sexta-feira, 28 de março de 2014

Em clima presidencial, o cocktail dinatoire anunciou as comemorações

             Um muito bem servido cocktail dinatoire abriu, a partir das 21 horas, no passado dia 21, as comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a vila.
            Claro, apressei-me a ir ao dicionário cibernético e fiquei a saber tudo sobre o anunciado (na hora) cocktail dinatoire: trata-se de um «apéritif au cours duquel sont servis de nombreux amuse-gueules et qui peut donc remplacer un vrai dîner». Perdão, para além da língua inglesa, há poucos idiomas que hoje se conheçam e, então, o francês é aquele que mais anda pelas ruas da amargura. Eu traduzo: «Aperitivo durante o qual se servem numerosos petiscos e que pode, por isso, substituir um jantar no verdadeiro sentido da palavra». Ora toma!
            Inteligentes foram, pois, os serviços de relações públicas da Câmara, porque (surpresa!?) omitiram na informação a referência ao cocktail dinatoire. Fica-nos de emenda: para a outra vez, é tratar de perguntar tudinho com antecedência, para não se ir jantado, às 21 horas, com cafezinho já bebido e tudo, e depois passam os senhores com todos aqueles gulosos acepipes, uma tentação, aqueles brigadeiros de caça, os cubinhos de sushi, ui…
            Começaram, pois, regaladamente as comemorações. E o aviso sério à galera: informar-se bem, previamente, do que vai acontecer!

O acontecimento
            A ideia era que se iria apresentar a Comissão de Honra das Comemorações e ter uma ideia do programa já gizado para o período de Junho de 2014 a Junho de 2015.
            Da Comissão soube-se que era presidida por Francisco Pinto Balsemão, que fez discurso mui oportuno a referir-se à vila como um lugar de convergência, ecuménico no sentido de saber receber e ter recebido as mais variadas gentes ao longo da sua história; e estas comemorações assumem-se, pois, como forma de cimentar a identidade própria que a vila tem, na afabilidade das pessoas e do clima.
            O Presidente da Câmara saudou os convidados e traçou uma panorâmica do que vai pretender fazer-se, para relembrar esse ano em que os cascalenses ousaram quebrar a sua dependência de Sintra, «cuja aldeia eram». Um livrinho distribuído na ocasião complementa o programa referido.
            Não terão explicado muito bem a Nikolay Lalov a circunstância em que lhe solicitaram o concerto que culminou o serão. Disseram-lhe que era um ‘concerto VIP’ e maestro que se preza não está com meias-medidas e quis brindar-nos com a abertura de ‘L’Amore Industrioso’ de João de Sousa Carvalho (1745-1800), um protegido d’el-rei D. José I e professor de música da Corte. Nem toda a gente se apercebeu que a peça tinha três andamentos e, por isso, houve aplausos entre um e outro (o mesmo aconteceria outras vezes…). Veio depois «Exultate Jubilabe», de Mozart, em que exultámos e nos rejubilámos com a linda e potente voz da soprano Sandra Medeiros: brilhou sobejamente! E, após o «intermezzo» do austríaco Franz Shrecker (1878-1934), a Orquestra de Câmara de Cascais Oeiras, atacou a «Suite rústica nº 2» de Fernando Lopes-Graça (era obrigatório, claro!) e terminou com o «Divertimento para cordas» de Sérgio Azevedo, um jovem (nasceu em 1968) que tem escrito peças para a orquestra. E o maestro ainda nos serviu um ‘encore’, o 1º andamento (creio) de uma peça de Joly Braga Santos, que é igualmente um dos mais aplaudidos no reportório da OCCO.
            Foi, de facto, ‘concerto VIP’; mas, se calhar, o que se teria pretendido era mais um ‘aperitivo’ musical, levezinho, a suscitar apetite para as muitas actuações que a OCCO vai ter, sem dúvida, no decurso das comemorações.

