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Prof. Doutor J. M. Pedrosa Cardoso
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Foram meses de muito sofrimento, encarado
sempre, porém, com a maior serenidade. Dúvidas clínicas, tratamentos de choque,
internamentos, altos e baixos. Acima de tudo, serenidade, esperança, o esboçar
dum sorriso aberto. Porventura, na certeza de um dever cumprido, bom caminho
calcorreado mesmo que por veredas difíceis.
No último mês, a consciência perfeita
de que a meta estava bem próxima e que convinha preparar-se para, corajosamente,
a cruzar. Começaram, pois, os preparativos e, a 14 de Novembro, a esposa
escrevia-nos:
«Não pode receber
visitas, apenas eu o posso ver. Está sereno, sem dores, muitíssimo cansado.
Preparado para a viagem onde será recebido pelo PAI CELESTIAL. Ontem escrevi a
seu pedido as músicas que se vão ouvir na sua partida, no velório. Pediu que
fosse feito silêncio e nada de LÁGRIMAS. […] Fiquem tranquilos, porque a PAZ
está connosco. Darei notícias».
E a mensagem ditada, que eu não
lograria ler sem impertinente nó na garganta. Manuela quis que ficasse gravada na
pagela in memoriam que nos entregou. A mensagem sob a sua colorida foto
sorridente; do outro lado, em tons de cinza, as mãos que se entrecruz(ar)am na
melodia do Amor – num halo de eternidade!
E é assim:
«A morte não é nada.
Eu apenas atravessei para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para cada um de vocês continuarei a
sê-lo. Chamem-me pelo nome por que sempre me chamaram, conversem comigo de
forma espontânea, como sempre fizeram. Vocês continuam a viver no mundo das criaturas,
eu agora vivo no mundo do Criador! Não utilizem um tom diferente, solene ou
triste. Continuem a rir daquilo que nos fazia ruir juntos.
Rezem, riam, pensem em mim. Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado como sempre foi.
Sem ênfase alguma, sem sombra ou tristeza.
A vida continua a ter o mesmo significado que
sempre teve, não houve nenhuma quebra de continuidade. Porque deveria estar fora
dos vossos corações, apenas porque estou fora da vossa vista? Eu não estou
longe. Apenas atravessei para o outro lado do Caminho… Eu estou à espera… aqui
ao lado.
Vocês que ficaram aí sigam em frente. A vida
continua linda como sempre foi.
Está tudo bem».
Ainda não eram 10 horas de 10 de Dezembro.
A partida fora a 8, dia da Imaculada Conceição, outrora Dia da Mãe em Portugal.
No silêncio do Centro Funerário,
após as orações rituais, «lembra-te, ó homem, que és pó», as preces íntimas, as
emoções em tropel… irrompeu, glorioso, o Aleluia de Haendel. Como pedira. Frémito
nosso. Silêncio total.
Depois, o sinal – sim, pode abrir
a porta! Pesadas e lentas, as cortinas desviaram-se. A essa, sem pressa, seguiu
o seu caminho. E nós ficámos.
ooo
Como José Maria Pedrosa d’Abreu
Cardoso pedira, as cinzas serão espalhadas pelo mar de Lagos, a cidade que, depois
de Guimarães, mais o acarinhou. A foto escolhida para recordação é a dele,
sorridente, na entrevista, em Abril deste ano, à rádio da sua terra natal, a
contar o que seriam as músicas por ele escolhidas para a sua Semana Santa.
Da Manuela e do Zé Maria,
guardarei, indelével, o forte testemunho de Vida perante o cenário da Morte.
Cascais. 13 de Dezembro de 2021
José d’Encarnação