quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Na abertura, o desrespeito falou mais alto!

             Permita-se-me que, em crónica para jornal local, eu não privilegie a minha condição de historiador nem a de museólogo, para assumir apenas o papel do jornalista.
            E, na verdade, a primeira palavra que, nessa condição, me ocorre a propósito da solene inauguração do Museu da Vila, ao final da tarde do passado dia 20 de Julho, pertence ao domínio da crónica. É: desrespeito!
            Mercê da bem oleada máquina de propaganda que – mui louvavelmente – a maioria do Executivo Municipal cascalense soube montar e mantém, era de esperar uma enchente de público, curioso por, finalmente, ir passar a ter um espaço museológico a contar a história da vila. Aspiração com mais de um século, que aumentara desde que o Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães deixara de ser repositório de um pouco da história local (tinha sala de Arqueologia e privilegiava a aquisição de espólio ligado à história cascalense), ausência aumentada pelo facto de – por dali ter saído a biblioteca – a afluência de cascalenses ao ‘seu’ museu ter diminuído substancialmente.
            Por esses dois motivos, a propaganda e a expectativa, foram largas as dezenas de pessoas que acorreram a saudar o novo espaço. Penso – mas posso estar enganado – que tal era de esperar. E, por essa razão, se se organizara visita guiada, ela nunca poderia ser para multidão mas sim para pequenos grupos, acho eu. Se, para multidão, como foi, detém a Câmara Municipal meios técnicos para fazer com que pudessem ser ouvidas tanto a voz do Senhor Presidente como a dos técnicos que, ao longo do percurso, deram as explicações que se impunham, mormente se se imaginasse que o público que acorreu poderia não ter a noção do que ali se passava, ou seja, uma inauguração e não um reencontro de amigos («Olá, como estás! Há séculos que não te via!...»). Mas… foi reencontro de amigos!... Por outro lado, genial a ideia de ser el-rei D. Carlos a dar-nos as boas-vindas, activadas por sensor presencial; contudo, desta sorte, Sua Majestade fartou-se de dar as boas-vindas e também a sua repetida voz se foi sobrepondo, mui naturalmente, quer à do Senhor Presidente quer às dos sacrificados técnicos.
            Senti-me envergonhado: não antojava que, em Cascais, num acto desta importância, para que tantos nobres cascalenses haviam sido convocados, a algazarra fosse tão grande, a demonstrar quão difícil é ter mão em governados assim. Aliás, isso mesmo confidenciei com el-rei, que se limitou a encolher os ombros e me disse: «Eu bem quisera mudar um pouco da mentalidade do Povo! Até andei por Cascais, como sabes, a falar com pescadores e com sábios, fiz pesquisa náutica, mostrei o elevado interesse da Ciência e do Mar… Mas, que queres? Assassinaram-me!». Tive de lhe dar razão.

Então, senhor cronista, e o Museu?
            É verdade, leitor amigo, preciso de falar do museu, ainda que (repito), nesse traje de cronista.
            Direi, em primeiro lugar, que outra atitude não há a ter senão a de aplauso! Ver concretizado o embrião de uma instituição por que há tanto se ansiava, qualquer que venha a ser o seu futuro estatuto, não pode deixar de considerar-se um acto de coragem e da maior relevância, enquadrado, como pode considerar-se, nas comemorações dos 625 anos da elevação de Cascais a vila.
            As hipóteses de complemento ao Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães haviam sido várias, praticamente uma nova em cada novo executivo que tomava posse. Para isso foi pensado o que é hoje o Centro Cultural de Cascais; o aproveitamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Luz; e, até, para ainda dar mais força ao (actual) «Bairro dos Museus», um Museu da História de Cascais no lugar deixado vazio pela demolição do Pavilhão dos Desportos do Dramático. Também elas foram, na altura, devidamente propagandeadas pelos executivos camarários; nenhuma, porém, chegou a concretizar-se e, inclusive, para espanto de alguns, o tal excelente espaço do Pavilhão foi transformado em… parque de estacionamento pago!
            Por conseguinte, depois da palavra ‘desrespeito’, qual a palavra que se impõe registar? - Aplauso! Um grande aplauso! Por se tratar de um embrião, de fecundidade ora garantida; por mostrar, em eloquentes penadas, o que é uma história singular e digna de ser recordada; por constituir aperitivo de futuras exposições temporárias a desenvolver, no Bairro dos Museus, o que ali se apresenta como tópicos; por ter aberto ao Povo um espaço histórico a que se juntará, em determinadas ocasiões, a possibilidade de visita ao bonito salão nobre do palácio.
            Tem, pois, razão o Senhor Presidente em mostrar-se ufano do embrião que tão grande empenho pôs em gerar! A abertura deste novo espaço demonstra que Cascais pode continuar a manter, ufana, bem desfraldada no topo do mastro do Endeavour, a sua bandeira rubra, em feliz saudação ao aconchego de uma baía multissecular.

                                                        José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 104, 26-08-2015, p. 6.
Vitrina com  significativos achados arqueológicos
 
Singela homenagem aos trabalhadores da pedra
 
O carcavelos de mui vetusta presença...
                                   
 

1 comentário:

  1. Maria Manuela Baptista 16/9 às 14:49

    mas as pessoas estao cada vez mais assim um bj


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