quinta-feira, 7 de julho de 2016

Vai um passinho de dança?

            Começou o calor e, com ele, por estas bandas ocidentais cascalenses, a nortada faz-se sentir. Venta que se farta! Dei comigo, outro dia, recostado no jardim após o almoço, a admirar como bailavam as ramagens do ficus do meu vizinho Carlos: parecia que se desengonçavam todas, mas era esse o estratagema que tinham para não partirem. Em contrapartida, o alto cipreste, arrogante, bandeava um pouco o tronco esguio e as pernadas ensaiavam, calmas, um ritmo descompassado, sereno…
            Novo é o ramalhudo ficus; ancião, o cipreste, de uns trinta metros de altura. Danças de novos, danças de velhos… A dança, aliás, sempre presente no nosso quotidiano e nas nossas vidas.

A coreógrafa do Euro
            Recordei as “Coreografias de Grupo" de que Teresa Meira se serve, por exemplo, no Centro Engº Álvaro de Sousa, Estoril, para manter activos os seniores. Vi que também nesse domínio da coreografia (que jovem ousaria dizer aqui há uns dez anos «quero ser coreógrafo»?...), há portugueses que se notabilizam por esse mundo fora. Margarida Martins, de 30 anos, é uma das coreógrafas assistentes no Euro'2016; formada em Ciências do Desporto, Margarida e os colegas têm de coreografar cerca de 400 pessoas, em ensaios que «vão desde as duas da tarde às dez da noite», para nos encantarem antes dos jogos e, até, nos intervalos.
            Coreografar, um verbo que poderá, à primeira vista, parecer estranho: é estudar os movimentos mais adequados de uma porção de gente, nomeadamente num bailado ou numa peça de teatro: «para onde é que vou agora?»… E todos os movimentos, em conjunto, têm um sentido estético e intencional. Na peça ora em cena no TEC, Carlos Avilez fez questão em chamar para junto de si a multigalardoada Olga Roriz, de renome internacional e uma das nossas melhores profissionais neste domínio. «Tempestade», de Shakespeare, com tantos actores em palco, precisava, na verdade, de uma movimentação específica excepcional.

O espectáculo da EDAM
            Também se coreografa, naturalmente, na Escola de Dança Ana Mangericão, sita no Buzano, ali paredes-meias com S. Domingos de Rana e Parede. No domingo, 3, no Auditório Olga Cadaval, em Sintra, mais uma esplendorosa apresentação do trabalho desenvolvido ao longo do ano lectivo. E, desta vez, de novo Ana Mangericão optou por um esquema deveras aliciante: em lugar de apresentar classes de bailado clássico, de dança contemporânea e assim por diante, adaptou e coreografou uma história: «Charlie e a Fábrica de Chocolate».
            Trata-se do conhecido conto infantil do escritor galês Roadl Dahl (1916-1990), publicado em 1954, que, pela sua linguagem simples e espontânea, mereceu adaptações cinematográficas de êxito e, agora, esta adaptação ao bailado: Charlie «procura o bem de todos, incluindo o dos mais velhos», explica Ana Cristina Mangericão, a directora pedagógica da EDAM, «sendo essa a sua recompensa e felicidade e não a recompensa fácil por que as nossas crianças tanto anseiam e que não as fará mais felizes; pelo contrário, torná-las-á mais vulneráveis à frustração e ao desânimo». Uma adaptação que vem, por conseguinte, na linha dos objectivos que a EDAM pretende inculcar nos seus estudantes: «que os valores, os saberes e a sabedoria sejam mais fundamentados e a sociedade mais harmoniosa».
            Naquela aldeia, a fábrica de chocolate era como que o paraíso que se deseja alcançar. Quando, por via de um sorteio, alguns dos meninos, entre os quais Charlie (quase por milagre!), são convidados a ir visitá-la, são confrontados, em cada sala, com uma prescrição a cumprir. Há sempre, porém, quem prefira arriscar – e é expulso. Charlie será, pois, o que melhor se comportará e demonstrará, no final, que a família constitui um valor fundamental, de que ele não prescinde.
            Dos maiores aos mais pequeninos, envergando figurinos criados por Ana Mangericão, Emília Silva e Vera Rosa, as personagens vão recriando as cenas, que Rodrigo Saraiva, narrando, vai tornando mais explícitas.
            A história é de uma ternura imensa; mas a ternura que os dançarinos lhe emprestam consegue ser ainda maior e penetrante.
            Parabéns – a reforçar os fartos aplausos do público (familiares e amigos) que encheram o Olga Cadaval!
            E fica-me sempre uma mágoa, todos os anos: era tão bom que se conseguissem meios para que tão deliciosa representação se repetisse!
 
José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 147, 04-07-2016, p. 6.
                                             




Fotos retiradas, com a devida vénia, do programa apresentado.
 
 

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