terça-feira, 31 de março de 2015

«Português, meu amor!» é lançado amanhã

            É lançado amanhã, dia 1 de Abril, em Hamburgo, o livro «Português, meu amor!», da autoria de Peter Koj. É uma publicação da editora Schmetterling, de Estugarda; tem o ISBN 3-89657-875-8 e as – bem sugestivas! – ilustrações são da autoria de Marlies Schaper.
            O livro apresenta como subtítulo Annäherungen an eine spröde Schöne, que significa mais ou menos «Tentativas de engate a uma beldade relutante»!... Na verdade, trata-se da colectânea de 49 artigos em que Peter Koj se debruça sobre vários aspectos da língua portuguesa, analisando, de forma jocosa e mui atractiva, os problemas que se apresentam a quem, mesmo com a maior das boas vontades, ganhe coragem para aprender português.
            A diferença entre carteiro e carteirista, o infinito mundo das siglas e, sobretudo, essa nossa forma de comer sílabas e de liquefazer as sibilantes… – são alguns dos temas versados. Uma das ilustrações, por exemplo, mostra dois amigos que se encontram em pleno Inverno e um pergunta «Tashkent?», o outro responde: «Toú». Em linguagem ‘erudita’ seria: «Estás quente?», «Estou!». Quem diria?!...
            Uma delícia, pois, mormente para alemães, dado que o livro está redigido em língua alemã.
            Estão previstas apresentações nos próximos meses em Portugal.

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 31-03-2015:

segunda-feira, 30 de março de 2015

Uma utopia a cumprir! (Acerca do livro «Unamuno e Torga, Poetas da Ibéria»)

             Quando pensei em redigir uma nota de leitura acerca do livro Unamuno e Torga, Poetas da Ibéria, da autoria de Carlos Carranca (edição de Talenticious, Figueira da Foz, Janeiro de 2015, ISBN 978-989-96938-9-0), a primeira ideia que me ocorreu foi dar-lhe o título de «Uma utopia a cumprir».
            Na verdade, vem esta colectânea de intervenções suas na sequência da investigação que longamente levou a cabo e que desembocou na tese de doutoramento, defendida a 1 de Junho de 2010, na Universidade Autónoma de Lisboa, e que viria a ser publicada: O Casticismo em Unamuno e Torga (Minerva Coimbra, 2012). No fundo, creio, este é o espírito que Carlos Carranca quis incarnar: ao sublinhar a ideologia destes dois Miguéis, o patriotismo deles em relação a uma pátria mais imaginada, mais projectada que real, Carlos Carranca chama a si esta vontade de, também ele, contribuir à sua maneira para fomentar acrisolado amor à ideia de Portugal.
            Ibéria é uma noção, uma utopia. Não existe. Nunca existiu – nem na História nem na Geografia. É o mosaico de povos que por este diversificado rincão peninsular ao longo dos tempos se foram, pouco a pouco, instalando, moldando-se uns aos outros, comungando…
            Reúne Carlos Carranca, neste volume de uma centena de páginas, recentes intervenções suas a propósito do que é a sua… ‘fixação’: as personalidades de Unamuno e de Torga, cujos traços biográficos fundamentais começa por enumerar.
            Encontrou em Agustín Remesal – também ele um sonhador e apaixonado pelo nosso país, onde tem passado muito tempo – um arauto dos mesmos sentimentos, acompanhando-o, por isso, no texto inicial do livro – a reproduzir a apresentação que dele fez – por terras de Portugal. Eco das viagens de Unamuno, num escalpelizar de pessoas e de paisagens, tal como fizera Torga.
            Reproduz o segundo texto uma conferência proferida na Lousã – onde Carlos Carranca tem as suas raízes – na Páscoa de 2002. O tema? O sentimento religioso tanto de Torga como de Unamuno. É uma análise, diria eu, filosófica, inspirada, naturalmente, no que um e outro deixaram transparecer aqui e além. Acreditavam em Deus? Parece que sim – num Deus, porém, à maneira de cada um, muito íntimo, sem obediência a hierarquias. Recordo que, um dia, na Gráfica de Coimbra, após ter-me cruzado com Miguel Torga (ele acompanhava bem de perto as edições dos seus livros), fiquei de conversa com o Padre Valentim e o tema foi: era Torga um crente? Tema que Carlos Carranca viria a abordar em três livros: Torga – O Bicho Religioso (Lisboa, 2000); A Nostalgia de Deus ou a Palavra Perdida em Miguel Torga (Lisboa, 2001); O Sentimento Religioso em Torga e Unamuno (Lisboa, 2002).
            Poesia e religião, a Poesia «assumida como uma religião oposta a Deus» (p. 37). E conclui: Torga «não aceita a existência concreta de Deus, mas sente-a» (p. 40).
            O terceiro tema é aparentemente político, porque versa a Res Publica. Assim mesmo, à latina, a significar não a República oposta à Realeza, mas a «coisa pública». Uma reflexão breve, concretizada em duas conferências no quadro do centenário da implantação da República, na Lousã (novamente) e em Lisboa.
            Convidado a fazer a alocução oficial na abertura do ano lectivo, em 2009, na Escola Superior de Educação Almeida Garrett, onde há vários anos lecciona, Carlos Carranca aproveitou para se referir à vida de Torga, encarada de modo especial do prisma da aprendizagem, servindo-se de muitos tópicos colhidos na assídua visitação aos diários do Poeta, a ilustrar momentos significativos da sua biografia: os quatro tempos de aprendizagem de uma Idade do Ouro (p. 57); a Idade da Prata, no Brasil; os quatro tempos da Idade do Bronze (p. 62) e os quatro da Idade do Ferro (p. 65): ser pai, a visita às colónias, o 25 de Abril e o da Desilusão.
            Permita-se-me que desse trecho – o mais extenso do livrinho (24 páginas) – assinale uma passagem quase fugaz, que consubstancia, a meu ver, também uma das noções predilectas de Carlos Carranca: a diferença entre instruir e educar. Temos, hoje, um Ministério da Educação – e não deveríamos ter; nos primeiros tempos da República, o Ministério era da Instrução Pública – e assim deveria ter continuado. Escreve Carlos Carranca:
            «A educação dá-se em casa, diz o povo, enquanto que a instrução serve para construir sem limitar, fora de portas. […] É nessa confluência da educação em família e da instrução fora de casa que cada um se vai descobrindo» (p. 52).
            Bom tema para reflexão, não há dúvida.
            Deveras estimulante a súmula que Carlos Carranca apresenta da vida de Miguel Torga, captando a sua visão do mundo, dos homens e, sobretudo, do homem português, que de duas culturas se alimenta: «uma que parece e outra que é». Como, aliás, acrescentaria eu, é capaz de ser o alimento duplo (ou dúplice, se se preferir, ou – diríamos contemporaneamente – bipolar) do que à nossa volta se observa: o parecer e o ser.
            O último texto debruça-se sobre a ideia de Europa no Diário XVI. Naturalmente, uma ideia bem nítida da catástrofe para onde, inexorável, a cegueira do implacável poder económico nos encurralou. Um futuro «comprometido» – e cito a parte final deste ensaio, publicado em 2012 numa revista da Universidade de Aveiro:
            «Comprometido na vulgaridade massificante de um shopping-center enorme, gerido por agentes de um poder sem rosto, e onde alguns humanos como formigas, sem lugar nem tempo para ocuparem a mesa de um café ausente, nervoso, inseguros e sós, sem vida para esse tempo, fumam um cigarrinho triste» (p. 84).
            Este não é Torga nem Unamuno. Poderiam sê-lo. Mas com este templo do consumismo, o shopping-center (bem à inglesa, pois então!), com este templo é mesmo Carlos Carranca que nos confronta.
            Há ainda, no livro, três posfácios: um do próprio Remesal; outro de Amadeu Carvalho Homem, catedrático de História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; e o terceiro de António Dinis, apresentado como sacerdote católico, de Coja. Comentam o que Carlos Carranca escreveu.
            Eu, porém, ficar-me-ia por aqui, no shopping-center do cafezinho apressado e do cigarrinho triste. Acho que se assumem, de facto, como duas boas imagens a reter – que as utopias não são, afinal, bem no sabemos, susceptíveis de se cumprir! Não são! Nesse momento, deixariam de ser utopias e o Homem perderia a capacidade de sonhar. E isso não pode acontecer! *

