sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Foi uma agenda frustrada!

    «Agenda» é, hoje, palavra tão banal e tão usada que se perdeu a ideia do seu primitivo significado, embora se saiba exactamente o que ela quer dizer.
    Trata-se – imagine! – do gerundivo do verbo latino agere (leia-se ‘ágere’), que quer dizer ‘agir’. À letra, em latim, «agenda» é o rol das coisas que devem ser feitas. Uma programação de actividade que, dizem os entendidos nestas questões da psicologia humana, todos nós deveríamos ter, para o nosso equilíbrio mental. Ou, dizendo doutra forma: ao acordar pela manhã, importa que se tenha uma ideia de como é que se vai ocupar o dia. Sem qualquer tensão, obviamente, que seria pior a emenda que o soneto, mas para se chegue ao fim do dia e uma pessoa sinta que valeu a pena viver mais essas horas bem preenchidas. Quanto me custa – é certo que não tenho nada com isso e, daí, até talvez tenha, como vizinho… – ver aquele idoso a olhar para o ar, passeando o dia inteiro pelo bairro, quase ao Deus-dará… Culpa nossa, claro, que lhe não conseguimos incutir o gosto pela leitura, pela jardinagem…
    Mas voltemos, então, à agenda. Que as há de todas as formas e feitios. Não, ainda me não habituei à electrónica, do telemóvel ou do computador, creio que agenda tem de ser algo de palpável... Das normais, há as de bolso, mais íntimas, e as de secretária, para os afazeres.
    Guardei uma de 2014, já não sei quem ma ofereceu, mas adoptei-a para, nos seus dias, ir anotando aniversários e aqueles acontecimentos que importa recordar mais tarde na data em que ocorreram. E guardo-a, porque é maneirinha, meio de bolso e meio de secretária, e está dedicada ao Fernando Pessoa. Por isso, cada semana há uma frase do poeta e, ao princípio de cada mês, um texto mais longo. Para a última semana de Janeiro de 2014, a frase era esta: “Torturamos os nossos irmãos homens com o ódio, o rancor, a maldade e depois dizemos «o mundo é mau»”. O que se chama, em linguagem comum, ‘sacudimos a água do capote’.
    A agenda da Imprensa Nacional – Casa da Moeda tem sido dedicada a questões culturais. Depois de, em 2017, ter festejado os 150 anos de Camilo Pessanha, em 2018 os 250 anos da Imprensa Nacional, em 2019 «Fernão de Magalhães nos 500 anos do início da grande viagem», dedicou a Amália o número de 2020. No fundo, ao longo das semanas, um bom pretexto para relembrar.
    Não foram essas, portanto, agendas frustradas, porque ilustradas e úteis.
    A frustrada foi a do Casino Estoril do ano passado. Imagine-se que o tema, pensado obviamente muito tempo antes de o ano começar, foi… as festas! Começava com uma frase de Saramago: «Nenhum dia é festivo por ter já nascido assim: seria igualzinho aos outros se não fôssemos nós a fazê-lo diferente». E a sublinhar o réveillon:
 
«A história começou assim, o primeiro dia do ano, na madrugada fria, a beber champagne.
A multidão celebra numa dança contínua de alegria e de esperança.
A promessa de um ano novo.
Todos os desafios, todos os sonhos e oportunidades».

Esperança nunca morreu; os desafios foram demais; os sonhos tiveram de renascer todos os dias; as oportunidades houve que as inventar. Sobrevivemos. Vamos sobreviver!

Por isso, a agenda deste ano é dedicada ao tempo, «medida arbitrária que nos confere identidade; oportunidade de reflexão, busca de pertença, ideia que nos melhora».

Para não naufragar!

                                                                 José d’Encarnação 

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 330, 2021-01-28, p. 6.

