esta parte, no Centro de Estudos da Lusitânia, criado no Museu Nacional de Arte Romano de Mérida.
Antes do jantar social, gentilmente oferecido pelo Município, os participantes puderam inteirar-se in loco dos resultados das investigações arqueológicas levadas a efeito no sítio romano conhecido por Citânia da Raposeira, onde se identificaram significativas estruturas, designadamente habitações, condutas e um edifício termal, cuja consolidação e consequente musealização se pretende agora levar a cabo, por iniciativa camarária.
No 2º dia, Mélanie Wolfram (U. de Évora) sintetizou as conclusões a que chegara sobre a cristianização da Lusitânia meridional, no âmbito da tese de doutoramento que recentemente defendera. André Carneiro (U. de Évora) manteve-nos no Alto Alentejo, para mostrar a mudança e a continuidade aí registadas no âmbito do povoamento rural durante a Antiguidade Tardia. E pelo Sul permanecemos, pois que Maria Conceição Lopes traçou a evolução da cidade romana de Pax Iulia até ser Beja. Inês Vaz Pinto, a arqueóloga ora responsável pelo sítio romano de Tróia, patenteou-nos o que dele se sabia em relação a esse período cronológico. E se Maria João Santos, bolseira de doutoramento do Instituto Alemão, apontou o sítio de Mogueira (Resende) como «um espaço sagrado na encruzilhada entre dois mundos», Guilherme Cardoso (arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa e presidente da Associação Cultural de Cascais) assinalou o elevado interesse histórico de duas necrópoles medievais (ditas ‘visigóticas’) do concelho de Cascais: a de Miroiço de Manique e a de Alcoitão.
A última sessão teve três intervenientes: Adriaan de Man (U. Nova de Lisboa), em seu nome e no de Catarina Tente, referiu-se à «fragmentação e emergência de poderes no território de Viseu», no final da Lusitânia. Também Pedro Carvalho (U. de Coimbra, que, na circunstância, também representou a direcção da Faculdade de Letras) abordou o registo dessa fase terminal «nas paisagens rurais do interior norte da Lusitânia». Por fim, Carlos Fabião (U. Lisboa) dissecou a continuidade e as rupturas documentadas nos séculos V e VI no Ocidente peninsular.
Pode, pois, concluir-se que, numa época em que – amiúde para se aumentar o obrigatório currículo institucional – se multiplicam reuniões científicas, esta VIII Mesa-redonda internacional da Lusitânia cumpriu cabalmente o seu papel de manter uma tradição de sistemática pesquisa histórico-arqueológica acerca de um território romano que, até há umas três décadas atrás, pouco interesse despertara entre a comunidade científica internacional. E Mangualde soube, assim, honrar uma tradição em que se irmanam, de modo especial, investigadores de três países: Portugal, Espanha e França.

Publicado em Cyberjornal, 15-05-2013:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18306&Itemid=30
(com ilustrações)

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