Pergunto-me,
amiúde, se vale a pena uma pessoa indignar-se. É assim a modos de, em termos pessoais,
fazermos um tratamento psicológico. Uma pessoa deixa extravasar a momentânea
raiva que lhe vai na alma e depois sente-se melhor. Daniel Oliveira, no seu
excelente programa «Alta definição», que passa na SIC no começo dos sábados,
entrevistou, a 23, o nosso melhor tenista, João Sousa, e perguntou-lhe, a dado
passo, se já lhe dera para partir a raquete. Sim, claro, já partira! «Para
aliviar a raiva!».
Não
vou partir nenhuma raquete nem um prato sequer. Lavro mui singelamente aqui a
minha indignação, até porque acredito cada vez menos nas instituições tal como
elas hoje são geridas.
‒
E podes, de uma vez por todas, explicar porque estás indignado?
‒
Sim. É muito simples: a minha Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
alfobre de tantos luminares que, séculos afora, terçaram armas pela defesa da Língua
Portuguesa, decidiu veicular as suas informações através de uma… newsletter!
Barafustei, claro,
e dei conta das mil e uma hipóteses de designar veículo idêntico. Debalde. É
moda, menino, é moda! E também já não há cartazes, mas posters; não temos desdobráveis, mas flyers (é com i ou com y?...).
E corre voz que as reuniões do Conselho Científico deverão passar a
chamar-se… brainstormings, cujos
membros serão, pois, convocados através de uma mailing list…
Regozijo
Placa toponímica em Miranda do Douro |
E
começámos a descobrir os provérbios, as lengalengas, os ditos dos nossos avós.
Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa), pelo
entusiasmo de vários docentes, entre os quais cumpre destacar a Doutora Ana
Paula Guimarães, munícipe de Cascais, há o Instituto de Estudos de Literatura
Tradicional, que, sem newsletter, vem
publicando obra de mérito. Na Academia das Ciências de Lisboa, sob orientação
de outra Ana – Ana Castro Salgado – há o Instituto de Lexicologia e
Lexicografia da Língua Portuguesa, que vai promover no próximo dia 25 de Maio «uma
reflexão conjunta sobre a língua portuguesa como idioma do futuro». De
aplaudir!
Capa do livro «Passatempo Proverbial» |
Peter
Koj, o autor, residiu em Cascais largos anos, enquanto durou a sua comissão de
serviço como professor na Escola Alemã. Dedicou-se afincadamente à aprendizagem
da língua portuguesa; mantém assíduo contacto com escritores portugueses que a Hamburgo
se deslocam. E foi agraciado, a 30 de Maio de 1996, com o Prémio da Fundação
Casa da Cultura de Língua Portuguesa (Universidade do Porto), entregue pelo
Chefe do Estado, mercê da ampla difusão que faz de Portugal, da sua língua e
dos seus costumes.
Um regozijo
que quase neutraliza, pois, a indignação – na esperança que tenho de que se
recorde ser a língua um património a defender, até porque foi com essa intenção
que, solenemente, a 17 de Julho de 1996, se constituiu a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –
CPLP. Ou terá sido também essa criação mera formalidade com fogo-de-artifício?
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 137, 27-04-2016, p. 6.
«Nem tudo o que vem à rede é peixe!» |