Um serão em grande
            Cumpre, por conseguinte, assinalar que foi, na verdade, uma noite «em grande», tão ao gosto do actual executivo camarário. Com imensos fotógrafos e imensas poses, para gáudio das revistas sociais. Ora ponha-se agora aí a jeito – e logo há cinco objectivas a disparar nervosamente!... Não pode perder-se pitada!
            Na página da Câmara – sob o título «Cascais celebra 650 anos de História | Início das Comemorações» – poder-se-á aceder (com um bocadinho de sorte e alguma paciência na busca) ao vídeo (excelente reportagem de Laís Castro, com edição e montagem de Ana Laura) do acontecimento. Lá vem igualmente o rol das 73 personalidades e das 26 colectividades (com mais de 50 anos) que, juntamente com os membros do Executivo e o presidente da Assembleia Municipal, integram a Comissão de Honra. Aí se verá, na prática, o espírito de convergência a que se referiu Pinto Balsemão, dado encontrarmos individualidades dos mais variados quadrantes.
            E o renovado Palácio da Presidência da República, na Cidadela, constituiu, na verdade, local paradigmático e simbólico para esta solene apresentação. Ouviram-se muitos comentários de convidados a manifestar a inesperada admiração pelo sítio, que não conheciam assim restaurado.

As recordações de Pinto Balsemão
            Francisco Pinto Balsemão teve ocasião de viver também numa Cascais bem diferente da de hoje; não será, pois, despropositado transcrever aqui uma passagem – ainda que um tudo-nada longa – do depoimento que deixou na página da Câmara. É que, na verdade, tal como ele, centenas de cascalenses que viveram as comemorações dos 600 anos, em 1964, tiveram aqui as experiências de que Pinto Balsemão ora aproveitou o ensejo para recordar. A Cascais dos anos 50 e 60! Bem haja, Francisco!
            «Foi nas nossas praias e na nossa baía que aprendi a nadar, com o velho professor Teixeira, a remar, a velejar, a pescar lulas, a fazer ski aquático e também a namorar, a “bater” a praia do Tamariz, a piscina do Hotel Atlântico, com eventual subida aos gelados Santini. Foi no Guincho e na piscina da Marinha que ensinei os meus filhos a furar as ondas, a fazer carreirinhas, a mergulhar. Foi no Golf do Estoril que aprendi, com o velho professor Bernardino, a jogar o meu desporto favorito e que entusiasmei a minha mulher a praticá-lo. Foi na antiga patinagem do Dramático, ali ao pé do hipódromo, que aprendi, com o velho Xavier, a jogar hóquei e também dei os meus  passos de dança, nos bailaricos de sábado à noite, que levariam a voos mais altos na Choupana, na Canoa, na Ronda, no eterno Van Gogo.
            Foi na Marginal que pedalei livre (e arriscadamente, já na altura) de bicicleta, infringindo as proibições dos meus pais, e que, mais tarde, numa fantástica Cucciolo, levei a passear algumas meninas mais atrevidas. Foi num arraial da Parada que, pela primeira e única vez, ousei fazer uma pega de caras a um novilho que, na altura, mais me parecia um enorme búfalo. Foi em Cascais que assisti aos melhores festivais de jazz, do esplendor de Villas-Boas à capacidade de continuação de Duarte Mendonça.
            […]
            Sou devedor de Cascais e, definitivamente, não quero a reestruturação da minha dívida…».

quarta-feira, 26 de março de 2014

Foram passear os cães!...