                                                                       José d’Encarnação
* Síntese da intervenção feita, a 26 de Março de 2015, na sessão organizada, em Lisboa, pela Sociedade da Língua Portuguesa.

Publicado em Cyberjornal, edição de 29-03-2015:

sábado, 28 de março de 2015

Uma exposição, dois países!

Painel identificativo da exposição sobre a Lusitânia romana
            Mostrar como a Lusitânia romana, ainda que com capital em Mérida, envolveu dois países é o objectivo da exposição oficialmente inaugurada, com pompa e circunstância, no Museo Nacional de Arte Romano, de Mérida, ao final da tarde de segunda-feira, 23 de Março.
            Presentes as mais altas individualidades da Cultura de Portugal e de Espanha (os secretários de Estado português e espanhol, o embaixador de Portugal no país vizinho), os responsáveis pelos organismos governamentais da Cultura aos mais variados níveis, arqueólogos de Espanha e de Portugal...
            Estará patente nesse museu até ao Verão, prevendo-se a sua abertura, em Setembro deste ano, no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa.

            No acto solene, sublinharam quantos intervieram o alcance da iniciativa, uma vez que vem na sequência de uma série de outras, nomeadamente a nível do intercâmbio de investigação arqueológica e documental, a alicerçar uma relevante colaboração institucional, que paulatinamente se tem consolidado ao longo das últimas três décadas.

Glandes (projécteis) de chumbo
            Dir-se-á, por exemplo, que ao catálogo da exposição em que estão artigos de investigadores espanhóis e portugueses – foi dado o nº 9 da série Studia Lusitana, série em que também essa comunidade bilingue está bem patente.
           São perto de 400 páginas, para seguir os capítulos em que a exposição se desenvolve: «o olhar do outro» (ou seja, a Lusitânia antes dos Romanos); o contacto entre os romanos e os indígenas; a organização do território; as cidades; a sociedade; a economia e as formas de produção; a vida rural; as manifestações religiosas; a lenta transformação; e, por fim, o que os Romanos legaram a esta franja ocidental da Península Ibérica.
O armamento
A vitrina dedicada à exploração dos recursos económicos (a salga de peixe...)


Estátua do deus Silvano
 
            Ocupa a mostra diversas salas do emblemático Museo Nacional de Arte Romano, aí se apresentando mui significativas peças provenientes quer de Portugal quer de Espanha, a demonstrarem a enorme riqueza que a actividade arqueológica tem logrado descobrir e valorizar.
            Uma boa oportunidade para os muitos estudiosos que demandam Mérida se aperceberem das raízes que unem fortemente este e aquele lado do Guadiana e, também, as terras de entre Tejo e Douro.
                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, 28-03-2015:

A apresentação da Orquestra Sinfónica de Cascais

            Creio que facilmente se gastarão todos os adjectivos encomiásticos para se referir quão saboroso foi o serão que a nova Orquestra Sinfónica de Cascais, dirigida por Nicolay Lolav, nos proporcionou na noite de sábado, 21, no Auditório Senhora da Boa Nova, que estava repleto!
            Não sou conhecedor de Música para poder esboçar aqui uma apreciação do espectáculo em termos técnicos. Também não fui estudar os contextos específicos em que o pianista austríaco Carl Czerny (1791-1857) escreveu a sua obra nº 153, «Concerto para piano a 4 mãos e orquestra», ou as fontes de inspiração do compositor, natural da Boémia, Antonin Dvorák (1841-1904), para a sua Sinfonia nº 9, «Do Novo Mundo». Limitar-me-ei, pois, a dizer o que, como leigo, me impressionou e me encheu as medidas.

