Há muito que sentíamos isso: a vila
de Cascais passara a ter uma nova centralidade cultural, em torno do Centro
Cultural (antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade): ao vetusto
Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães (perdoem-me, mas eu prefiro
continuar a chamar-se o que ele é) juntara-se, por ordem cronológica, o Museu
do Mar Rei D. Carlos I, a Casa das Histórias Paula Rego, o Museu dos Faróis
(Farol-museu de Santa Marta), a Casa de Santa Maria.
Também a casa do guarda do museu
passou a chamar-se Casa Duarte Pinto Coelho (como local de exposições, de modo
especial, do espólio deste artista); a igreja matriz (com o seu notável recheio
de pinturas, talha e azulejaria) está ali; a Casa Sommer (em reabilitação) depressa
se tornará sede do Arquivo Municipal; e, claro, o Parque Marechal Carmona, que
a todos de certo modo precedera, o pulmão aonde diariamente acorrem centenas de
cascalenses.
Por consequência, o conceito Bairro
dos Museus – que existe com todo o êxito em Viena de Áustria e em Amesterdão – veio
mesmo a calhar e a anunciada possibilidade de haver um bilhete comum para todos
estes equipamentos (aqueles em que se paga a entrada) e, sobretudo, uma
programação cultural plena de complementaridade acrescenta originais
potencialidades do maior interesse.
A apresentação
A
cerimónia de apresentação ocorreu (com pompa e circunstância, assinale-se) na
quinta-feira, 26, ao final da tarde, no auditório do Centro Cultural, que foi
pequeno para conter quantos acorreram ao convite. Aí se ajuntaram, diga-se,
muitos vultos da cultura cascalense e nacional (mormente aqueles – muitos – que
escolheram Cascais para viver) e muitos rostos conhecidos do desporto e da
Comunicação Social, que, ao jantar volante, não se cansaram de tecer elogios à
ideia.
Após a projecção de um vídeo explicativo,
discursou Carlos Carreiras, presidente da Câmara, a integrar a iniciativa no
conjunto da programação cultural do Executivo, com a finalidade, disse, de tornar
Cascais um concelho onde é agradável viver uma hora, um dia, uma semana, uma…
vida!
Ao jornalista António Borga foi
pedido que apresentasse a filosofia que subjaz ao conceito; e encarregou-se a actriz
Ana Padrão de nomear, um a um, os vários equipamentos constantes do «bairro».
O Professor Salvato Teles de
Menezes, director-delegado da Fundação D. Luís I (entidade que superintende ao
«bairro»), deu conta, desde logo, da programação prevista para os próximos
meses, sublinhando que, desta sorte, se garantia a rendibilização dos recursos
disponíveis, a criação de uma programação coerente e a diversificação da oferta
artístico-cultural.
Deixei para o fim a referência ao
que constituiu, a meu ver, um dos momentos mais altos da sessão: Júlio Resende
interpretou ao piano, no seu jeito inconfundível, alguns dos temas inseridos no
seu magnífico álbum «Amália». Direi que é um consolo d’alma ouvir o disco; mas
ver e ouvir ao vivo o artista é ainda mais reconfortante. A sua interpretação,
por exemplo, de «Mãe Preta», em que, a determinado momento, deixa as teclas e
faz percussão nas tábuas do piano, não deixa ninguém indiferente, assim como, naturalmente,
o tema «Medo», naquela inesperada e totalmente conseguida junção da voz de
Amália com as suas divagações jazísticas… Até arrepia! Forte e bem merecido
aplauso para tão talentoso jovem, que mui proximamente estará de novo em
Cascais, agora para apresentar o disco na sua totalidade.
Um bairro museológico que se alarga
Diga-se
que, para além dos equipamentos atrás citados, o conceito Bairro dos Museus
alargou-se a outros que se não situam no mesmo horizonte geográfico, mas que
cumprem idêntica função.
Para já, importa assinalar que –
embora não gerido pelo Município – temos ao lado o espaço da Cidadela, resultante
do aproveitamento do antigo Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea e de
Costa, uma fortaleza de grande tradição, onde apenas há a lamentar que o
projecto de reabilitação e aproveitamento não haja previsto um recanto (pequeno
que fosse) de evocação do que foi a densa história vivida pelos militares que,
desde o século XVI, por ali passaram. Integrado nesse complexo está o Palácio
da Cidadela, actualmente sob a tutela do Museu da Presidência, por estar
intimammente ligado a Presidência da República (foi residência de Verão de reis
e presidentes!...), onde a Capela de Nossa Senhora da Vitória não será monumento
de somenos.
