‒ Ó mãe, eu não percebo! O Menino
Jesus não é filho de Deus Pai Todo-poderoso?
‒ É. Foi isso que aprendeste na
escola, não foi?
‒ Foi. E é por isso que não eu
não percebo.
‒ Mas não percebes o quê?
‒ Deus Pai não é Todo-poderoso?
‒ É. O senhor dos Céus e da
Terra, como nós costumamos dizer.
‒ Então, se é o senhor disso
tudo, é rico, quer dizer, tem dinheiro, tem casas grandes…
‒ Bem, a riqueza de Deus não é
assim como a nossa. Ele tem poder, mas o poder d’Ele não se manifesta na posse
de coisas terrenas, como ter dinheiro no banco, possuir iates ou casas de fim-de-semana.
‒ Ah!...
‒ Mas, desculpa lá, Matilde.
Porque é que estás a perguntar-me isso?
‒ Porque não percebo o Natal.
‒ Não percebes o Natal?
‒ Não. O Menino Jesus, que é
filho de Deus Pai Todo-poderoso, não nasceu numa cabana e os pais não se viram aflitos
porque não havia sequer lugar numa estalagem, que é como se diz, embora eu
julgue que se deveria pensar era num hospital, numa maternidade ou mesmo na
casa duns amigos…? Agora, numa cabana, eu não entendo!
‒ Senta-te aqui ao pé de mim, Matilde.
E o pai também vai ajudar-me a explicar. O nascimento de Jesus aconteceu há mais de 2000 anos, compreendes? Não havia
hospitais, nem maternidades nem comboios nem, muito menos, telemóveis para
chamar uma ambulância.
‒ Ah! Eu já ouvi dizer que houve
meninos que nasceram em ambulâncias.
‒ Ora aí está! ‒ atalhou o pai. –
E porque é que nasceram na ambulância?... Porque não houve tempo para chegar ao
hospital! Ora, nesse tempo, há 2000 anos, Maria e José tiveram de ir a Jerusalém
recensear-se.
‒ Recensear-se? O que é isso de recensear-se?
‒ Tu já viste que nós, de vez em
quando, vamos votar a uma escola ou a um pavilhão desportivo para escolher o
presidente da República.
‒ Ah! Agora, como quando escolheram o presidente Marcelo?
‒ Sim. Saímos de casa e fomos até
ao lugar do voto. Assim aconteceu
com Maria e José: tiveram que sair da sua terra e lá foram, num burrinho –
nessa altura não havia automóveis ‒ a caminho de Jerusalém. Ora, no caminho, Maria
começou a ter as dores do parto e José, aflito, procurou aqui e ali e ninguém
os acolheu e eles tiveram que ir para uma cabana!
‒ Uma cabana onde há animais e
tudo?
‒ Bem, isso é uma maneira de
dizer. Naquele tempo, aproveitavam-se as grutas naturais e as pessoas faziam aí
a sua casa.
‒ Como os sem-abrigo que estão debaixo
das pontes ou nos vãos das escadas?
‒ Sim e não. Porque isso era normal. Um dia, nós levamos-te, por exemplo, a
Matmata, na Tunísia, e verás como, ainda hoje, há pessoas que vivem bem nessas
grutas. Nos arredores duma cidade tão bonita como é Granada, em Espanha, também
é assim.
‒ Ah! Então não era assim tão
mau! Mas… não se diz que Nossa Senhora pôs o menino na manjedoura?
‒ Isso é uma maneira de dizer,
para que se entenda melhor. Sabes, às vezes, para explicar as coisas, a gente
usa as ideias de agora.
‒ Mas, ó pai, e depois não apareceram
pastores com prendas e o burrinho e
a vaca não aqueceram a gruta para o Menino não ter frio?
‒ Cá está o que eu te dizia. A história
foi contada assim para as pessoas entenderem melhor. Claro que, nessa altura, o
povo vivia da pastorícia, ou seja,
tinha ovelhas e cordeirinhos e era essa a riqueza que tinham. Por isso, nada
mais natural do que, ao saberem que uma senhora dera à luz um menino ali, desconfortado,
lhe fossem dar presentes. Hoje, a gente, quando uma amiga nossa tem um filhote,
não vamos vê-la e não lhe levamos um presente? Nessa altura, não havia fraldas descartáveis
nem biberões e, por isso, um cordeirinho era óptimo para ajudar nas refeições
dos primeiros dias e dar força a Nossa Senhora para tratar do Menino.
‒ Ó pai, mas se Deus é Todo-poderoso
não podia ter feito nascer o Menino assim no Verão, num dia quente e não quase
à meia-noite duma noite de Inverno?
‒ Essa é uma boa questão,
Matilde. Nesse tempo não havia calendário como nós temos nem relógios. Era tudo
mais ou menos! Do nascer ao pôr-do-sol. Por isso, muitos anos mais tarde,
quando foi necessário pensar em que dia teria sido, acharam que o melhor era pôr
assim mesmo no começo do Inverno, até porque já havia entre os Romanos, nessa
altura, a festa do nascimento do Sol Invencível. Ora, não era o Menino Jesus como um Sol Invencível? Era, pois! Estão substituíram
a festa dos Romanos pela dos Cristãos.
‒ Mas, ó mãe, tu sabes quem é a
Dolores, aquela minha amiga espanhola.
‒ Sim, sei.
‒ Eles, em Espanha, a festa é no Dia
de Reis, a 6 de Janeiro.
‒ Boa questão, Matilde. É que o
nascimento do Menino Jesus já se esperava há muito tempo e havia sábios que estudavam
os astros (por sinal, onde hoje está tudo em guerra, lá na Síria) e sabiam que,
um dia, quando nascesse esse Salvador, eles teriam um sinal no céu. Ou foi um
cometa ou dois planetas cuja luz se juntou e foi mais intensa do que o
habitual. Era o sinal! E, como viviam no deserto, montaram-se nos camelos e, guiados
por essa «estrela» (como se diz), lá foram até Belém e ofereceram ao Menino presentes.
‒ Mas são presentes esquisitos,
pai! Ouro, incenso e… mirra!
‒ Isso eu não sei bem explicar, mas
acho que também é uma coisa que se inventou para ser simbólica, assim como uma lição de vida, assim como tu ofereceres uma rosa à mamã
para lhe dizeres que gostas dela. O ouro são as riquezas; o incenso é – creio
eu – o símbolo do louvor, da necessidade que todos temos de apreciar o que os
outros fazem de bom e a mirra…
‒ Já percebi, Interessa-me é a história
dos presentes. Já pensaram no que me vão dar este ano? Claro, não é para mim, é
em honra do Menino Jesus!...
Cascais, 14-10-2016
José
d’Encarnação
[Integrado nas pp. 31-34 da antologia Histórias e Contos de Natal, editada pela Externato Rainha D. Amélia, de Lisboa, Dezembro de 2016].