Aplauda-se a iniciativa!
            Claro, importará sublinhar, desde logo, que a criação de uma Orquestra Sinfónica constitui iniciativa de muito louvar, pelo que significa de apreço pela Cultura e, de modo especial, de apreço pela vertente musical da Cultura, nem sempre devidamente valorizada a nível de uma acção governativa autárquica inteligente.
            Se considerarmos, por outro lado, que boa parte dos mais de 70 elementos da Orquestra serão de origem estrangeira (como o é o seu maestro, ainda que nós o consideremos já mais cascalense que búlgaro) e que Cascais se guindou, nos últimos tempos, a local de residência preferido por muitos cidadãos dos quatro cantos do mundo, então se compreenderá melhor a importância da criação invulgar de uma orquestra sinfónica – para que, naturalmente, se almejam longos anos de reconhecidos êxitos, a prolongar-se muito para além da vigência do actual executivo camarário.

O espectáculo
            O ritual é sempre… um ritual. O primeiro violino levanta-se, dá o tom. Para a esquerda. Para a direita. Aqui, é possível dar o mesmo tom para ambos os lados!... Toca um pouco. Ouve as afinações. Senta-se – e é o desaforo total, que todos querem dizer ao instrumento «faz favor, porta-te bem!». Depois aguardam-se os dois pianistas e o maestro. Aplausos. Expectativa. É que, senhores, é a primeira vez (diz o programa) que vai ouvir-se em Portugal esta obra do colaborador de Beethoven! Ainda por cima, por dois mui conceituados e aplaudidos pianistas: o português Artur Pizarro (que, pasme-se, se apresentou na televisão quando tinha apenas 4 anos, agora tem 47!) e o triestino Rinaldo Zhok, um duo formado há menos de um ano. Adianto, desde já, que nos maravilharam. E até a palavra «maravilhar» é capaz de ser mínima para transmitir o calor extasiante com que nos brindaram.
            Sente-se que Lalov carrega uma responsabilidade única, embora este palco lhe seja mui familiar.
            Começa-se por um «allegro con brio». Toda uma exuberância alegre, viva, quase heróica, a que o virtuosismo dos dois pianistas empresta colorido singular. E há a dança dos arcos dos violinistas, quando estes deles prescindem para um pizicato. Todos os músicos, é bem de ver, estão compenetrados e felizes: têm a consciência plena de que participam num momento histórico, a assinalar em letras gordas nos respectivos curricula vitae. E sorriem de quando em vez. E ouvem atenta e deliciadamente os outros, sobretudo  os pianistas, quando o maestro lhes dá tréguas.
            O 2º andamento – «adagio espressivo» – abre com os fagotes a anunciarem serenidade, a que, tranquilamente, os pianos respondem. Meneiam-se, agora, de novo, os arcos alevantados.
            Foi curto este adágio – que Carl Czerny apenas quis fazer breve pausa, parece, a ganhar forças para o «vivace» do «rondó alla polacca» do 3º andamento. E os pianistas parecem que saltitam, agora, como passarinhos contentes ao sol da manhã!...
            O intervalo – após os longos aplausos de pé, com «bravos!» – serviu para que quem se não via há um tempo pudesse trocar impressões e mutuamente rejubilar-se com o facto de estar vivo e poder saborear esta beleza. Vimos o casal Pinto Balsemão, Georges Dargent, o contentamento do senhor presidente da Câmara e dos membros do Executivo e seus colaboradores
            Começou a Sinfonia nº 9, vibrante no adágio, ainda que o «allegro molto» haja perlado de novo o rosto do maestro irrequieto, a querer estar em todos os naipes. Bem tranquilo, ao invés, com silêncios pelo meio o 2º andamento, largo… Foi, porém, sol de pouca dura, que «molto vivace» era o 3º e não havia tempo a perder. Atacou-se com força, na apreciação do rigor do movimento, do gesto, do toque, ao centésimo de segundo, mesmo com novos bailados dos arcos dos violinos a encaminharem-se para o inesperado «grito» no final, um espanto! E, a terminar, o bem conhecido «allegro com fuoco» do 4º andamento, lá vinha o mote de quando em vez, como eco para não esquecer e a trautear e a desafiar a fúria dos violinos…
            Aplaudimos longamente, de pé. Foi um privilégio estarmos vivos, ali, e vermos como também eles, os músicos, ficaram deliciados com o impecável desempenho que haviam logrado ter. Aplaudimos naipe a naipe, entre sorrisos, entre os brados de «bravo!». Aplaudimos todos. Nikolay Lalov não podia deixar de se sentir realizado, até porque, depois do Departamento de Dança do Conservatório de Cascais, oficialmente iniciado a 27 de Fevereiro, via agora realizado mais um sonho que poderia ter-se pensado inatingível: a criação de uma Orquestra Sinfónica que vai deliciar-nos no começo de cada estação: fará, a 13 de Junho, o concerto de Verão; a 24 de Outubro, o de Outono; e a 12 de Dezembro, o de Inverno. Já agendei!
                                                           José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal,  edição de 28-03-2015:

quarta-feira, 25 de março de 2015

Ó mãe, o mergulho tem casos!