            Na manhã de sábado, 22 de Março, os responsáveis pela Fundação São Francisco de Assis, sita, como se sabe, no Zambujeiro (Cascais), decidiram comemorar a chegada da Primavera, começando com uma plantação de árvores e, sobretudo, organizando o que chamaram de «III Pegada»!
            Pois a pegada foi nada menos do que uma caminhada pelos matos felizmente ainda existentes em redor do Zambujeiro, um nicho ecológico do maior interesse que muito importa preservar.
            Demandaram o Rio Marmeleiro – que assim se chama a Ribeira das Vinhas por aquelas paragens – e, aspirando o ar puro e bem cheiroso dos tojos e de muitas plantas indígenas ora em flor, apreciaram o murmúrio das águas correntes (ali nada poluídas), vieram saudá-los melros e felosas…
            Mas… a caminhada não foi de propósito para os 67 Amigos da Fundação e os 24 Escuteiros e Chefes do Agrupamento de São Pedro e São João do Estoril que os acompanharam! A companhia mais importante foi outra: 19 cães de companhia e 23 cães residentes que estão para adopção na Fundação. Alegria, pois, dos caminhantes e, de modo muito especial, alegria imensa para os cães que passam seus dias no canil à espera que alguém os venha buscar para partilharem vidas e companhias. Nessa manhã, foi saborosa a partilha, ainda que efémera, de poucas horas. Valeu muito, porém.
            A convite do Dr. Nunes de Carvalho, tive ensejo de esperar aos caminhantes no degradado parque urbano das Penhas do Marmeleiro, um grito de alarme contra a falta de cidadania de alguns, que se divertem a incendiar, a partir painéis que ali explicavam a biodiversidade. Pois foi de biodiversidade que, em breve apontamento, falei aos ‘caminheiros’: da importância dos matos para o equilíbrio ecológico e, nesta altura do ano, para a nidificação. Referi a importância da Ribeira das Vinhas; o pisão, que existira mais acima, da Fábrica de Lanifícios; o relevante papel da bateria de Alcabideche, de que resta um canhão junto ao hospital; a villa romana do Alto do Cidreira (em Carrascal de Alvide, que dali se via)... Enfim, procurei fazer, como se diz na página do facebook da Fundação, «o enquadramento histórico das Penhas do Marmeleiro».
             A IV Pegada está prevista para 26 de Abril!

Publicado em Cyberjornal,  edição de 26-03-2014:

sábado, 22 de março de 2014

Os nossos frutos, riqueza esperdiçada…

              Está – segundo me disseram – à espera de remodelação o pólo museológico dos frutos secos, em Loulé. Constituía – e espero que depressa volte a constituir – um hino ao aproveitamento da alfarroba e da amêndoa, riquezas que não podemos esperdiçar.
            Custa-me, na realidade, encarar a desvairada situação actual: dum lado, alfarrobeiras, oliveiras, figueiras e amendoeiras por apanhar, por tratar; do outro, uma juventude (e não só) que não tem emprego e queria ter. Apanhar alfarroba ou amêndoa ou mesmo os figos para depois secarem no almanxar é, porém, tarefa que se não coaduna com os estudos que fizeram e é mal paga, em seu entender. Os produtores, por seu turno, consideram que lhes dá menos prejuízo deixarem tudo assim do que pagarem jornas que significam débitos sem contrapartidas.
            Uma situação que todos bem conhecem; uma situação que requer, porém, mui urgente inversão, que exige uma inteligência que, a nível local (não, não vale a pena esperar pelos governos, porque os seus membros disso nada percebem…), meta mãos à obra, ponha a gente a pensar, realize colóquios e… vamos à acção!
            Assim, como estamos, não dá! Há que mudar mentalidades, há que ponderar: cinco, embora pouco, é melhor que zero!...
                                                           
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 208, 20-03-2014, p. 21.
 

quarta-feira, 19 de março de 2014

Na prateleira - 19

Dream room!
            Fiquei deveras entusiasmado! No sábado, dia 8 de Março, Dia da Mulher, realizou-se a semifinal para apuramento das canções candidatas a Concurso Eurovisão da Canção deste ano. Dez canções encomendadas a dez compositores de estilos diferentes, aos quais competia também escolher o seu intérprete. Estamos a comemorar o 50º aniversário da participação portuguesa neste certame, que, até há uma década atrás, mais coisa menos coisa, ainda despertava o entusiasmo da população e que, hoje, quer pelo figurino adoptado (o voto pelo telefone) quer porque são tantos os concursos e tantas as chamadas a fazer pelo 760, já não despertam o interesse de outrora.
            Porque fiquei entusiasmado? Com a dream room! A cena passa-se, ia-me esquecendo de dizer, na Rádio e Televisão de Portugal. Escrevi correcto: «de Portugal». Mas a sala para onde se refugiavam os intérpretes à espera do veredicto da votação telefónica (muito devem ganhar as operadoras telefónicas com estas chamadas de valor acrescentado!...), recebeu o pomposo nome de… dream room! Não, não é a Casa dos Sonhos, nem o sítio onde, em 28 de Agosto de 1963, o reverendo Martin Luther King proclamou "I have a dream"! De facto, os concorrentes tiveram um sonho; felizmente, que por ser em Portugal, acabaram por ter de escrever as letras em língua vernácula. O sonho deles, porém, escreveu-se em língua… estranha!
            Mas… não é essa estação televisiva (ora a festejar 57 anos de emissões) que solenemente se proclama de serviço público nacional, nosso, portuguesíssimo de gema?!...

Até 2018!
            O título, a 18-02-2014: «Enzo já assinou até 2018». E a abertura: «A renovação de contrato do médio argentino dos encarnados Enzo Pérez merece hoje o destaque do jornal ‘A Bola’».
            Mais uma vez, achei piada. No mundo do futebol, o provisório é definitivo sempre. Ou seja: tudo é definitivamente provisório. O treinador está hoje ‘de pedra e cal’ e amanhã vê lenços brancos a acenarem-lhe. Enzo… onde estará em… 2015?

Chocolate, chocolate!
            Último fim-de-semana de Fevereiro. O mercado da vila de Cascais abriu as portas a uma feira de chocolate. Pondo de parte o facto de a ideia já vir doutras paragens, o certo é que funciona como exposição itinerante e os feirantes são, decerto, os mesmos, a andar de terra em terra.
            Admira, porém, haver tanta gente a fazer chocolate artesanal, um pouco por todo o País, e aqui se ajuntam, com as suas especificidades.
            Diga-se que se torna mui difícil resistir à tentação, tamanho é o aliciante. Fez-se fila para entrar, no domingo à tarde, apesar de o tempo estar de cara façanhuda. E… quem disse aí que era preciso ter cuidado com a diabetes e o excesso de peso e a gulodice? Tentação é tentação e, enquanto há vida há esperança, trinque-se este naco gostoso, porque a gente não sabe como é que amanhã vai ser!
 
Virei no Estoril-Sol
            – Sabes, estava uma fila enorme, deve ter havido um acidente lá à frente, no Monte Estoril. Acabámos por fazer inversão de marcha no Estoril-Sol!
            – No Estoril-Sol?
            Sim, pois. Tens razão, já não há! Teremos saudades?

Transferências bancárias
            Noticiava o Jornal de Negócios de 27 de Fevereiro que «as transferências bancárias online são cada vez mais a escolha preferencial dos portugueses, pois assim se evita uma deslocação ao banco e os custos são menores». No entanto, acrescentava a notícia que «estes custos têm vindo a aumentar e, das 13 instituições bancárias analisadas, apenas quatro continuam a garantir a gratuitidade deste serviço».
            Eu próprio me disponibilizara a usar o processo, no dia anterior, e, como quem não quer a coisa, cliquei sobre a linha onde dizia algo como «veja quanto lhe vai custar a transacção». Reparei que já não era gratuita e… desisti!
            Pensei para com os meus botões: tenho o meu dinheiro no banco; o banco pode usá-lo dentro de certas regras, é certo, mas serve-se dele para o rendibilizar para si (que não para mim, porque juros de depósito à ordem foi chão que deu uvas há muito!...). A transferência sou eu (mão-de-obra) que a faço; tudo é automático, sem intervenção de ninguém. Por que carga d’água é que tenho de pagar comissão? Capitalismo desenfreado é o que é!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 37, 19-03-2014, p. 6.

 

segunda-feira, 17 de março de 2014

«Ó Portugal, hoje és nevoeiro!»

            Não, a frase não é minha nem de nenhum dos mui ilustres membros da Confraria dos Comentadores (políticos, económicos, desportivos…) que pululam nos meios de Comunicação Social e, claro, nas chamadas redes sociais.
            Pasmei! Não era de nenhum deles e constitui, sim, uma ‘abertura’ do ‘Livro Agenda 2014’, que a Céu gentilmente me ofereceu em dia de aniversário, inteiramente dedicada ao senhor Fernando Pessoa. Tem, pois, excertos de obras do Poeta para todas as semanas e uma abertura em cada mês.
            Pois o poema escolhido para este mês de Março – e já o foi há muito tempo, desconhecendo os editores quão oportuna iria ser a sua escolha… – tem por título «Nevoeiro». Termina pelo verso que puxei a título «Ó Portugal, hoje és nevoeiro!» e começa assim:
 
                                    «Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
                                    Define com perfil e ser
                                    Este fulgor baço da terra
                                    Que é Portugal a entristecer».
 
            Esteve bem nevoento, na verdade, esse dia 1; mas não era, de facto, a esse nevoeiro atmosférico que o Poeta queria referir-se, mas à tristeza que nos invade – como, incómoda, se nos entranha na roupa até aos ossos a fria neblina prenhe de gotículas nestas manhãs sem amanhã em que ora se nos esvaem jornadas…
            Por entre elas perpassam discursos, discursos, discursos. E a gente até se admira como é que há tempo para tanto discurso. Estes ‘senhores’ só fazem discursos? Não estudam, não param, não fazem exame de consciência, não meditam ao final do dia a ver, lento, o Sol a cair no mar?...
            E contava a Elysabeth: «Meu filho, you know, educado como foi, quis cortar com despesas escandalosas, contas de mil euros em telemóveis, ‘empregados’ metidos à força, sem habilitações e a ganhar muito mais do que os peritos que ele já tinha ao seu serviço… Contrataram outro para as suas funções. Fugiu-lhe o tapete de debaixo dos pés. Pediu a demissão, claro!... Esse é o nevoeiro de que falava Pessoa, meu amigo! Essa é a tristeza que nos penetra ossos adentro! E nós… impotentes!».

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 635, 15-03-2014, p. 11.

 

terça-feira, 11 de março de 2014

Entretenha

             Dias tristes, estes, de um Inverno rigoroso, catástrofes apocalípticas, provocadas pela insanidade humana que desrespeita a biodiversidade e comete nefandos atentados ecológicos. É o que dá!
            Havia, outrora, o tronco carcomido de alfarrobeira, serenamente lambido pelas chamas que afastavam humidades – que as paredes já as reviam!... – e fomentavam convívio. A entretenha antes da deita.
            – Que é que estás pr’aí a escarafunchar? (Era o meu pai a ajeitar um tronquinho que se escapulira do fogo e minha avó queria ‘conversa’!...).
            – Estou a espevitar o lume, Ti Bia dos Santos! Este tronco deu-lhe uma sulimpampa (não viu?) e atirou-se cá para fora. Mas olhe que a sua tenaz já não tem jeito nenhum, é roscofe patente! Precisa de uma de marca corneta!
            E ríamo-nos.
           
«Roskopf patent» era o que se lia no mostruário dos relógios baratos de bolso que Georges F. Roskopf (1813-1889) fabricara, uma patente tão mal vista que «roscofe» se aplicava a tudo o que não prestava! A corneta (dessa me lembro, tinham as tesouras, os alicates… uma corneta gravada) era, ao invés, sintoma de muito bom aço!

            Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 182, Março de 2014, p. 10.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Na prateleira - 18

Tinha que ir arrumar
            A Inês encontrou finalmente o rolo que precisava. Trazia outro na mão, mas não era o que pretendia.
            – Sabe, minha senhora, onde poderei encontrar um rolo?… – E explicou as características do que procurava à empregada do supermercado. Afinal, estava mesmo ali. Óptimo!
            – Desculpe, eu trazia este. Posso deixar aqui?
            – Poder, pode! Mas depois eu tenho de o ir arrumar!....
            – Ah! Pois é, desculpe, deixe estar que eu vou, não se incomode!

