«Raramente, como sabem, entro na discussão de temas aqui abordados, uma vez que
tento procurar alguma isenção e proporcionar liberdade de expressão. Contudo,
desta feita, as reflexões de Jorge Raposo não me deixaram indiferente.
Primeiro, porque integro o conselho científico de mais de uma dezena de
publicações e sou, por isso, chamado com alguma frequência, a dar o meu parecer
sobre propostas de textos para publicação; segundo, porque eu próprio vejo os
meus textos submetidos a apreciação por parte dos meus pares e já segui as
sugestões que um ou outro ‘revisor’ me deu.
Permita-se-me, porém, que acentue três aspectos, resultantes já da experiência
destes últimos anos:
1º) Concordo inteiramente com a opinião de Jorge Raposo, quando afirma em jeito
de pergunta: «A creditação e qualificação científica não podem (devem?) ser
processos abertos, comprovados e validados pelo tempo e pelo reconhecimento
colectivo de uma determinada comunidade científica?».
2º) A apreciação prévia não pode servir – e já serviu – para impedir que alguém
(eventual rival em concursos públicos, por exemplo) publique, mormente se
perfilhar interpretações não ‘alinhadas’ com a do ‘revisor’. Preze-se, acima de
tudo, a liberdade de opinião; se a afirmação não está devidamente fundamentada,
pode sempre o revisor chamar a atenção para isso, a fim de o autor acautelar
desde logo as críticas que lhe poderão fazer; mas tal não pode nem deve ser
impeditivo de uma publicação. Já li quem avaliasse negativamente um texto
porque… não era citado nele e não se fizesse eco da sua publicação mais recente
(mesmo que ainda não disponível para consulta).
3º) Estamos mal os que nos dedicamos às Ciências Sociais e Humanas, porque os
senhores que mandam foram formados no que chamam as Ciências Exactas, o que
para eles, isso sim, é que é Ciência! Por isso, os critérios oficiais para
atribuição de bolsas ou de apoios seguem (ou parecem seguir) esses modelos,
normalmente hauridos nas universidades estrangeiras (do Norte da Europa ou da
América), onde a vida académica e científica obedece a parâmetros bem
diferentes dos da Europa do Sul. Por exemplo, esta pressão para se publicar em
inglês ou para se publicar só em revistas estrangeiras, porque só isso é que
conta para a avaliação é, a meu ver, um erro crasso, suicida,
contra o qual todos deveríamos lutar! E compreende-se bem porquê: o que querem
é que a nossa língua não vingue; o que querem é que as nossas revistas não
ganhem preponderância. Perdoe-se-me, mas… eu acho que, a continuarmos assim, estamos
a dar o ouro ao bandido. E ele, bem regalado, fica com ele!...».
...
Não voltaria ao assunto se ele não
tivesse regressado, nestes últimos dias e com novos dados, ao debate nas mesmas
listas, com múltiplas intervenções. E, embora os textos que se seguem não sejam
de minha autoria, considerei que deveria «arquivar» no blogue – para memória
futura – o que nas listas acabou por vir a lume.
Estou convicto de que o bom senso
vai imperar e que paulatinamente diminuirão as dificuldades que determinados
grupos de pressão estão a levantar – quais muros de betão (os muros estão novamente
em moda e nós que pensávamos que o de Berlim não mais teria imitações!...) – àqueles
que, de verdade, gostam mesmo é de investigar e de partilhar os conhecimentos que
vão adquirindo.
José
d’Encarnação
........
Peer
Review — Shame on Us
As informações
Precedido de um
comentário seu, F. Pacheco Torgal divulgou, a 14 de Julho de 2016, as
informações seguintes, que partilhei nas listas archport , museum e histport e
que bem complementam, a meu ver, o que eu escrevi nesta crónica. Achei, pois,
que seria interessante apresentá-las aqui, em jeito de comentário, seguidas dos
comentários que recebi de colegas em relação
à partilha feita nas referidas listas.
A
Thomson Reuters (ISI web of science) acaba de ser vendida por mais de 3.500
milhões de euros – vide: http://www.marketwatch.com/story/thomson-reuters-announces-definitive-agreement-to-sell-its-intellectual-property-science-business-to-onex-and-baring-asia-for-355-billion-2016-07-11.
Trata-se de uma “empresa” cujo modelo de negócio assenta em
milhões de horas de trabalho não remunerado feito por académicos. Também a
Elsevier ou a Springer têm um volume de negócios anual de vários milhares de
milhões de euros resultantes de trabalho não remunerado da mesma natureza. Ainda
a propósito de trabalho não remunerado, merece destaque o valor de mais de 22 milhões de horas, que
foram "gastas", unicamente no ano de 2013, na revisão de artigos
para as 12 maiores editoras. como pode ler-se no editorial abaixo, recentemente
publicado numa revista de Medicina – http://cms.sagepub.com/content/20/3/194.short –, o que, para um valor/hora
de 40 euros (o custo de uma consulta de Medicina Geral em Portugal ou do
serviço de uma empregada doméstica nalguns países), dá 880 milhões de euros,
valor que permite perceber que, se todo o trabalho intelectual de produção científica e de revisão fosse pago, o modelo de
negócio atrás referido seria manifestamente inviável.
Permanece,
por isso, um mistério por que motivo as universidades, muitas delas com graves
problemas financeiros, continuam a contribuir com trabalho não remunerado para
a boa saúde financeira das referidas "empresas" e bem assim para a
remuneração dos accionistas das
mesmas. O que seria expectável, num mundo onde as coisas funcionassem
racionalmente, era que as universidades fossem remuneradas em espécie, em
acções ou de qualquer outra forma, pelo trabalho intelectual dos seus
investigadores. É, no entanto, evidente que nenhuma universidade ou país
conseguirá forçar uma tal mudança, atendendo ao actual contexto de impunidade e
hipocrisia do corporativismo transnacional "big business", que, ao
mesmo tempo que evita pagar impostos por menores que eles sejam, ainda se
atrevem a exigir cortes na Segurança Social e no acesso à saúde daqueles que
menos têm – http://www.sanders.senate.gov/imo/media/doc/102512%20-%20JobDestroyers3.pdf. (Convém lembrar
que a rainha Maria Antonieta foi guilhotinada por menos).
Talvez
um grupo de países, como a UE, pudesse consegui-lo, não fosse dar-se o caso de
também neste espaço geográfico e político o "big business" ter um
tratamento preferencial a vários níveis, seja na evasão fiscal ou mesmo na
desregulação "à la carte"
em curso, por via do TTIP – Tratado Transatântico =
Transatlantic Trade and Investment Partnership).
–, o qual, como defendem vários Prémios Nobel da Economia, irá servir para
beneficiar os mesmos de sempre (o grupo de 1% com mais rendimentos), ao mesmo
tempo que agravará ainda mais as desigualdades de rendimentos actualmente
existentes.
Saudações
académicas
F. Pacheco Torgal
2. Peer Review—Shame
on Us
Peer
review is a process, albeit flawed, which is critically important to the
publication of new scientific knowledge. There is no greater praise for one’s
work than the accolades and validation of respected colleagues and no greater
reward than to have those same colleagues critique and improve your work. The
process of peer review was first applied to academic journalism in 1752
(Kronick DA, Peer review in 18th-century scientific journalism. JAMA. 1990;263(10):1321-1322) with the establishment of the
Committee on Papers by the Royal Society of London to review the first scientific journal
Philosophical Transactions. In 2016, the peer review
process may be single-blinded, double-blinded, or open where authors and
reviewers are known to one another and the reviewers may or may not be
identified publicly. Virtually all of the most highly cited medical journals
use the single-blinded process. The journal Nature is expanding on
the traditional process, allowing authors to choose either single- or
double-blinded review. JCMS uses the single-blinded process. I
contemplated a change to a double-blinded review, as this is intuitively more
rigorous, but anonymity is almost impossible to achieve and it requires a
significant increase in workload for the administrative managing editor. In
addition, the published literature on the subject suggests that the type of
blinding does not affect the quality of reviews; therefore, we will continue to
utilize the single-blinded process. I recently attended a meeting of the
Council of Dermatology Editors, where Ms. Kate Perry, an editor with the
publisher Wiley, presented the results of a survey that Wiley undertook in 2015
to better understand the peer review experience. The survey received 2982 respons es (1.7% respons e
rate) from reviewers across the geographic and subject areas serviced by Wiley
journals. It has been estimated that more than 22
million hours were spent reviewing manuscripts for the top 12 publishers in
2013. The Wiley survey confirmed that the primary reason
that reviewers freely give of their time and expertise is to support their
research community and “pay forward” the good will of others who have reviewed
their work. It was also interesting to note that reviewers are more likely to
accept the invitation from prestigious journals, to spend more time reviewing
these manuscripts, and to adhere to the journal’s deadlines. Forty-nine percent
of reviewers review for more than 5 journals. The survey also noted that recognition
and feedback were more important than more tangible rewards. The Wiley survey
also revealed that three-quarters of all reviewers stated that they would like
more training, with 89% of early career researchers requesting additional
training. Peer review is the cornerstone of academic learning and it is taken
for granted. There needs to be change, and nothing short of public shaming is
likely to accomplish this. Academic institutions need to recognize peer review
as an integral component of scientific research and provide it equal merit to
other research activities. Societies and institutions that
survive and flourish as a result of the unpaid work of reviewers
need to recognize reviewer work, provide reviewer training, and lobby academic
institutions and granting agencies to formally record and specifically
acknowledge our colleagues engaged in the peer review process. JCMScan, I believe, make a difference. I intend to lead by
example and address the most significant issues that were elucidated in the Wiley
survey. I will seek out an educator to meet the reviewer request for more
training. I have initiated a Wall of Honor on the masthead where the names of
reviewers will be published in a timely and dynamic manner. SAGE Publications,
our publisher, is now integrated with Publons, which is an online service that
will record and verify the work of reviewers so that this work may be
highlighted for career advancement purposes. I will review the CV formats of
our academic institutions and request that a section be allocated for the
purpose of listing reviewer work now that Publons is integrated with our
publisher. I also hope that each of you—our authors, reviewers, and
readers—will take this message to your institutions and speak out for the
recognition that our colleagues who undertake peer review deserve.
Kirk Barber, MD, FRCPC
Editor-in-Chief,
JCMS
Os comentários
Raquel Vilaça, 14 de Julho de 2016
10:37
Isto está a
tornar-se um desespero e ainda não chegámos (lá iremos, que remédio...) à situação em que o envio será feito na íntegra para
plataformas de difícil preenchimento, quer dizer, será quase tão difícil
escrever um artigo como submetê-lo.
Juan Zozaya ,
14 de Julho de 2016 16:43
Gracias por la información, pues sabes
que estoy en contra del "revisão por pares", un sistema en el cual no
puedes recusar al arbitro o al acusador, como ocurre en un caso jurídico norma l. Por
ahí si desliza la búsqueda de favores como una de las consecuencias negativas. Y, efectivamente, no se cobra el trabajo. Es
una buena manera de fomentar nuestra "vanitas".
Joaquín L. Gómez-Pantoja, 14 de Julho de 2016 17:53
Cuanta razón tiene! La paradoja es quien se beneficia del trabajo de los
peer-reviewers continua ganando dinero: a)
exigiendo pago por publicar en sus revistas de prestigio y b) vendiendo a los burócratas
de las Universidades los argumentos para clasificar a su gusto a los mismos
investigadores que han realizado las peer-reviews.
Fábio Liborio, 14 de Julho de 2016 22:04
Nossa,
Dr. Encarnação é uma vergonha mesmo! Muito obrigado pelo alerta bruto como este!
Adelaide Chichorro Ferreira, 14 de Julho de
2016 22:58:
Interessante...
A mim já me têm pedido para ser reviewer de papers de política internacional,
ou até, mais recentemente, de neurologia/psiquiatria. Mas como não me ajeito
com as bases de dados deles (psiquiatria/neurologia), ficou por fazer. Fiz isso
num caso, mas fiquei impressionada com o grau de simplismo com que se analisa a
linguagem humana para aplicar o epíteto de doente a alguém... Por mim, em
matéria de publicações tentarei simplesmente acabar o que iniciei. Tomara
conseguir! Depois penso na publicação ...
Carmen
Aranegui, 15
de Julho de 2016 11:29
Yo
comparto el texto pero algunos colegas se reservan la opinión y no ven oportuno
denunciar la situación (¿!)
[…]
15
de Julho de 2016 17:21
[…]
Pero no es solo el miedo: es miedo + locura y parece que tenemos que convivir
con eso.
Jean-Pierre Bost, 18 de Julho de 2016 08:52
Ce que tu m'envoies est évidemment scandaleux, mais je n'ai aucune
confiance dans les institutions nationales ou européennes pour faire changer
les choses et nous continuerons d'être exploités par des requins sans foi ni
loi. Mais ce n'est pas le seul scandale, car il y a aussi celui des revues
elles-mêmes qui ont été, comme tu sais, il y a maintenant une dizaine d'années,
classées par la collusion de collègues anglo-saxons et allemands auxquels a été
associé le lobby des préhistoriens, pour définir arbitrairement quelles revues
sont dignes et quelles ne le sont pas, ce qui constitue pour nos jeunes
collègues débutant dans la recherche un handicap considérable.
Armando Redentor, 27 de Julho de 2016 16:31
A
questão da avaliação por pares
deveria ser também discutida e balizada. É necessária? Os conselhos científicos
e de redacção
das revistas bastam? São actuantes? A revisão é um trabalho de extrema respons abilidade científica que nem sempre –
infelizmente – é encarado dessa forma... pelos pares. A dimensão e especialização da comunidade são factores que podem actuar
negativamente por diversos aspectos. Faltam também mecanismos (além da ética)
para que esta regulação funcione de
modo alargado, quando se submete um artigo a mais de uma revista ou quando, em face de uma avaliação
menos positiva, se procura refúgio em outras
que funcionam como "paraísos"...
Agora
que o acesso à publicação surge
facilitado, novos desafios se colocam a todos os intervenientes. E voltar a
discutir métodos, metodologias e respons abilidades
é importante. -/-