No
livro de Ferreira de Andrade,
Cascais – Vila da Corte, há, no final, uma
série de apêndices. Refere-se parte deles a cartas de confirma
ção enviadas pelos monarcas aos senhores de Cascais:
que sim, senhor, podiam continuar a manter o senhorio que seus antepassados
lhes haviam doado. E, de quando em vez, lá se especificavam bem os limites do
território doado, não houvesse por aí abusivas interferências.
Quem
estudou a Idade Média, ouviu falar em confirmações e inquirições. Confirmações
eram esses documentos; inquirições eram assim a modos da ASAE, postada a ver quem tinha pisado o risco, porque
adregava frequentemente os nobres darem ordens aos seus homens de passarem por
aqui e por ali e mexerem nos marcos
de propriedade, avançando-os para lá, de modo a, pouco a pouco, o território
aumentar.
Então
em relação aos baldios, que eram
aqueles terrenos que o Povo tinha para se espraiar à vontade, apascentar os
rebanhos, apanhar lenha… a ganância era maior e lá iam os representantes do
Povo, os homens-bons, reclamar em Cortes: «Aqui d’el-rei que o senhor nos
roubou terras!». E el-rei, que nessa altura auscultava o Povo, nomeava
inquiridores para tentar saber como fora. E o Povo ficava a ganhar.
Um
tema aliciante para os historiadores
da Antiguidade é o estudo dos limites das províncias e das cidades romanas.
Aliciante, porque sempre controverso e porque, afinal, nunca se chega a
conclusão convincente.
Sempre
os povos se mataram uns aos outros por causa das fronteiras e é por isso que
caem, diariamente, que nem tordos, irmãos nossos no Médio Oriente. E, nas
famílias, até por partilhas se pega na caçadeira e lá vai chumbo!
Hoje,
fronteiras não há! Ou melhor, há, mas no papel, porque se instituiu o «espaço
europeu», onde cada qual se movimenta como quer. Está mal, porque se trata de
um exemplo péssimo para os detentores do poder. Também eles acham que podem
movimentar-se como querem e que todo o território é deles, e dele podem
usufruir. Não é para semear cevada ou milho ou plantar batatas,
couves ou rabanetes, mas para riscarem o chão e, em vez de espantalhos ou CDs
velhos para a pardalada ter medo e não comer a produção,
pespegam assim a modos de uns robôs com um mecanismo de engolir moedas. Por
todo o mundo assim é, e a fábrica desses espantalhos está a ganhar bué da massa
e a fazê-los cada vez mais sofisticados, até comandados à distância!...
Não
adianta o Povo queixar-se, porque já não há Cortes nem, por outro lado, tem o
Povo quem o possa representar perante o «Big Brother», aquele de que, em 1949,
George Orwell vaticinava vir a existir em 1984, mas que veio antes e que ora
ganhou tentáculos enormes, qual gigantesco polvo, tão rijo, tão rijo, que nem
dá para se comer à lagareiro no restaurante aqui do bairro.
Queixou-se
o Ezequiel, um amigo meu beirão, ao chefe do departamento de trânsito do
município dele. Resposta:
–
Quando o senhor compra um frigorífico, tem de saber primeiro se há espaço lá em
casa para o pôr, não é? Assim é com os carros. Não se compram se não houver garagem
para os pôr!
Retorquira-lhe
o Ezequiel que, quando fora para aquela casa, ele, o irmão, os tios, a famelga
toda deixava o carro na rua, porque a rua era de todos e não havia ideia de
garagens nem meio-garagens.
–
Mas agora é assim! – retrucou o Chefe.
O
Mário calhou a deixar a carripana com os pneus de trás menos de meio metro em
cima dum risco amarelo. Foi multado.
–
Mas… eu deixei mesmo no limitezinho, amigo!
–
Está a pisar o risco, não está?
–
Está.
Aproveitou,
pois, para augurar, de todo o coração,
ao amigo que nem ele nem a esposa nem os filhos nem os pais nem os avós, um
dia, sejam eles a pisar o risco!...
Estamos
bem cientes: com fronteiras e com inquisidores não se brinca! E quando elas, as
fronteiras, ameaçam alargar-se mais e mais, não há homem-bomba que valha!
José d’Encarnação
Publicado
em Costa do Sol Jornal, nº 161,
26-10-2016, p. 6.