‒ Sabes, eu tenho a vinha de guarda e se o
senhor me visse aqui a apanhar uvas, quando eu lhe dissesse que me andavam a
roubar, caso isso acontecesse, ele respondia-me logo: «Pois foi vossemeceia que andou lá e agora
culpa-me!?».
Joaquim Encarnação Pereira (1887-1977) Jaqueta e colete que foram de seu uso |
É
curioso: quando me lembro de meu avô é este o primeiro episódio que surge. Creio
que me terei sentido deveras importante, pois eu era seu cúmplice na
transgressão!...
Só
depois é que vêm à lembrança as idas para a campina à alfarroba, o varejar das
amêndoas e o saborear dos figos. E o porco. E a casa-de-banho sobre a pocilga…
Alto,
seco de carnes (diria hoje), sempre de barrete ou de chapéu preto na cabeça,
lenço ao pescoço, colete, cachimbo invariavelmente na boca protegida pelo
bigode… Vejo-o a irradiar serenidade, não me recordo de alguma vez o ter ouvido
gritar.
Hoje,
que os meninos chegam a ter quatro avôs (os adoptados, às vezes, melhores do que
os de sangue…), não se imagina o que é ter, como eu, apenas um (o outro morreu
quando eu era de berço). Estava com ele nas férias grandes, uma semana ou duas.
E era uma festa, era… «o meu avô!».
Uma
coisa eu nunca cheguei a perceber: porque é que minha avó tinha um quarto e o
meu avô outro. Fazia-me espécie, mas achava que devia ser por mor do ressonar,
do dar muitas voltas na cama. Quando meus pais passaram, também eles, a dormir
em camas separadas, já compreendi melhor.
Meu
pai foi, de todos os filhos, aquele que mais se lhe pareceu. Até no cachimbo e
no beijo matinal à garrafinha de medronho. Um dia, até me recitou os versos que
o Aleixo dedicara ao Joaquim da Encarnação .
Escrevi-os e enviei-os para Loulé – meu avô ia lá à feira – a fim de se incorporarem
em nova antologia do poeta. Cometi a asneira de não ficar com cópia. Perderam-se;
mas fica-me o orgulho de saber que também meu avô lhe merecera atenção !
José
d’Encarnação
Publicado
in SANCHO (Emanuel) e LOURENÇO (Ana Bela) [coord.], As Engrenagens do Tempo (Visão social da
história de 30 anos de São Brás de Alportel – 1900-1930), Casa da Cultura
António Bentes / Museu do Traje, S. Brás de Alportel, Junho de 2016, p. 35. [ISBN:
978-989-99341-3-9].
Que pena não se lembrar, hoje, dos versos de António Aleixo a Joaquim da Encarnação, pois poderia partilhá-los connosco, agora.
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