              ‒ Mãe, o mergulho tem casos destes! Veio um golfinho ter comigo; fiz-lhe festas; nadámos juntos; depois, desapareceu e veio daí a pouco com um saco de plástico na boca; tirei-lho e ele partiu de novo; menos de um minuto depois já ali estava, com outro saco de plástico. Garanti-lhe que percebera a mensagem e que apanharia todos os sacos que encontrasse!...
            Chegou-me, há dias, o vídeo daquela moreia a deliciar-se com as festas do mergulhador. Delícia que era também cumplicidade, pois a ‘menina’ cedo se apercebeu que, atrás do mimo, viria oferta de mui saborosa sardinha…
            O maravilhoso mundo subaquático, que bem precisamos de continuar a preservar.
Casos feios
            A 13 de Março, p. p., o amigo Zétó partilhou comigo a fotografia que o JornalCiencia publicara no facebook a mostrar «uma imensa baleia que morreu após ingerir mais de 17 quilos de diferentes tipos de plástico».
            «A autópsia mostrou ainda – reza a legenda – que o material era proveniente de estufas no sul de Almeria e de Granada», em Espanha, destinadas à produção de tomate. «Apesar das suas 50 toneladas e 14 metros de comprimento», bastaram poucos quilos de plástico para provocar a morte, conclui-se.
            Não podemos, por conseguinte, deixar de vivamente nos congratularmos com as recentes restrições ao uso imoderado dos sacos de plástico, no apelo a que voltemos ao bonito saco de pano para irmos à padaria, à típica cesta de junco ou simpática alcofa de esparto ou de empreita, produto dos nossos artesãos, quando vamos ao mercado.
            A imagem do enorme mamífero arrojado à praia não me deixou indiferente, no contraste com a maravilha que os dois bonitos casos anteriores me haviam despertado.
            E cá estou a recordar os instantâneos amavelmente partilhados também por Miguel Lacerda, incansável defensor do mar que nos rodeia. Baterias de barcos, peças de motores, um carrinho de supermercado… Tudo arrancado ao fundo do mar, numa das periódicas limpezas a que se procede na marina de Cascais. Instantâneos chocantes, incompreensíveis, a mostrar como até aqueles que no mar têm o seu ganha-pão se esquecem, por vezes – demasiadas vezes!… – dos deveres por ele impostos, a fim de que uma cumplicidade de excelência possa duradoiramente manter-se…
            Paralelamente, Nélio Saltão pegou nos apetrechos piscatórios patentes no cais cascalense e metamorfoseou-os em pinturas onde a intensa geometria cromática nos leva a sonhar pelo pélago sem fim, nas salas do Centro Cultural de Cascais. «Ancorados» foi o nome que deu à exposição, numa homenagem aos homens do mar:
            «Ancorados estarão, porventura, os barcos que de redes, bóia e âncora se serviram. Pelo aspecto, destes não mais se servirão. Pausa temporária ou abandono total, na triste espera de um fim definitivo? Recordam, claro – como os humanos em curva descendente… – andanças longas em águas tingidas pelas múltiplas cores que os raios de Sol lhes despertavam. As cores do plâncton, dos ruivos, pescadas, lustrosos carapaus, chicharros irisados…»
            É excerto da abertura do catálogo que tive a honra de redigir.
            – Ó mãe, o mergulho tem casos destes!
            E nós a querermos que sejam sempre casos bons!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 85, 25-03-2015, p. 6.
Esta a imagem que Maria Fernanda Costa enviou e a que se refere no seu comentário.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Cruzeiro Seixas esteve aqui!

Selos emitidos em homenagem ao Artista,
com reprodução de dois dos seus trabalhos.
             Tive o privilégio de privar com este grande pioneiro e mestre do Surrealismo português, aquando dirigiu a galeria da Junta de Turismo da Costa do Estoril e aí deu azo ao seu espírito livre e provocador, ciente como estava de que também é pela Arte que podem consolidar-se revoluções. Esse período quase heróico tive ocasião de evocar com Cruzeiro Seixas, no apartamento que o acolhia, numa casa de repouso aqui no Estoril, na tarde de 15 de Dezembro de 2010, pouco tempo depois de haver completado 90 anos e já nessa altura só via vultos, confessou-me, que, de tanto se apurar na criação, a vista não o conseguia ajudar.
            Faz um ano este mês que Viegas Gomes se referiu, nas colunas deste jornal, ao facto de se ter procedido ao descerramento de uma placa evocativa na casa do sítio da Calçada, onde o artista viveu durante cinco anos, de 1984 a 1989. Convidara-o Tomás Ribas, delegado da Cultura do Algarve, para… desempoeirar o ambiente artístico meridional e ousar, também aqui, rasgar horizontes!
            Do papel fundamental que Cruzeiro Seixas desempenhou no panorama artístico nacional – e até europeu! – falarão largamente os especialistas. Por ora, cumpre-me salientar o gesto e a opção.
            Primeiro, a opção: muito gostaríamos que outros vultos das Letras, das Artes e das Ciências escolhessem S. Brás para viver ou, pelo menos, para aqui amiúde residirem. Garantimos que seriam bem recebidos – como o são (e queremos que continuem a sê-lo) os membros das colónias estrangeiras que nos honram com a sua permanência.
            Depois, o gesto da colocação da placa. A iniciativa partiu, então, da delegação distrital da Sociedade Portuguesa de Autores; contudo, estiveram presentes os mais altos representantes do município, associando-se à homenagem de alma e coração. E há que não deixar passar essas oportunidades – para continuarmos a levantar bem alto o nome de S. Brás de Alportel, como terra onde se gosta de viver e há condições para uma vida em plenitude!

                                               José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz nº 220, 20-3-2015, p. 21.