Acoplada, de cerro modo, a este
palácio e à Cidadela, a fortaleza de Nossa Senhora da Luz, onde, há anos, se concretizaram
campanhas de escavações arqueológicas, de forma a possibilitar a sua visita.
Ligado ao Museu do Mar, temos, na
orla marítima, o Forte de S. Jorge de Oitavos, com uma exposição permanente que
ora recorda a importância estratégica de todo esse litoral de Cascais ao sopé
da Serra de Sintra e onde se desenvolvem inúmeras iniciativas, nomeadamente exposições
temporárias.
A Casa-Museu Verdades de Faria
(assim designada por vontade do seu doador, Mantero Belard, em honra de sua
mulher), no Monte Estoril, transformou-se em Museu da Música Tradicional
Portuguesa. Para além da beleza da sua arquitectura (obra de Raul Lino, tal
como o foi a atrás referida Casa de Santa Maria), da sua azulejaria e do seu enquadramento
paisagístico em mui bonançoso parque, contém o espólio de dois grandes músicos
portugueses: Fernando Lopes-Graça e Michel Giacometti, que ambos foram
munícipes de Cascais.
Criou-se no 1º andar do edifício dos
Correios no Estoril o chamado Espaço-Memória dos Exílios, dedicado
expressamente a documentar o que foi o acolhimento dado por Cascais aos muitos
refugiados (monarcas, escritores, diplomatas…) da II Grande Guerra, que por
aqui passaram e alguns acabaram por fixar-se.
Fruto da doação do conhecido
escritor e artista Reynaldo dos Santos, há ainda, na Parede, a Casa Reynaldo
dos Santos e Irene Virote Quilhó dos Santos, transformada em centro de
investigação.
A remodelação levada a cabo, há alguns
anos, no Parque Palmela, ora a usufruir de uma espaçosa entrada de feliz
desenho urbanístico, dotou-o do Auditório Fernando Lopes Graça, também ele
integrado no «bairro» e, desta sorte, a sua já abundante programação será doravante
publicitada em conjunto com os demais elos da comunidade ora criada. O próprio
parque, com todas as suas potencialidades (pistas para jogos de aventura, observação
de espécies arbóreas mediterrânicas, à entrada, por exemplo, uma pequena mata
classificada de dragoeiros…), foi incluído no conceito.
Acrescente-se que novas infra-estruturas
e valências culturais estão já previstas a breve prazo. Refiram-se: o Museu de História
da Vila (de que há já um embrião nos baixos do Palácio dos Condes da Guarda, os
Paços do Concelho), o Museu do Cartoon, o Museu do Automóvel Clássico e uma orquestra
sinfónica (a juntar à Orquestra de Câmara de Cascais Oeiras, que desenvolve,
também ela, um programa de excelência ao longo do ano). E que há a intenção de haver
«a possibilidade de compra de bilhetes cruzados, a existência de passes diários»
assim como o estabelecimento de protocolos com hotéis e restaurantes e
concessionários de transportes públicos e parques de estacionamento.
O logótipo
Vive-se
da imagem, queiramos ou não. Por consequência, quando se pensou no conceito,
decidiu-se de imediato que deveria existir uma imagem que o consubstanciasse.
O convite foi endereçado a Irina Blok,
reconhecida designer de origem russa ora
a viver em S. Francisco, nos Estados Unidos, a criadora do logótipo do Google
Android, convite que aceitou de muito bom grado, como tivemos ocasião de ouvir da
sua boca no primeiro vídeo projectado no decorrer da sessão.
E, como sempre acontece, resultou numa
expressão bem simples: um quadrado com o quarto superior aberto, a dar
possibilidade – como de resto, aconteceu – de nele esquematicamente se inserir
a imagem estilizada de cada um dos equipamentos constantes da realidade
«bairro», tarefa de que se incumbiu, com pleno êxito, Filipe Silva,
designer da Casa das Histórias Paula
Rego. Resultou muito bem – e há que aplaudir!
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, edição de 01-03-2015: