Leonarda
fora, em jovem, uma moçoila jeitosa; hoje, dedicada esposa, mãe de filhos, professora
universitária de mérito e directora da revista a que o artigo se destinava.
Este «atira-o!» fez Rafael recuar umas três décadas e não resistiu, ao seu
jeito meridional:
–
Quem se atirava a ela era eu!
–
Malandreco! – o comentário do colega que não se fez esperar, no correio
electrónico imediato.
Contaram-me
a história e eu fiquei a meditar: atirar! Que boa conotação tem este verbo!
E,
no contexto em causa, vêm de imediato à mente os grafitos, rasgados em troncos
de árvores ou nervosamente pintados em paredes, de um coração trespassado por
uma seta. A seta que o Cupido atirara!
Dezembro
é mês que também incita ao amor, designadamente ao amor místico, envolto no
misterioso halo da celebração natalícia. E vem a Missa do Galo. E não é que o
verbo ‘atirar’ está lá? Sim, quando a missa se celebrava em latim, o sacerdote
dizia no final: «Ite, missa est!». «Ide, que a missa acabou» se traduziu muitas
vezes; contudo, não é esse o significado, mas sim «Ide, já foi lançada!».
«Missa» é o particípio passado do verbo latino ‘mittere’, que quer dizer
‘lançar’. Portanto, o que o padre queria dizer era confirmar que as preces haviam
sido feitas, devidamente encaminhadas para a divindade. Setas de amor atiradas
para o Alto!
Mantendo-nos
na ideologia católica – e porventura noutras religiões o mesmo acontecerá – preconiza-se
o uso quotidiano de jaculatórias, pequenas preces em momentos específicos,
trechos breves amiúde retirados da Bíblia, como, por exemplo, «Que o Senhor nos
acompanhe», eco, porventura, da saudação do anjo Gabriel a Nossa Senhora: «O
Senhor está contigo!». E ‘jaculatória’ vem de «jaculum», dardo!
Certamente
já todos viram alguma cena com pessoas do Médio Oriente, sobretudo homens, a
voltearem na mão um fio cheio de bolinhas. É o ‘compológuio’, um rosário
muçulmano, como o terço dos católicos. Hoje, o ‘compológuio’ funciona como
entretenha para as mãos, um serenador de tensões; originalmente, cada bolinha
era uma prece…
–
Não pense nisso! – disse eu, ao passar por uma senhora com ar de angústia,
olhar vazio no corredor da movimentada grande superfície. Nem pestanejou nem
retorquiu. Não seria algarvia nem alentejana, que essas não deixariam cair a
frase em saco roto. Ou talvez tenha pensado que eu me estava a atirar a ela!...
Não estava mesmo! Queria apenas… ser serenador de tensões!...
José d’Encarnação
Zé atira te....e amanda??? Sempre gostei muito deste vocábulo,sobretudo quando era criança e gostava de amandar a bola...já que amandar deveria ser o verbo adequado para enviar de volta a bola ao parceiro.Pois o que se pretende é dar ordem ( mandar) à bola para retornar ao colega.Portanto se fizesse um dicionário colocava lá a palavra amandar...e tenho dito!
ResponderEliminarO que eu aprendi com este texto, até sobre palavras latinas. O Latim atormentou-me pelos dois anos em que "tentei" aprender, embora tentar seja usar o verbo abusivamente, porque nunca fiz o menor esforço. E no entanto, quanto me teria ajudado a descodificar o étimo de certas palavras. Atirar...Nunca dei muita importância à palavra, mas tal como o diferente alcance que o acto pode atingir, também a sua designação encerra um mundo de significados. E já agora, é bem ousado ATIRAR um "não pense nisso" a uma desconhecida que náo nada saberá de compológuio...
ResponderEliminar