E,
na verdade, a primeira palavra que, nessa condição ,
me ocorre a propósito da solene inauguração
do Museu da Vila, ao final da tarde do passado dia 20 de Julho, pertence ao
domínio da crónica. É: desrespeito!
Mercê
da bem oleada máquina de propaganda que – mui louvavelmente – a maioria do
Executivo Municipal cascalense soube montar e mantém, era de esperar uma
enchente de público, curioso por, finalmente, ir passar a ter um espaço
museológico a contar a história da vila. Aspiração
com mais de um século, que aumentara desde que o Museu-Bibliotec a dos Condes de Castro Guimarães deixara de ser
repositório de um pouco da história local (tinha sala de Arqueologia e privilegiava
a aquisição de espólio ligado à
história cascalense), ausência aumentada pelo facto de – por dali ter saído a
bibliotec a – a afluência de cascalenses
ao ‘seu’ museu ter diminuído substancialmente.
Por
esses dois motivos, a propaganda e a expectativa, foram largas as dezenas de
pessoas que acorreram a saudar o novo espaço. Penso – mas posso estar enganado
– que tal era de esperar. E, por essa razão, se se organizara visita guiada,
ela nunca poderia ser para multidão mas sim para pequenos grupos, acho eu. Se,
para multidão, como foi, detém a Câmara Municipal meios técnicos para fazer com
que pudessem ser ouvidas tanto a voz do Senhor Presidente como a dos técnicos
que, ao longo do percurso, deram as explicações que se impunham, mormente se se
imaginasse que o público que acorreu poderia não ter a noção
do que ali se passava, ou seja, uma inauguração
e não um reencontro de amigos («Olá, como estás! Há séculos que não te via!...»).
Mas… foi reencontro de amigos!... Por outro lado, genial a ideia de ser el-rei D. Carlos a dar-nos as boas-vindas,
activadas por sensor presencial; contudo, desta sorte, Sua Majestade fartou-se
de dar as boas-vindas e também a sua repetida voz se foi sobrepondo, mui naturalmente,
quer à do Senhor Presidente quer às dos sacrificados técnicos.
Senti-me
envergonhado: não antojava que, em Cascais, num acto desta importância, para
que tantos nobres cascalenses haviam sido convocados, a algazarra fosse tão
grande, a demonstrar quão difícil é ter mão em governados assim. Aliás, isso
mesmo confidenciei com el-rei, que se limitou a encolher os ombros e me disse: «Eu
bem quisera mudar um pouco da mentalidade do Povo! Até andei por Cascais, como
sabes, a falar com pescadores e com sábios, fiz pesquisa náutica, mostrei o elevado
interesse da Ciência e do Mar… Mas, que queres? Assassinaram-me!». Tive de lhe
dar razão.
Então, senhor cronista, e o Museu?
É verdade, leitor
amigo, preciso de falar do museu, ainda que (repito), nesse traje de cronista.
Direi,
em primeiro lugar, que outra atitude não há a ter senão a de aplauso! Ver
concretizado o embrião de uma instituição
por que há tanto se ansiava, qualquer que venha a ser o seu futuro estatuto,
não pode deixar de considerar-se um acto de coragem e da maior relevância, enquadrado,
como pode considerar-se, nas comemorações dos 625 anos da elevação de Cascais a vila.
As
hipóteses de complemento ao Museu-Bibliotec a
dos Condes de Castro Guimarães haviam sido várias, praticamente uma nova em
cada novo executivo que tomava posse. Para isso foi pensado o que é hoje o Centro
Cultural de Cascais; o aproveitamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Luz; e,
até, para ainda dar mais força ao (actual) «Bairro dos Museus», um Museu da
História de Cascais no lugar deixado vazio pela demolição
do Pavilhão dos Desportos do Dramático. Também elas foram, na altura,
devidamente propagandeadas pelos executivos camarários; nenhuma, porém, chegou
a concretizar-se e, inclusive, para espanto de alguns, o tal excelente espaço do
Pavilhão foi transformado em… parque de estacionamento pago!
Por
conseguinte, depois da palavra ‘desrespeito’, qual a palavra que se impõe
registar? - Aplauso! Um grande aplauso! Por se tratar de um embrião, de
fecundidade ora garantida; por mostrar, em eloquentes penadas, o que é uma
história singular e digna de ser recordada; por constituir aperitivo de futuras
exposições temporárias a desenvolver, no Bairro dos Museus, o que ali se
apresenta como tópicos; por ter aberto ao Povo um espaço histórico a que se ju ntará, em determinadas ocasiões, a possibilidade
de visita ao bonito salão nobre do palácio.
Tem,
pois, razão o Senhor Presidente em mostrar-se ufano do embrião que tão grande
empenho pôs em gerar! A abertura deste novo espaço demonstra que Cascais pode
continuar a manter, ufana, bem desfraldada no topo do mastro do Endeavour, a
sua bandeira rubra, em feliz saudação
ao aconchego de uma baía multissecular.
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 104, 26-08-2015, p. 6.
Vitrina com significativos achados arqueológicos |
Singela homenagem aos trabalhadores da pedra |