Pelos
finais do século I antes de Cristo, intensificou-se o fenómeno urbano em Roma,
designadamente após a subida ao trono do imperador Augusto. A cidade ganhou
sedução e, paulatinamente, os campos
começaram a ser abandonados, um processo que, pelos meados do século II, já os
irmãos Gracos haviam tentado estancar, ainda que sem grande êxito.
Não causou, pois, admiração que o imperador, vendo quão nefastas
consequências tal êxodo rural podia acarretar, houvesse sugerido ao seu grande
apoiante Mecenas que financiasse Virgílio para que, em grandioso poema, louvasse
em verso as maravilhas da vida campestre. Surgem, assim, as Geórgicas, escritas de 37 a 30 a. C., onde Virgílio dá
conta do que então era necessário saber em relação
não apenas aos trabalhos agrícolas propriamente ditos, mas também aos cuidados
a ter com a criação de gado e, até, às
normas para uma correcta apicultura!
Aliás, já antes Virgílio se
comprazera em poemas pastoris, as Bucólicas, dando a entender como a
paisagem rural e os seus encantos poderiam constituir cenário ideal para os
encantamentos do Amor!... Também não andavam perdidos os ecos dos ensinamentos
de Varrão (116 – 27 a.
C.), que escrevera sobre «as coisas do campo», um tratado que terá em Columela,
nos meados do século I da nossa era, excelente continuador.
Não nos admira, portanto, que a
segunda metade do século XX, com a repetição
de um grande êxodo da Província (como então se dizia) para a Cidade, a
nostalgia das vida rural e dos seus ritmos se tenha feito sentir! E foi
esporádica – mas existiu! – a tentação
de ocupar a varanda ou encher de terra a banheira (de pouco uso, a princípio…)
para nela se plantarem coentros, hortelã e salsa, aqueles condimentos frescos
que era preciso ter sempre à mão!...
O fenómeno das hortas urbanas
começou clandestinamente: de tudo o que era espaço (público ou mesmo privado) disponível
junto de moradias ou de prédios se apropriavam os vizinhos, vedando-o para marcar a propriedade, e nele se cultivavam tomates,
batatas, couves, favas, ervilhas… Enfim, tudo o que a alimentação habitual requeria de legumes. E até uma ou outra
árvore se chegava a plantar. Nem sempre as autoridades municipais concordavam
com essa apropriação do espaço
público e, por isso, sob pretexto de que o iriam ‘urbanizar’ (entenda-se,
adequar à vida da comunidade…), amiúde obrigavam a arrancar tudo, mesmo sem dar
prazos para aproveitamento do que estava a amadurecer.
Daí que, progressivamente, se tenha
pensado em apoiar (em vez de reprimir) essa legítima tendência da população, cientes (os políticos, finalmente!...) de que a
maioria dos habitantes da Cidade tinham na Província, no meio rural, as suas
verdadeiras raízes, que importava respeitar.
E se inclusive nos taludes das
estradas dos arredores citadinos as hortas se multiplicavam, até como
passatempo de fim-de-semana para os urbanos, a cidade de Lisboa deu o exemplo
com a criação de uma horta urbana,
estabelecendo regras para a sua correcta utilização
por parte dos vizinhos, que, amiúde através das Comissões de Moradores, aos
seus talhões se haviam candidato.
Hoje, pode ler-se, por exemplo, que
é com orgulho que em Chelas, na freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, numa
zona abandonada até 2011, está, agora, «o maior espaço urbano do país
para albergar hortas»; 4,5
hectares de horta «repartidos em 300 talhões para
cultivo, cada um com 160
metros quadrados», salientando-se como «a
sustentabilidade social se liga à agricultura urbana, no sentido de esta ser
uma actividade que promove o sentido de comunidade, bem como o seu entrosamento
na sociedade urbana mais alargada».
O exemplo da
capital está a ser seguido por inúmeros municípios do País, que não deixam de
publicitar com carinho essa iniciativa, relevando os grandes benefícios – sociais,
económicos e ecológicos – daí advenientes. E quando, em Cascais, gizámos, há 15
anos, o plano de pormenor a enquadrar a villa
romana de Freiria, não deixámos de reservar espaço, junto ao ribeiro que
perenemente lhe corre ao pé, para nele se instalarem hortas mui agradáveis,
como que a recordar os ensinamentos dos agrónomos romanos ou ecos dos poemas
virgilianos!...
Há
quem diga que a História não se repete. Repetição
igual, como rigorosa causa-efeito, não; mas que fenómenos idênticos geram consequências
idênticas, sim. E, por isso, não há motivo para não se recordarem as atitudes
políticas e culturais assumidas há dois mil anos, quando as de hoje dessoutras
são claro eco, mesmo que inconsciente!
José d’Encarnação
Publicado
em Hamburgo, na revista Portugal-Post –
Correio luso-hanseático, 64, Novembro de 2018, p. 14-16. [Este número da
revista é dedicado à protecção do meio ambiente; o artigo tem versão alemã, sob o título «Nach tausend Jahren zurück aufs Land!»].
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Hortas comunitárias inauguradas, em Abril de 2016,
numa urbanização dos arredores de Cascais. |
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Panorâmica do Vale Horticola de Chelas (Lisboa). |