As pausas aumentam a produtividade!
            Deu conta o jornal I, na sua edição do dia 25 de Fevereiro, das conclusões a que chegara Alexandra Pereira, na tese de mestrado defendida no Instituto de Psicologia Aplicada da Universidade Europeia:
            «Os minutos ‘despendidos’ a fumar um cigarro, a beber um café com os colegas ou, simplesmente, a trocar dois dedos de conversa, contribuem para aumentar a produtividade dos trabalhadores».
            Essas pausas, continua a nota, «ajudam a combater a fadiga ou o bloqueio mental, a descomprimir, e – o mais importante! – a aumentar a energia e a produtividade do trabalhador».
            Uma tese em Ciências Humanas, claro! Daquelas que são malditas pela ‘inteligência’ dos governantes e, ao que se sabe, até pela dos mui dignos gestores de entidades como a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pois, para eles, Ciência e Tecnologia pouquíssimo têm a ver com ‘isso’ das Ciências Humanas, das psicologias, das sociologias e disparates afins...
            Não antevejo, pois, futuro risonho para Alexandra Pereira, dado que rema contra a maré.
            Mas, em todo o caso, fique a saber, menina, que tem todo o meu apoio. Que também eu sou dessa opinião e clamo contra os estúpidos princípios economicistas que ditaram a supressão dos feriados; que aboliram a recompensa em dias de férias para quem não faltasse ao trabalho durante o ano; que aumentaram o horário de trabalho diário. Estou contra, como muita gente está, porque se parte de um pressuposto errado: «Quanto mais horas de trabalho, maior é a rendibilidade». Pois. Se tivessem estudado Psicologia e não pelo estreito Manual do Economicista, saberiam que o rendimento do trabalho é proporcional à motivação, ao empenho pessoal, ao gosto pelo que se está a fazer, sem olhar para o relógio e pensar que faltam 29 minutos e meio para eu me pôr a milhas daqui!... A senhora, empregada da grande superfície, com quem a Inês falou e a quem não apatecia ter de ir pôr o rolo no lugar, estava, certamente, a contar os minutos que faltavam para sair e não o tempo em que ainda ali poderia estar a ser útil a si e aos demais, olhando para a vida com serenidade e boa disposição. Se calhar, um dia destes, é capaz de querer ter um rolo para arrumar e… será tarde de mais!
            Gostaria eu que não fosse tarde de mais para os que pensam estar a governar os países europeus pararem um pouco em reflexão e olharem, com olhos de ver, para o mundo concreto que os rodeia, não para aquele que imaginam. Homens, mulheres não são máquinas! Para as máquinas serve a Ciência e a Tecnologia; para as pessoas, servem outras ciências, aquelas que conhecem o valor de um sorriso, de uma palavra dita no momento certo.
            A Noémia passou o semestre a faltar. Veio duas vezes às aulas, para fazer os testes. Umas olheiras!... Aluna do turno da noite. Reprovou por faltas à avaliação contínua. O exame da 1ª época, um desastre! O professor não se deu por vencido – porque, ele, tinha estudado não apenas a Ciência que estava a leccionar, mas Psicopedagógicas também (saberão os ‘mandantes’ o que isso é?!...). Insistiu com a Noémia em dois e-mails:
            ‒ Fazes favor, apareces-me na 2ª época! Quero-te lá!
            Apareceu. Banhada em lágrimas. Uma pilha de nervos, porque mais um drama sentimental e familiar sobre ela desabara nessa tarde. Estavam dois professores no corredor. Olharam-na nos olhos. E disseram-lhe que deitasse tudo para trás das costas. O que importava agora era o teste que ia fazer. Ela era capaz! O docente deixou passar algum tempo, contou uma anedota, distendeu o ambiente. E a Noémia, a que só faltava essa cadeira do semestre, passara a todas as outras, obteve, sem favor, 14 valores. O professor rejubilou. Noémia ganhou nova alma. Tenho a certeza de que, mesmo que, já licenciada, comece a vida de trabalho como simples empregada de supermercado, nunca dirá «pois lá terei eu de o ir arrumar e foi a senhora que o tirou do sítio»!...
                        
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 35, 05-03-2014, p. 6.