Aquele toque de génio! – a propósito das artes plásticas em Cascais

        As recentes partidas de Cutileiro e de Cruzeiro Seixas sugeriram-me que não seria, quiçá, despropositado lançar despreocupado olhar sobre o que tem sido, nas últimas décadas, o papel das artes plásticas em Cascais.
        De Cutileiro temos aquele Camões de braços cruzados, que observa hoje, como quem não quer a coisa, os comensais do Conversas na Gandarinha, ou seja, no que foi, certamente, o claustro interior do Convento de Nossa Senhora da Piedade dos Carmelitas Descalços e é hoje o Centro Cultural de Cascais. Antes, porém, a escultura esteve no átrio dos Paços do Concelho, um Camões de olhar matreiro, como quem diz «o que é que tu vens aqui fazer? Que queres tu destes autarcas e dos funcionários do palácio?». Era cínico, convenhamos, aquele ar de braços cruzados, ainda por cima com apenas um olho, como que a troçar do pagode. Ali não podia ficar e mandaram-no para o convento, o que o épico não levou nada a mal, mais sossegado está, no alto dos seus três metros e, entre um petisco e outro, lá haverá quem lhe aprecie o gesto magano.
        De João Cutileiro há outra escultura em Cascais, junto à Capitania e a lota, na Rua das Flores. Um hino à actividade piscatória do burgo, na figura de um pescador de braços no ar, mostrando na mão direita um peixe, qual troféu, na alegria de ter visto coroado o seu labor, jubiloso motivo que o escultor repetirá na Póvoa de Varzim e em Alvor. Usou para o moldar o azulino cascalense – e fez muito bem.
        A terceira escultura, de 1983 como as outras duas, espreita junto à porta do antigo castelo da vila e chama-se Guerreiro. Sem luta não se obtém autonomia, sem guerra não se alcança a paz, sem domar ventos e aproveitar marés se não pesca… E Camões lá esteve para contar a epopeia dos descobrimentos, porque foi em Cascais que, de regresso da descoberta do caminho marítimo para a Índia, desembarcou Nicolau Coelho, que correu a dar a nova a D. Manuel, que estava em Sintra.
         Cutileiro, pois, o ilustrador-mor de momentos altos da história da nossa vila.
        Cruzeiro Seixas esteve como responsável pela galeria da Junta de Turismo, numa altura em que os senhores que ,mandavam no turismo local estavam cá, conheciam bem o ambiente e tudo faziam para que a Costa do Sol (assim se chamava) brilhasse aqui e lá fora, e privilegiavam as actividades culturais (as artes, o teatro, as iniciativas musicais…). Cruzeiro Seixas foi um dos derradeiros responsáveis pela galeria das Arcadas, quando ali praticamente todas as quinzenas se inauguravam exposições, com pompa e circunstância, vernissages que eram sempre agradável ponto de encontro de artistas e apreciadores de Arte cá do burgo. Imprimiu ele à galeria um ar bem avant la lettre, mormente quando se propôs a fazer uma exposição erótica. Não fez. Que de imediato a proposta chegou a ouvidos moralistas e – aqui d’el-rei! – está o mundo virado do avesso. Cruzeiro Seixas aguentou mais uns tempos e zarpou para outras paragens, não sem ele próprio ter ali exposto juntamente com outros companheiros do Surrealismo português.
 
