terça-feira, 3 de março de 2015

Olha, a carroça vai vazia!

             Pareceu-me ter compreendido, outro dia, que determinado jogador poderia ser multado se se recusasse a vir fazer declarações, após o jogo, à chamada «zona das entrevistas curtas». Apercebi-me, então, de duas coisas: a primeira, a zona tem como pano de fundo os logótipos das marcas patrocinadoras e aqueles momentos são, pois, obrigatórios e até os segundos devem aí ser cronometrados a rigor; segunda, a razão de, com demasiada frequência, os jogadores não saberem o que hão-de dizer.
            Uma das frases mais ouvidas será, porventura, «vamos jogar para ganhar!», que tem uma variante: «Jogamos sempre para ganhar!».
            E eu fico a pensar: que diabo! Eu sempre joguei para ganhar, a não ser que estivesse doente ou que, por brincadeira com os meus netos, lhes desse a eles, pedagogicamente, a possibilidade de me ganharem. Mas, mesmo a botões, como sói dizer-se, o indígena joga para ganhar, quanto mais um treinador de futebol!...
            Compreende-se: essa é uma frase que não mói ninguém, porque é tão evidente que não aquenta nem arrefenta e o busílis será, um dia, quando um jogador vier e disser que «vocês bem sabem, nós hoje jogámos para perder»! Se foi de propósito, havia mouro na costa e teriam a Federação à perna para descobrir a marosca!
            Frases ocas, vazias de significado preciso, como as dos que fazem campanha eleitoral e são capazes de prometer a Lua, que o Povo é de promessas que gosta e logo depois, como escreveu Gustave Le Bon, depressa as promessas se põem para trás das costas…
            Mas o adjectivo ‘vazio’ fez-me lembrar uma daquelas mensagens que os amigos amiúde nos enviam, plenas de sabedoria. É a da carroça vazia. O pai está a dar um passeio com o filhote num parque:
            Além do trinar dos pássaros, que é que tu estás a ouvir?
            O moço apurou o ouvido:
            Vem aí uma carroça, pai!
            Sim, meu filho, uma carroça. E vazia!
            Vazia? Como é que tu sabes que está vazia, se ainda não a viste?
            Pelo barulho. Quanto mais vazia, mais barulho ela faz!
            Pois!
                                                                                                          José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde) nº 657, 01-03-2015, p. 12.

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