A situação
A
investigação científica, nomeadamente a ligada às universidades, faz-se em
centros financeiramente dependentes da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
(FCT).
São
esses centros avaliados por comissões de peritos – nacionais e estrangeiros – e
é essa avaliação que determina o montante do financiamento a atribuir.
Na
avaliação entram em linha de conta os projectos em curso e os propostos,
ajuizando-se do seu interesse para o progresso da Ciência. A craveira dos
investigadores é avaliada, de modo especial, pela repercussão que os seus
escritos detêm a nível nacional e internacional. Para isso, criaram-se modelos
importados do estrangeiro, que, por exemplo, só determinam validade aos
escritos em língua inglesa e em publicações que tenham avaliadores a quem são
previamente submetidos os trabalhos candidatos à publicação.
A minha opinião
Adianto
a minha opinião, antes de me fazer eco da polémica em curso.
1º)
Existe a língua portuguesa há 800 anos e é – dizem – uma das cinco mais faladas
no mundo. Para a FCT isso não interessa nada e, em vez de privilegiar a nossa
língua (que, diga-se, no menu do computador, só tem duas variantes, enquanto o
Inglês tem… 18!...), dá-se absoluta prioridade ao inglês! Não se me afigura
politica correcta. Estou contra.
2º)
Apressaram-se as revistas a criar um corpo credenciado de avaliadores, porque é
essa uma condição sine qua non para
serem tidas em consideração. Acho bem. Contudo, direi que até nem me estou a
sentir mal como responsável de uma revista da minha especialidade, na área das
Ciências Humanas, onde publico os textos que previamente analiso (e, se tenho dúvidas,
consulto os meus colegas) e que se me afiguram de interesse, ainda que não
esgotem o assunto, mas lançam pistas para serem discutidas – porque, reitero amiúde,
o mais importante não é resolver os problemas, mas saber colocá-los. Só depois
de um longo processo de creditação, uma revista consegue entrar no rol das
revistas dignas de universal aceitação. A ‘minha’, digo-o desde já, foi
considerada lixo, ainda que os artigos nela publicados sejam citados centenas de
vezes, em Portugal e no estrangeiro! No quadro de avaliação da FCT… não existe!
A polémica
Conhecidos
os resultados da avaliação dos centros, rebentou a polémica um pouco por toda a
parte, atendendo ao descontentamento generalizado, a que a direcção da FCT
reagiu.
Escreveu
o Sindicato Nacional do Ensino Superior, em comunicado do passado dia 29:
«Tal como anunciámos, foi hoje entregue no MEC o pedido de
suspensão do processo de avaliação das Unidades de I&D, de forma a que
possa ser desenvolvida uma reavaliação das Unidades. Este pedido foi entregue
por uma delegação composta por diretores de unidades de investigação, docentes
e investigadores.
O pedido de suspensão foi também
solicitado e entregue pelo SNESup, SPGL-FENPROF, SPN-FENPROF, SPRA-FENPROF,
ABIC e Plataforma pela Ciência.
A forma como todo este processo foi
desenvolvido obriga a uma tomada de posição em defesa da ciência. […]
A indignação da comunidade académica
e científica, bem como da sociedade em geral, demonstra que este é um processo
extremamente grave. É necessário que seja completamente reapreciado, de forma a
garantir o cumprimento dos princípios elementares, sob pena de denegrir o
próprio conceito de avaliação.»
Respondeu
a direcção da FCT, refutando as acusações feitas, nomeadamente as que se
prendiam com a inexistência de avaliadores directamente ligados às áreas de investigação
dos centros; e com a suspeita de que a baixa avaliação constituía forma de
eveotar financiamentos. Recorto alguns desses pontos do «Esclarecimento da
direção da fct sobre o exercício de avaliação das unidades de investigação»
enviado, por correio electrónico, a 30 de Julho, a todos os investigadores inscritos.
Depois de sublinhar que «os
resultados de qualquer avaliação científica produzem desapontamento junto
daqueles cuja classificação ficou aquém das suas expectativas», afirma a
direcção:
«Não podemos aceitar que subsistam dúvidas
ou equívocos relativamente à robustez, rigor e isenção do processo de
avaliação, que foi cuidadosamente desenhado e implementado, de forma profissional
e no cumprimento das melhores práticas internacionais.» [o
itálico é original].
E mais adiante:
«Não é verdade que as
unidades não tenham sido avaliadas por especialistas na sua área científica.
Cada unidade foi avaliada inicialmente por três avaliadores independentes, dos
quais no mínimo dois são especialistas na área de investigação da unidade. Numa
fase seguinte, e depois de ouvidas as unidades, cada candidatura foi avaliada
por um painel coletivo no domínio científico da unidade composto por cientistas
com experiência de gestão e de avaliação de Unidades. O resultado final da
avaliação corresponde a uma decisão colegial e tomada por consenso.» [o realce
a negro é do original]
Logo no dia seguinte, no seu boletim
informativo, o SNESup prometia responder ao comunicado da FCT, ironizando,
desde logo, pelo facto de «um ministério da educação
e ciência liderado por um matemático (eleito com um discurso sobre o rigor)» escrever
que «66% corresponde a 7 em cada dez investigadores»: «Obviamente que os 4 investigadores em cada 100 que saem
deste arredondamento (70-66) importam, até porque na realidade ela não se situa
na ordem das centenas, mas sim na dos milhares».
A polémica
está, pois, para durar.
Voltando à ‘vaca
fria’
Um
dos centros passou de ‘excelente’ para ‘suficiente’. E quando se viu em que
documentos a comissão de avaliadores se baseara, verificou-se, por exemplo, que
um dos catedráticos com maior renome na sua área em Portugal, altamente
considerado no estrangeiro entre os seus pares, que publicara – em português! –
uma série de livros e de artigos nos últimos anos, constava na lista com apenas
uma publicação! E até publicara em revistas com os chamados avaliadores (referees, para se usar o estrangeirismo
corrente!). Assim, pudera! Tinha que ir para ‘suficiente’ a sua unidade de
investigação. Ora, entre os membros da comissão de avaliação estavam pessoas
que conheciam muito bem o trabalho desse e doutros investigadores; mas certamente
nada puderam fazer porque… regras são regras e esses livros e esses artigos só
poderiam ser considerados se devidamente inscritos numa qualquer plataforma científica
recentemente inventada por um grupo de luminares. Tens o teu trabalho lá
inscrito? Serve! Não tens? – Azar o teu!
Sucede,
porém, que esse investigador, tal como eu, é da área das Ciências Humanas, também
já está jubilado, mas ainda se sente com vontade de dar a conhecer o que investigou
ao longo de décadas e nada se preocupa com currículo, porque já dele não carece
(continuarão a cortar-lhe na mesma a pensão!...). E escreve em português!
Não entro
num outro campo deveras resvaladiço que é o dos avaliadores. Há-os deveras
conscientes, mas – ainda que mal pergunte!... – não se está a correr o risco de
criar conluios? É que já tenho exemplos de investigadores que não conseguem
publicar em determinadas revistas, por terem opiniões não inteiramente
coincidentes com as das respectivas direcções e, também, porque (sabes…) não interessa
que fulano publique, porque, no concurso X, ele pode vir a fazer-me sombra!...
Protestar?
Para quê? Quando há antolhos que determinam que só numa direcção se enxergue,
não há protesto que valha!
O
importante é que se lhes tirem os antolhos!
José
d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, edição de 03-08-2014: