«Agenda» é, hoje, palavra tão banal e tão usada que se perdeu a ideia do seu primitivo significado, embora se saiba exactamente o que ela quer dizer.
Trata-se – imagine! – do gerundivo do verbo latino agere (leia-se ‘ágere’), que quer dizer ‘agir’. À letra, em latim, «agenda» é o rol das coisas que devem ser feitas. Uma programação de actividade que, dizem os entendidos nestas questões da psicologia humana, todos nós deveríamos ter, para o nosso equilíbrio mental. Ou, dizendo doutra forma: ao acordar pela manhã, importa que se tenha uma ideia de como é que se vai ocupar o dia. Sem qualquer tensão, obviamente, que seria pior a emenda que o soneto, mas para se chegue ao fim do dia e uma pessoa sinta que valeu a pena viver mais essas horas bem preenchidas. Quanto me custa – é certo que não tenho nada com isso e, daí, até talvez tenha, como vizinho… – ver aquele idoso a olhar para o ar, passeando o dia inteiro pelo bairro, quase ao Deus-dará… Culpa nossa, claro, que lhe não conseguimos incutir o gosto pela leitura, pela jardinagem…
Mas voltemos, então, à agenda. Que as há de todas as formas e feitios. Não, ainda me não habituei à electrónica, do telemóvel ou do computador, creio que agenda tem de ser algo de palpável... Das normais, há as de bolso, mais íntimas, e as de secretária, para os afazeres.
Guardei uma de 2014, já não sei quem ma ofereceu, mas adoptei-a para, nos seus dias, ir anotando aniversários e aqueles acontecimentos que importa recordar mais tarde na data em que ocorreram. E guardo-a, porque é maneirinha, meio de bolso e meio de secretária, e está dedicada ao Fernando Pessoa. Por isso, cada semana há uma frase do poeta e, ao princípio de cada mês, um texto mais longo. Para a última semana de Janeiro de 2014, a frase era esta: “Torturamos os nossos irmãos homens com o ódio, o rancor, a maldade e depois dizemos «o mundo é mau»”. O que se chama, em linguagem comum, ‘sacudimos a água do capote’.
A agenda da Imprensa Nacional – Casa da Moeda tem sido dedicada a questões culturais. Depois de, em 2017, ter festejado os 150 anos de Camilo Pessanha, em 2018 os 250 anos da Imprensa Nacional, em 2019 «Fernão de Magalhães nos 500 anos do início da grande viagem», dedicou a Amália o número de 2020. No fundo, ao longo das semanas, um bom pretexto para relembrar.
Não foram essas, portanto, agendas frustradas, porque ilustradas e úteis.
A frustrada foi a do Casino Estoril do ano passado. Imagine-se que o tema, pensado obviamente muito tempo antes de o ano começar, foi… as festas! Começava com uma frase de Saramago: «Nenhum dia é festivo por ter já nascido assim: seria igualzinho aos outros se não fôssemos nós a fazê-lo diferente». E a sublinhar o réveillon:
«A história começou assim, o primeiro dia do ano, na madrugada fria, a beber champagne.
A multidão celebra numa dança contínua de alegria e de esperança.
A promessa de um ano novo.
Todos os desafios, todos os sonhos e oportunidades».
Esperança nunca morreu; os desafios foram demais; os sonhos tiveram de renascer todos os dias; as oportunidades houve que as inventar. Sobrevivemos. Vamos sobreviver!
Por isso, a agenda deste ano é dedicada ao tempo, «medida arbitrária que nos confere identidade; oportunidade de reflexão, busca de pertença, ideia que nos melhora».
Para não naufragar!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 330, 2021-01-28, p. 6.
Texto muito saboroso e interessante e ler. Agora compreendo a razão pela qual as agendas nos obrigam a agir. Olhamos para o tal rol de afazeres e que remédio senão cumprir o que diz o ditado "não guardes para a amanhã o que podes (deves) fazer hoje". A mais importante agenda que me ofereceram, há muitos anos, era de tamanho A5, um pequeno livro (grande agenda) que guardava numa estante, na cozinha, porque tinha até sugestões de pratos para cada dia. Alguns nunca mais esqueci, como o "frango à coisa nenhuma". É que tratei de pôr mãos à obra, agir e caprichar. Agora estou na fase em que agendo, mas não sei das agendas...
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