Claro,
apressei-me a ir ao dicionário cibernético e fiquei a saber tudo sobre o
anunciado (na hora) cocktail dinatoire: trata-se de um «apéritif au cours duquel sont servis de nombreux
amuse-gueules et qui peut donc remplacer un vrai dîner». Perdão, para além da
língua inglesa, há poucos idiomas que hoje se conheçam e, então, o francês é aquele
que mais anda pelas ruas da amargura. Eu traduzo: «Aperitivo durante o qual se
servem numerosos petiscos e que pode, por isso, substituir um jantar no
verdadeiro sentido da palavra». Ora toma!
Inteligentes foram, pois, os
serviços de relações públicas da Câmara, porque (surpresa!?) omitiram na
informação a referência ao cocktail dinatoire. Fica-nos de
emenda: para a outra vez, é tratar de perguntar tudinho com antecedência, para
não se ir jantado, às 21 horas, com cafezinho já bebido e tudo, e depois passam
os senhores com todos aqueles gulosos acepipes, uma tentação, aqueles
brigadeiros de caça, os cubinhos de sushi, ui…
Começaram, pois, regaladamente as comemorações. E o
aviso sério à galera: informar-se bem, previamente, do que vai acontecer!
O acontecimento
A
ideia era que se iria apresentar a Comissão de Honra das Comemorações e ter uma
ideia do programa já gizado para o período de Junho de 2014 a Junho de 2015.
Da
Comissão soube-se que era presidida por Francisco Pinto Balsemão, que fez
discurso mui oportuno a referir-se à vila como um lugar de convergência, ecuménico
no sentido de saber receber e ter recebido as mais variadas gentes ao longo da
sua história; e estas comemorações assumem-se, pois, como forma de cimentar a
identidade própria que a vila tem, na afabilidade das pessoas e do clima.
O
Presidente da Câmara saudou os convidados e traçou uma panorâmica do que vai
pretender fazer-se, para relembrar esse ano em que os cascalenses ousaram
quebrar a sua dependência de Sintra, «cuja aldeia eram». Um livrinho
distribuído na ocasião complementa o programa referido.
Não
terão explicado muito bem a Nikolay Lalov a circunstância em que lhe
solicitaram o concerto que culminou o serão. Disseram-lhe que era um ‘concerto
VIP’ e maestro que se preza não está com meias-medidas e quis brindar-nos com a
abertura de ‘L’Amore Industrioso’ de João de Sousa Carvalho (1745-1800), um protegido
d’el-rei D. José I e professor de música da Corte. Nem toda a gente se
apercebeu que a peça tinha três andamentos e, por isso, houve aplausos entre um
e outro (o mesmo aconteceria outras vezes…). Veio depois «Exultate Jubilabe»,
de Mozart, em que exultámos e nos rejubilámos com a linda e potente voz da soprano
Sandra Medeiros: brilhou sobejamente! E, após o «intermezzo» do austríaco Franz
Shrecker (1878-1934), a Orquestra de Câmara de Cascais Oeiras, atacou a «Suite rústica
nº 2» de Fernando Lopes-Graça (era obrigatório, claro!) e terminou com o
«Divertimento para cordas» de Sérgio Azevedo, um jovem (nasceu em 1968) que tem
escrito peças para a orquestra. E o maestro ainda nos serviu um ‘encore’, o 1º
andamento (creio) de uma peça de Joly Braga Santos, que é igualmente um dos mais
aplaudidos no reportório da OCCO.
Foi,
de facto, ‘concerto VIP’; mas, se calhar, o que se teria pretendido era mais um
‘aperitivo’ musical, levezinho, a suscitar apetite para as muitas actuações que
a OCCO vai ter, sem dúvida, no decurso das comemorações.
Um serão em grande
Cumpre,
por conseguinte, assinalar que foi, na verdade, uma noite «em grande», tão ao
gosto do actual executivo camarário. Com imensos fotógrafos e imensas poses,
para gáudio das revistas sociais. Ora ponha-se agora aí a jeito – e logo há
cinco objectivas a disparar nervosamente!... Não pode perder-se pitada!
Na
página da Câmara – sob o título «Cascais celebra 650 anos de História | Início
das Comemorações» – poder-se-á aceder (com um bocadinho de sorte e alguma
paciência na busca) ao vídeo (excelente reportagem de Laís Castro, com edição e
montagem de Ana Laura) do acontecimento. Lá vem igualmente o rol das 73 personalidades
e das 26 colectividades (com mais de 50 anos) que, juntamente com os membros do
Executivo e o presidente da Assembleia Municipal, integram a Comissão de Honra.
Aí se verá, na prática, o espírito de convergência a que se referiu Pinto
Balsemão, dado encontrarmos individualidades dos mais variados quadrantes.
E
o renovado Palácio da Presidência da República, na Cidadela, constituiu, na
verdade, local paradigmático e simbólico para esta solene apresentação. Ouviram-se
muitos comentários de convidados a manifestar a inesperada admiração pelo
sítio, que não conheciam assim restaurado.
As recordações de Pinto
Balsemão
Francisco Pinto Balsemão teve ocasião de viver também
numa Cascais bem diferente da de hoje; não será, pois, despropositado transcrever
aqui uma passagem – ainda que um tudo-nada longa – do depoimento que deixou na
página da Câmara. É que, na verdade, tal como ele, centenas de cascalenses que
viveram as comemorações dos 600 anos, em 1964, tiveram aqui as experiências de
que Pinto Balsemão ora aproveitou o ensejo para recordar. A Cascais dos anos 50
e 60! Bem haja, Francisco!
«Foi nas nossas praias e na nossa
baía que aprendi a nadar, com o velho professor Teixeira, a remar, a velejar, a
pescar lulas, a fazer ski aquático e também a namorar, a “bater” a praia do
Tamariz, a piscina do Hotel Atlântico, com eventual subida aos gelados Santini.
Foi no Guincho e na piscina da Marinha que ensinei os meus filhos a furar as
ondas, a fazer carreirinhas, a mergulhar. Foi no Golf do Estoril que aprendi,
com o velho professor Bernardino, a jogar o meu desporto favorito e que
entusiasmei a minha mulher a praticá-lo. Foi na antiga patinagem do
Dramático, ali ao pé do hipódromo, que aprendi, com o velho Xavier, a jogar
hóquei e também dei os meus passos de dança, nos bailaricos de sábado à
noite, que levariam a voos mais altos na Choupana, na Canoa, na Ronda, no
eterno Van Gogo.
Foi na Marginal que pedalei livre (e
arriscadamente, já na altura) de bicicleta, infringindo as proibições dos meus
pais, e que, mais tarde, numa fantástica Cucciolo, levei a passear algumas
meninas mais atrevidas. Foi num arraial da Parada que, pela primeira e única
vez, ousei fazer uma pega de caras a um novilho que, na altura, mais me parecia
um enorme búfalo. Foi em Cascais que assisti aos melhores festivais de jazz, do
esplendor de Villas-Boas à capacidade de continuação de Duarte Mendonça.
[…]
Sou devedor de Cascais e,
definitivamente, não quero a reestruturação da minha dívida…».
Publicado em Cyberjornal, edição de 28-03-2014:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=359:em-clima-presidencial-o-cocktal-dinatoire-anunciou-as-comemoracoes&catid=108&Itemid=67