Os anos 60 
        Ao repensar o que foram, nos anos 60, as Artes Plásticas em Cascais, a primeira imagem que surge é, precisamente, a da Junta de Turismo da Costa do Sol.
        A Junta reunia representantes das forças vivas do concelho no domínio da promoção turística e Joaquim Miguel de Serra e Moura e a sua equipa cedo perceberam quanto a Arte propiciaria a vinda de turistas.
        Pode parecer estranho ainda hoje, uma vez que raro seria o turista a comprar quadros e, sobretudo, a levá-los para o estrangeiro. É que não se trata de negócio, de aumento de divisas: trata-se de imagem! Hoje, há especialistas de imagem; Serra e Moura percebeu-o, quiçá intuitivamente. Mostrar a obra dos nossos artistas e, até, a dos que nos visitavam ou a dos membros da colónia estrangeira aqui radicada era uma forma de dar a conhecer a nossa gente, os nossos costumes, a nossa Arte!
        Teve a Junta uma programação regular. De quinze em quinze dias quase, como se disse, uma exposição nova, individual ou colectiva, com o respectivo catálogo, obedecendo também ele à mesma imagem. Anualmente, para o Salão da Costa do Sol os artistas eram convidados a inspirarem-se em recantos típicos da região e a Junta adquiria os premiados. Um espólio que terá levado sumiço após a Revolução de Abril.
        Também Teodoro dos Santos, presidente da Estoril-Sol, navegou nas mesmas águas. A galeria do Casino teve como principal impulsionador o professor Calvet de Magalhães, que, por ser director da Escola Francisco Arruda, tinha a noção clara do papel educativo da Arte, a todos os níveis. Outros se lhe seguiram até Nuno Lima de Carvalho, a quem devemos não apenas o ter agarrado os salões da Primavera e do Outono que a Junta deixara de fazer, como, de modo especial, os salões de Arte Infantil e de Pintura Naïf (sic), ambos abertos à comunidade nacional e estrangeira.
        Propunha-se, com o primeiro, incentivar para a Arte os mais pequenos, pois ninguém podia garantir que, entre esses, não estariam já os génios de amanhã. Um Museu de Arte Infantil seria, em Cascais, iniciativa invulgar e do maior alcance. Não teve apoio das entidades locais.
        Quanto aos pintores naïf, cuja tradição vinha dos «Pintores de Domingo» de Belém, foi Lima de Carvalho o maior impulsionador deste tipo de manifestação artística a nível nacional, reconhecido internacionalmente. A sua proposta de erguer em Cascais um Museu de Arte Naïf também não colheu apoio e um museu com essas características acabou por ser concretizado, com o maior êxito, em Guimarães, sob a designação de Museu de Arte Primitiva Moderna.
        Nos anos 60 – como pela Europa fora – a Arte estava no seu auge e tanto na Junta como no Casino faziam questão em expor os maiores artistas nacionais, de tal forma que pode afirmar-se, sem medo de errar, que não houve artista de renome que não tivesse exposto numa ou noutra destas galerias. E mais: nenhum que não considere, hoje, ter sido o apoio então recebido que muito o ajudou a guindar-se até onde está!
        No quadro dos artistas ‘locais’, Mário Silva, Michael Barrett, Victor Belém, Jorge Marcel, Correia de Morais, Guilherme Parente… são alguns dos nomes a não esquecer!
 
O toque de génio 
        Se Cutileiro e Cruzeiro Seixas foram génios, ao escultor Óskar Guimarães coube a honra de iniciar – num toque génio! – o movimento que, na actualidade, todas as juntas de freguesia prosseguem: como presidente da Junta de Freguesia de Cascais criou, nas novas instalações, a Galeria JF, por onde também começou a correr o rio da imaginação criativa dos nossos artistas.
        Cascais assistiu, aliás, nesses anos 80, a uma incomparável explosão artística. E justo é que se homenageie Teresa Black, que faleceu, aos 90 anos, a 6 de Agosto do ano passado e que terá, seguramente, contribuído para que a sua grande amiga Paula Rego pensasse no legado de parte da sua obra a Cascais, pois foram colegas de curso na Slade School of Fine Artes, em Londres.
        Foi em 1983 que nasceu a «Viragem», Associação dos Artistas Plásticos de Cascais, cuja 1ª exposição se realizou, em 1984, na Galeria da Cidadela. Teresa Black, que se fixou na Malveira da Serra, foi secretária da direcção da Viragem até 1988 e, em 1989, fundou, com os artistas Ló, Garizo do Carmo e Ormond Fannon, o Grupo Pitágoras, que logrou atingir plenamente os seus objectivos: expor em conjunto em vários pontos do País, convidando artistas locais para se juntarem a eles.
        Depois, abriram e fecharam alguns espaços que se propunham ser galerias de exposição. Dentre eles merece referência a iniciativa da Sociedade Musical de Cascais, que destinou para galeria um dos seus átrios e que, ainda que de existência fugaz – pelos anos 1998 e 1999 –, acabou por albergar um significativo conjunto de exposições não apenas individuais (recordamos a de Mário Silva, a de Cristina Leiria…) mas também institucionais (dos bombeiros, da Capitania do Porto, da Associação Cultural de Cascais sobre a ocupação romana…).        
        No Jornal da Costa do Sol, Adelaide Félix garantiu durante anos uma rubrica sobre exposições de arte e as iniciativas de artistas tiveram sempre lugar de destaque nas colunas deste semanário.
        Enfim, ontem como hoje, Cascais não tem deixado os seus créditos por mãos alheias no que às Artes Plásticas diz respeito. E ainda bem!
 
                                       José d’Encarnação 
 
Publicado em Duas Linhas, 27-01-2021: https://duaslinhas.pt/2021/01/aquele-toque-de-genio/
 
Os fundadores do grupo Pitágoras

Teresa Black no seu ateliê, na Malveira da Serra

De Teresa Black: «Alice e o vaso de barro»

 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Contributo da imagética para a patrimonialização

            No âmbito do Mestrado em Antropologia, apresentou a Dra. Elisa Maria Martins Alves, em 2019, ao Departamento de Antropologia, Escola de Ciências Sociais e Humanas do Instituto de Ciências Sociais e Humanas (Instituto Universitário de Lisboa) a dissertação intitulada Os Cardadores de Vale de Ílhavo – A imagética na Patrimonialização das Festas.
Profusamente ilustrada e fruto de uma vasta experiência adquirida no quadro do acompanhamento de festas populares congéneres, a dissertação está disponível em  http://hdl.handle.net/10071/20563. Ao prepará-la, pôs-me a seguinte questão: Considera que a produção de imagens (fotos e vídeos) e a sua divulgação  pode ser um elemento de patrimonialização de uma festa de uma comunidade, como a de um carnaval rural? E como? Transcrevo a seguir a resposta que mui gostosamente dei e que a Dra. Elisa Martins Alves faz questão de citar em várias passagens do seu trabalho e de a incluir na totalidade nas p. 124-125.
 
            «Patrimonialização» implica a consciência por parte de uma comunidade de que algo lhe pertence, é seu património, entendendo-se que esta designação contém uma conotação dinâmica, extensiva no tempo: ou já vem de tempos antigos, é legado, é herança a preservar e acarinhar; ou o temos em tão elevada consideração, damos-lhe tanto valor que diligenciamos no sentido de vir a ser transmitida intacta aos vindouros, como património que nós próprios criámos.
Uma tradição, um lugar, um edifício para serem ‘património’ carecem sempre duma consciencialização. Só há pouco tempo se chegou à conclusão de que, por exemplo, a culinária representava, em cada país ou mesmo em cada região, uma peculiaridade que muito tinha a ver com as iguarias disponíveis no local e a forma como os antepassados, de geração em geração, as foram preparando à sua maneira. Não admira, por isso, que já Fialho de Almeida (1857-1911) tenha proclamado:
«Um povo que defende os seus pratos nacionais defende o território. A invasão armada começa pela cozinha».
Não admira que o Conselho de Ministros de Portugal só em 26-7-2000 tenha aprovado a resolução nº 96/2000 que «considera a gastronomia portuguesa como um bem imaterial integrante do património cultural de Portugal».
O tempo, factor dominante para a «patrimonialização». Por conseguinte, é bem-vindo tudo o que contribua para dar a uma população a noção de que o que mostra e concretiza – a festa tradicional, o cortejo que já vem assim desde sempre, o manjar típico.. – faz parte das suas tradições, merece ser tido como «Património».
Numa época em que a imagem goza do enorme poder que se lhe reconhece, a fotografia e o vídeo (imagem em movimento) detêm nesse processo uma relevância fundamental.
Primeiro, porque permitem ao Homem, aos intervenientes verem-se, observarem-se, como que estão de espectadores e, desta sorte, compreendem melhor, apreciam mais facilmente o que é agradável de ver e preservar. Fazemos um vídeo, disparamos uma fotografia e apressamo-nos a ver como ficou, queremos ver-nos «do lado de lá»!...
Depois, tanto a fotografia como o vídeo permitem captar o todo e o pormenor eloquente, significativo; realçam os aspectos inovadores. E veja-se a quase obsessiva utilização que hoje se faz do telemóvel na sua acepção de máquina fotográfica e de nos facultar a possibilidade de fazer, com a maior das facilidades, o vídeo do que nos interessa – a ponto de, amiúde, nos apercebermos que é cada vez menos telemóvel e cada vez mais máquina para fotografias ou filmes!
Fotografamos nós e fotografam os outros. O facto de vermos muitos estrangeiros a filmarem a apresentação de um rancho folclórico agrada-nos, ficamos mais compenetrados de que «aquilo», afinal, causa impressão, é digno de um filme e vai ser levado para o Japão, para o Brasil, para a América, como recordação de uma cena típica…
São o vídeo e a fotografia instrumentos dispensáveis no que concerne à elevação de algo a património?
A resposta a essa eventual dúvida é peremptoriamente: «Não!».
Constituem elementos realmente indispensáveis, sem favor! Daí que, só para darmos um exemplo, mesmo num museu (lugar onde, por excelência, se reuniram ‘patrimónios’…), além do objecto que se mostra, não se prescinda já de apresentar, ao lado, o vídeo que documenta aspectos mais salientes desse objecto, que uso tinha no quotidiano das gentes, que interesse realmente despertava…

Cascais, 2 de Outubro de 2019

                                               José d’Encarnação

A imagem, retirada da obra de Elisa Martins Alves, apresenta um instantâneo do desfile dos Cardadores de Vale de Ílhavo, em Pernik, Bulgária (Janeiro de 2019).

 

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

O filho duma magana!

            Passado 2020, dei comigo a pensar que também ele, como o 2019, fora filho de uma magana. O 19 por nos ter brindado com o vírus; o 20 por o não ter conseguido extirpar.
            E a expressão, que me saltou assim de repente, sem eu a esperar nem pedir, fez-me regressar à infância, quando ouvia meu pai ou minha mãe, na brincadeira ou não, chamarem alguém de «filho duma magana». Nunca percebera exactamente o que isso poderia significar; mas, pelo jeito da expressão facial de um ou de outra, eu compreendia que, umas vezes, era brincadeira inofensiva, dirigida a alguém que tinha pregado alguma ‘peça’ e o pessoal ria de bom grado, que o fulanito a pregara a preceito; doutras, minha mãe assumia um ar grave, de coisa séria, e eu deduzia daí que a ‘peça’ fora grave, maldade a merecer castigo e a atribuição do epíteto carregado do seu forte sentido depreciativo.
            Corri, pois, agora, ao dicionário, a descobrir o que era isso de magana. Como substantivo e como adjectivo. Como adjectivo – olá!... – tem logo que se lhe diga: «jovial», «namoradeira», «concupiscente». Portanto, assim a modos de atiradiça, é preciso cuidado com ela, que gosta de brincar, mas… Como substantivo, fia mais fino. Surge-me, em primeiro lugar, a informação de que é uma música antiga. E lá vou eu ao google a ver que tipo de dança ela é; nada mais consigo saber além de que se trata de uma antiga tocata; quiçá os melómanos saibam dizer-me. Depois, «mulher desenvolta e lasciva». Vi também o masculino – magano – e saiu-me esta: «Mercador de escravos que enfeitava os negros para agradar os compradores»! Ora toma!
A origem etimológica não oferece dúvida: deriva da palavra castelhana «magaña» (leia-se ‘maganha’), com o significado de «ardil, astúcia, engano».
Vai mais além o Dicionário do Falar Algarvio,  de Eduardo Brazão Gonçalves, quando comenta: «Para evitar expressão menos polida, é muito frequente chamar-se ‘filho duma magana’ a quase tudo que nos desagrade e também a quase todos». Acho que, neste caso, também o Eduardo me saiu cá um filho duma magana!... Tão polido, tão polido, que misturou aí um ‘desagrade’ que pouco terá a ver com isso!...
Seja como for, fico na minha: o 2019 foi, de pleno direito, o filho duma magana; e o 2020 também! E alimentamos a esperança de que este ora começado não vá pelo mesmo caminho. Para já, brincando, brincando, está-nos a fazer a vida negra, o filho duma magana!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz, nº 290, 20-01-2021, p. 13.