domingo, 15 de março de 2015

Numa sedução de cor…

             Um odor a salgadiço. Ausência presente de peixes cativos em luzidio estrebuchar. Já não são de fibras naturais as malhas enegrecidas das redes; substituem-nas o plástico resistente, multicolor. Geometria de quadrados repetida, repetida, a tropeçar agora num baraço esfiampado e naquela bóia esférica, metálica, corroída pelo sal, a magoar-se na ferrugem de abandonada fateixa.
            Ancorados estarão, porventura, os barcos que de redes, bóia e âncora se serviram, Pelo aspecto, destes não mais se servirão. Pausa temporária ou abandono total, na triste espera de um fim definitivo? Recordam, claro – como os humanos em curva descendente… – andanças longas em águas tingidas pelas múltiplas cores que os raios de Sol lhes despertavam. As cores do plâncton, dos ruivos, pescadas, lustrosos carapaus, chicharros irisados…
            Ancorados, os barcos; ancorados, os homens que deles dependem. A sedução de uma serenidade almejada que se sabe ser fugidia – que nova maré se apresta já e vamos partir aos primeiros alvores do arrebol…
            Essa, a sedução do pescador; bem outra, afinal, a sedução que enfeitiça o Artista. Sente o odor salgadiço, vê a infinita repetição do reticulado – e vai por aí, numa homenagem aos homens do mar, a dar-lhes tons variegados e garridos, que para negruras já basta a ansiedade dos dias. Queremos um banho de cor! Queremos saltitar de alegria – como quem passa o rio em poldras e se delicia com a visão das pétalas abertas de nenúfares ao rés d’água!...
            Assim, Nélio Saltão!
           Aquando do primeiro caminhar sobre essas oscilantes poldras da Pintura, fixou-se na realidade concreta, qual Cézanne, inebriando-a de cor. Naturezas mortas, a convidarem ao repasto; aquele saxofonista, a pedir atento escutar; a mesa de jogo, a requerer meditação… Mas já nesta última o espírito geométrico e a fuga do real se esboçavam. «Ancorados» sublima essa fuga – e deixa-nos encantados na repetição sempre diversa, desigual como o são todas as aventuras pesqueiras.
            Também nós, sentindo-nos ancorados, achamos que o areal e o cais dos coloridos apetrechos a esmo constituem forte apelo a um sonho urgente. E é isso que o Artista quer!
                                                                    José d'Encarnação
 
Nota: Abertura do catálogo da exposição ANCORADOS, de Nélio Saltão, inaugurada a 13 de Março de 2015, numa das salas do Centro Cultural de Cascais. Insere-se no âmbito das comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a vila e tem como objectivo homenagear os pescadores. Apresentam-se fotos do autoria do artista a mostrar os apetrechos de pesca em que se inspirou e dois dos quadros ali expostos.
 
 

                                                                                 

quarta-feira, 11 de março de 2015

Os nossos artistas

             A morte recente do cascalense Victor Belém (1938-25.02.2015) fez-me ir à prateleira das memórias. Deveria fazer investigação a fim de dar conta do que o Victor concretizou ao longo de uma vida irrequieta. Encontrei, porém, de imediato, por exemplo, na página da Galeria Fonseca Macedo, um texto em que se caracteriza a obra do Victor – http://www.fonsecamacedo.com/ver_textos.php?id_expo=25&ling=pt – com aqueles termos técnicos comuns em crítica de arte e naturalmente pertença do saber de quem pelas águas da criação artística mui sabiamente navega e, por isso, quer por ser elucidativo, quer por eu não saber escrever assim, partilho de bom grado.
            O Victor integrava aquele grupo de artistas totalmente irreverentes que, na 2ª metade da década de 60, abalou Cascais, numa altura em que os senhores agentes da PIDE minuciosamente perscrutavam os artistas e as suas obras. Sabiam – e tinham razão! – que era a Arte uma arma poderosa. Sempre o vi naquele perfil franzino, quase desconjuntado, empenhado em fazer ‘instalações’ quando ainda a maior parte de nós não sabia bem o que isso era. E de cada objecto ali plantado, daquela maneira e não podia ser doutra, dimanava uma mensagem. Filosofias!...
            Estava o Victor como funcionário ou em comissão de serviço artístico na Secretaria de Estado da Cultura quando, por sugestão do Engº Luís Casanovas, que superintendia ao Palácio da Cidadela (sob tutela do IPPC), o Guilherme Cardoso e eu nos lançámos na tarefa de apresentar, em Agosto de 1986, a exposição «Cascais no Tempo dos Romanos». Mostrámos o que de mais significativo já nessa altura havia do espólio romano do concelho, porquanto as escavações em Freiria haviam começado no ano anterior com surpreendentes e inesperadas descobertas. E quem é que pensou connosco na melhor forma de tudo expor e de tornar bonitos e agradáveis os baixos abobadados do palácio? Victor Belém! A exposição foi um êxito, nomeadamente porque o Victor pôs aí todo o seu talento e saber. E se não conseguimos (haja fé que um dia se conseguirá!...) convencer o Executivo liderado por Georges Dargent de que a vila carecia urgentemente de um equipamento em que ao Povo e aos Turistas se mostrassem as riquezas arqueológicas (de que os espécimes expostos eram magro testemunho), o certo é que se acabou por definir assim o destino dessas salas, onde hoje o Museu da República instala as suas exposições temporárias. Ao gosto de Victor Belém tal se fica a dever!
            Gostava dele, como se gosta de um amigo que sabe respeitar as nossas ideias e gerir cumplicidades, carreando uma vaga de fundo capaz de mover montanhas. Não nos encontrávamos amiúde; mas era sempre aquele abraço fraterno que tínhamos quando adregava estarmos juntos. E como poderia esquecer – eu, epigrafista confesso! – o auto-epitáfio que ele desencantou na Biblioteca Nacional e que lhe inspirou um diaporama em 1983? Dizia a folha, que guardo: D. M. / EU.SOU. IRMAM / DE MIM.MESMA / S. M. T. L. / 1783. Comentámos, com gosto, esse jeito, bem à latina, de invocar os deuses Manes e, no final, de se desejar a si mesma «que a terra me seja leve» – S(it) M(ihi) T(erra) L(evis)… Que a terra te seja leve, Victor!

Os azulejos do Artur José
            Que o leitor me perdoe estas evocações. Bem sei que era muito mais interessante – e, quiçá, sadio! – escolher outro tema. Ler, por exemplo, se as tivesse à mão, as actas das reuniões camarárias. Calhou-me sob os olhos uma, outro dia. E achei que os nossos vereadores se preparam arduamente para o hemiciclo de S. Bento, onde também a verve que os eleitos ostentam é de mui alto gabarito e de elevado sentido de humor, no esgrimir das palavras e no derrubar, sem dó nem piedade, opiniões contrárias.
            Fico-me por outros artistas – que ao Belo despreocupadamente nos convocam. Têm também ideologias subjacentes. Obedecem a cânones estéticos que longamente hauriram no convívio com outros artistas, na sua escola, aqueles a quem respeitosamente se referem nos currículos constantes dos catálogos: estudou com Fulano, estagiou em Paris com Sicrano. Mestres! De quem sequiosamente aprenderam e lhes ensinaram como poderiam, depois, singrar sozinhos.
            Recordo Artur José. Muito direito, esguio na sua magreza, como que a pedir licença para vestir um casaco que lhe pudesse dar mais algum volume. A figura de um asceta, de mui poucas palavras. Passava o ano em Lisboa, a trabalhar arduamente, ele que tratava o azulejo por tu (encantava-nos também a originalidade das formas) e sabia exactamente como se fazia aquele azul, como é que aquele verde não escorreria, como é que o painel ou o vaso cerâmico ou a jarra poderia engalanar-se de cores novas, numa paleta infinita.
                                        E pela Primavera ou no Verão, lá vinha ele, de armas e bagagens, para expor no Casino:
            «O ceramista Artur José tem patente desde 30 de Abril a sua 19ª exposição individual, de pintura e cerâmica, na Galeria de Arte do Casino Estoril, comemorando 40 anos de exposições naquele espaço do Casino» – lê-se numa informação à imprensa de 2005.
            Faleceu com 78 anos, a 19 de Fevereiro de 2010. Que descanse em paz!

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 83, 11-03-2015, p. 6.

 

  
 

terça-feira, 10 de março de 2015

Com que jête, môce?

             Advertiu-me um colega do erro que eu cometera: deve dizer-se «tese» e não «dissertação» de doutoramento, porque este último termo se reserva para o mestrado. A minha primeira reacção foi:
             - Com que jête, môce?!
            Depois, pensei melhor e concordei: num mestrado (e então nos que ora se fazem!...), disserta-se, expõe-se, conversa-se… No doutoramento, há que lançar uma hipótese, desenvolver um raciocínio lógico e chegar à demonstração de uma ideia inovadora (a tese).
            No entanto, o que mais me impressionou foi o inesperado da minha espontânea exclamação, eco profundo de frase comum na minha infância.
            Além do ‘jeito’ à moda algarvia, fixei-me no môce, que, aliás, amiúde se reduz a mó, muito mais interessante, de resto, que o corriqueiro pá, derivado de ‘rapaz’. Senão, veja-se: rapaz vem do latim «rapax», que significa, na origem, «o criado propenso a roubar», «rapace»; em contrapartida, moço (e lembramos de imediato Bernardim Ribeiro, «menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe»…) vem (pasme-se!) do adjectivo latino musteus, «doce como o vinho novo», como o mosto, «sumarento»…
            Diga-se lá que o Algarve não sabe dar cartas até no vocabulário!...
                                                                                  
                                                                       José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 194/195, Março/Abril de 2015, p. 10.

 

 

quinta-feira, 5 de março de 2015

Alegria e sistema preventivo

            Evoco amiúde os meus tempos salesianos, quer como estudante quer como professor embebido do que sempre nos acostumámos a designar de «espírito salesiano».
          Como docente, a proximidade era de regra: o carisma a que D. Bosco chamou de «sistema preventivo». Prevenir, mil vezes melhor do que remediar – essa, a estratégia. E, por isso, não revejo uma escola salesiana sem ter, no pátio, os professores a jogar com os estudantes, a confraternizar com eles; sem imaginar um palco onde professores e alunos cantam, representam, declamam… Uma presença que não intimida nunca, é a do irmão mais velho, que não desdenha dar um pontapé na bola, pegar na raquete, sujeitar-se a poder falhar ao querer encestar no basquetebol… Está ali. Não são precisas palavras nem gestos. Basta estar, jogar, sorrir.
            Exacto: sorrir! Que essa é a outra faceta que não esqueço. Educar na alegria. A incitação de S. Paulo aos Filipenses (4, 4), que D. Bosco repetia: «Alegrai-vos, de novo vos digo: alegrai-vos!». Mantém todo o seu expressivo valor. Numa época em que a capacidade de se maravilhar está a esmorecer; em que abrir a janela pela manhã e proclamar ‘está um lindo dia para sorrir!’ não é atitude quotidiana - e devia ser!
                                                                       José d’Encarnação
 
Publicado no Boletim Salesiano nº 549 (Março/Abril 2015) p. 38.

terça-feira, 3 de março de 2015

Olha, a carroça vai vazia!

             Pareceu-me ter compreendido, outro dia, que determinado jogador poderia ser multado se se recusasse a vir fazer declarações, após o jogo, à chamada «zona das entrevistas curtas». Apercebi-me, então, de duas coisas: a primeira, a zona tem como pano de fundo os logótipos das marcas patrocinadoras e aqueles momentos são, pois, obrigatórios e até os segundos devem aí ser cronometrados a rigor; segunda, a razão de, com demasiada frequência, os jogadores não saberem o que hão-de dizer.
            Uma das frases mais ouvidas será, porventura, «vamos jogar para ganhar!», que tem uma variante: «Jogamos sempre para ganhar!».
            E eu fico a pensar: que diabo! Eu sempre joguei para ganhar, a não ser que estivesse doente ou que, por brincadeira com os meus netos, lhes desse a eles, pedagogicamente, a possibilidade de me ganharem. Mas, mesmo a botões, como sói dizer-se, o indígena joga para ganhar, quanto mais um treinador de futebol!...
            Compreende-se: essa é uma frase que não mói ninguém, porque é tão evidente que não aquenta nem arrefenta e o busílis será, um dia, quando um jogador vier e disser que «vocês bem sabem, nós hoje jogámos para perder»! Se foi de propósito, havia mouro na costa e teriam a Federação à perna para descobrir a marosca!
            Frases ocas, vazias de significado preciso, como as dos que fazem campanha eleitoral e são capazes de prometer a Lua, que o Povo é de promessas que gosta e logo depois, como escreveu Gustave Le Bon, depressa as promessas se põem para trás das costas…
            Mas o adjectivo ‘vazio’ fez-me lembrar uma daquelas mensagens que os amigos amiúde nos enviam, plenas de sabedoria. É a da carroça vazia. O pai está a dar um passeio com o filhote num parque:
            Além do trinar dos pássaros, que é que tu estás a ouvir?
            O moço apurou o ouvido:
            Vem aí uma carroça, pai!
            Sim, meu filho, uma carroça. E vazia!
            Vazia? Como é que tu sabes que está vazia, se ainda não a viste?
            Pelo barulho. Quanto mais vazia, mais barulho ela faz!
            Pois!
                                                                                                          José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde) nº 657, 01-03-2015, p. 12.

domingo, 1 de março de 2015

De pão do corpo a pão da cultura!

             Foi com esta ideia que o maestro Nikolay Lalov, director do Conservatório de Música de Cascais, deu conta do que se passara: na Rua do Viveiro, muito perto das instalações do Conservatório, fora posto à venda o espaço de um supermercado. As demoradas negociações acabaram por chegar a bom termo e… o lugar onde se vendia pão para o corpo passou a conceder alimento para o espírito!
            A inauguração do espaço ocorreu na tarde do dia 27, sexta-feira, com a presença de Carlos Carreiras, que descerrou a singela placa comemorativa juntamente com o maestro. Seguiu-se uma visita às instalações já recuperadas (aí já funcionam aulas) e, no salão de 130 metros quadrados, o maestro começou por explicar os dois segredos da sua equipa, em resposta a quem poderia pensar que a Orquestra de Câmara de Cascais Oeiras (OCCO) ‘nadava em dinheiro’. E os dois segredos são: planear correctamente e gastar apenas dentro dos limites previstos. Deu, aliás, como significativo exemplo a norma: «Ao sair, apague a luz!». De resto, o rigor pauta a sua actuação e a dos seus colaboradores – ou não fossem os músicos obrigados a um rigor matemático, sobretudo no tempo!... – e mais uma prova disso está no facto de o programa da cerimónia ter previsto inauguração às 16 h, actuação dos alunos do CMC às 16.20 e porto de honra às 16.30!
            Os convidados tiveram, pois, oportunidade de assistir à execução, por duas alunas, de um trecho musical em flauta; à actuação de numeroso grupo de crianças em canções infantis mimadas; e à apresentação de três apontamentos – de bailado clássico, de bailado moderno e contemporâneo. Seguiu-se o anunciado porto de honra, em que foi possível degustar vinhos da colheita de amigos da OCCO.
            O Departamento de Dança, embrião do Conservatório de Dança de Cascais, começa a sua actividade com 20 alunos, mas tem capacidade para 200. O espaço adquirido representou um investimento global de 160 000 euros feito pelo próprio Conservatório, que tem na actualidade 380 alunos nos vários segmentos artísticos que lecciona. As modalidades disponíveis no inaugurado Departamento são: Barra no chão, Cardio-dance / zumba, dança clássica, dança moderna / contemporânea, dança criativa, dança terapia, hip hop, dança localizada, música e movimento, teatro e dança e composição coreográfica.
            Ao maestro Nikolay Lalov e a toda a sua equipa os nossos votos de mui acrescidos sucessos.
            Agradeço a Luís Bento a cedência gentil das fotografias que ilustram esta nota.
                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 01-03-2015:

Bairro dos Museus, um novo conceito em Cascais

             Há muito que sentíamos isso: a vila de Cascais passara a ter uma nova centralidade cultural, em torno do Centro Cultural (antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade): ao vetusto Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães (perdoem-me, mas eu prefiro continuar a chamar-se o que ele é) juntara-se, por ordem cronológica, o Museu do Mar Rei D. Carlos I, a Casa das Histórias Paula Rego, o Museu dos Faróis (Farol-museu de Santa Marta), a Casa de Santa Maria.
            Também a casa do guarda do museu passou a chamar-se Casa Duarte Pinto Coelho (como local de exposições, de modo especial, do espólio deste artista); a igreja matriz (com o seu notável recheio de pinturas, talha e azulejaria) está ali; a Casa Sommer (em reabilitação) depressa se tornará sede do Arquivo Municipal; e, claro, o Parque Marechal Carmona, que a todos de certo modo precedera, o pulmão aonde diariamente acorrem centenas de cascalenses.
            Por consequência, o conceito Bairro dos Museus – que existe com todo o êxito em Viena de Áustria e em Amesterdão – veio mesmo a calhar e a anunciada possibilidade de haver um bilhete comum para todos estes equipamentos (aqueles em que se paga a entrada) e, sobretudo, uma programação cultural plena de complementaridade acrescenta originais potencialidades do maior interesse.

A apresentação
            A cerimónia de apresentação ocorreu (com pompa e circunstância, assinale-se) na quinta-feira, 26, ao final da tarde, no auditório do Centro Cultural, que foi pequeno para conter quantos acorreram ao convite. Aí se ajuntaram, diga-se, muitos vultos da cultura cascalense e nacional (mormente aqueles – muitos – que escolheram Cascais para viver) e muitos rostos conhecidos do desporto e da Comunicação Social, que, ao jantar volante, não se cansaram de tecer elogios à ideia.
            Após a projecção de um vídeo explicativo, discursou Carlos Carreiras, presidente da Câmara, a integrar a iniciativa no conjunto da programação cultural do Executivo, com a finalidade, disse, de tornar Cascais um concelho onde é agradável viver uma hora, um dia, uma semana, uma… vida!
            Ao jornalista António Borga foi pedido que apresentasse a filosofia que subjaz ao conceito; e encarregou-se a actriz Ana Padrão de nomear, um a um, os vários equipamentos constantes do «bairro».
            O Professor Salvato Teles de Menezes, director-delegado da Fundação D. Luís I (entidade que superintende ao «bairro»), deu conta, desde logo, da programação prevista para os próximos meses, sublinhando que, desta sorte, se garantia a rendibilização dos recursos disponíveis, a criação de uma programação coerente e a diversificação da oferta artístico-cultural.
            Deixei para o fim a referência ao que constituiu, a meu ver, um dos momentos mais altos da sessão: Júlio Resende interpretou ao piano, no seu jeito inconfundível, alguns dos temas inseridos no seu magnífico álbum «Amália». Direi que é um consolo d’alma ouvir o disco; mas ver e ouvir ao vivo o artista é ainda mais reconfortante. A sua interpretação, por exemplo, de «Mãe Preta», em que, a determinado momento, deixa as teclas e faz percussão nas tábuas do piano, não deixa ninguém indiferente, assim como, naturalmente, o tema «Medo», naquela inesperada e totalmente conseguida junção da voz de Amália com as suas divagações jazísticas… Até arrepia! Forte e bem merecido aplauso para tão talentoso jovem, que mui proximamente estará de novo em Cascais, agora para apresentar o disco na sua totalidade.

Um bairro museológico que se alarga
            Diga-se que, para além dos equipamentos atrás citados, o conceito Bairro dos Museus alargou-se a outros que se não situam no mesmo horizonte geográfico, mas que cumprem idêntica função.
            Para já, importa assinalar que – embora não gerido pelo Município – temos ao lado o espaço da Cidadela, resultante do aproveitamento do antigo Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea e de Costa, uma fortaleza de grande tradição, onde apenas há a lamentar que o projecto de reabilitação e aproveitamento não haja previsto um recanto (pequeno que fosse) de evocação do que foi a densa história vivida pelos militares que, desde o século XVI, por ali passaram. Integrado nesse complexo está o Palácio da Cidadela, actualmente sob a tutela do Museu da Presidência, por estar intimammente ligado a Presidência da República (foi residência de Verão de reis e presidentes!...), onde a Capela de Nossa Senhora da Vitória não será monumento de somenos.
            Acoplada, de cerro modo, a este palácio e à Cidadela, a fortaleza de Nossa Senhora da Luz, onde, há anos, se concretizaram campanhas de escavações arqueológicas, de forma a possibilitar a sua visita.
            Ligado ao Museu do Mar, temos, na orla marítima, o Forte de S. Jorge de Oitavos, com uma exposição permanente que ora recorda a importância estratégica de todo esse litoral de Cascais ao sopé da Serra de Sintra e onde se desenvolvem inúmeras iniciativas, nomeadamente exposições temporárias.
            A Casa-Museu Verdades de Faria (assim designada por vontade do seu doador, Mantero Belard, em honra de sua mulher), no Monte Estoril, transformou-se em Museu da Música Tradicional Portuguesa. Para além da beleza da sua arquitectura (obra de Raul Lino, tal como o foi a atrás referida Casa de Santa Maria), da sua azulejaria e do seu enquadramento paisagístico em mui bonançoso parque, contém o espólio de dois grandes músicos portugueses: Fernando Lopes-Graça e Michel Giacometti, que ambos foram munícipes de Cascais.
            Criou-se no 1º andar do edifício dos Correios no Estoril o chamado Espaço-Memória dos Exílios, dedicado expressamente a documentar o que foi o acolhimento dado por Cascais aos muitos refugiados (monarcas, escritores, diplomatas…) da II Grande Guerra, que por aqui passaram e alguns acabaram por fixar-se.
            Fruto da doação do conhecido escritor e artista Reynaldo dos Santos, há ainda, na Parede, a Casa Reynaldo dos Santos e Irene Virote Quilhó dos Santos, transformada em centro de investigação.
            A remodelação levada a cabo, há alguns anos, no Parque Palmela, ora a usufruir de uma espaçosa entrada de feliz desenho urbanístico, dotou-o do Auditório Fernando Lopes Graça, também ele integrado no «bairro» e, desta sorte, a sua já abundante programação será doravante publicitada em conjunto com os demais elos da comunidade ora criada. O próprio parque, com todas as suas potencialidades (pistas para jogos de aventura, observação de espécies arbóreas mediterrânicas, à entrada, por exemplo, uma pequena mata classificada de dragoeiros…), foi incluído no conceito.
            Acrescente-se que novas infra-estruturas e valências culturais estão já previstas a breve prazo. Refiram-se: o Museu de História da Vila (de que há já um embrião nos baixos do Palácio dos Condes da Guarda, os Paços do Concelho), o Museu do Cartoon, o Museu do Automóvel Clássico e uma orquestra sinfónica (a juntar à Orquestra de Câmara de Cascais Oeiras, que desenvolve, também ela, um programa de excelência ao longo do ano). E que há a intenção de haver «a possibilidade de compra de bilhetes cruzados, a existência de passes diários» assim como o estabelecimento de protocolos com hotéis e restaurantes e concessionários de transportes públicos e parques de estacionamento.

O logótipo
            Vive-se da imagem, queiramos ou não. Por consequência, quando se pensou no conceito, decidiu-se de imediato que deveria existir uma imagem que o consubstanciasse.
            O convite foi endereçado a Irina Blok, reconhecida designer de origem russa ora a viver em S. Francisco, nos Estados Unidos, a criadora do logótipo do Google Android, convite que aceitou de muito bom grado, como tivemos ocasião de ouvir da sua boca no primeiro vídeo projectado no decorrer da sessão.
            E, como sempre acontece, resultou numa expressão bem simples: um quadrado com o quarto superior aberto, a dar possibilidade – como de resto, aconteceu – de nele esquematicamente se inserir a imagem estilizada de cada um dos equipamentos constantes da realidade «bairro», tarefa de que se incumbiu, com pleno êxito, Filipe Silva, designer da Casa das Histórias Paula Rego. Resultou muito bem – e há que aplaudir!
                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 01-03-2015: