domingo, 1 de março de 2015

Bairro dos Museus, um novo conceito em Cascais

             Há muito que sentíamos isso: a vila de Cascais passara a ter uma nova centralidade cultural, em torno do Centro Cultural (antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade): ao vetusto Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães (perdoem-me, mas eu prefiro continuar a chamar-se o que ele é) juntara-se, por ordem cronológica, o Museu do Mar Rei D. Carlos I, a Casa das Histórias Paula Rego, o Museu dos Faróis (Farol-museu de Santa Marta), a Casa de Santa Maria.
            Também a casa do guarda do museu passou a chamar-se Casa Duarte Pinto Coelho (como local de exposições, de modo especial, do espólio deste artista); a igreja matriz (com o seu notável recheio de pinturas, talha e azulejaria) está ali; a Casa Sommer (em reabilitação) depressa se tornará sede do Arquivo Municipal; e, claro, o Parque Marechal Carmona, que a todos de certo modo precedera, o pulmão aonde diariamente acorrem centenas de cascalenses.
            Por consequência, o conceito Bairro dos Museus – que existe com todo o êxito em Viena de Áustria e em Amesterdão – veio mesmo a calhar e a anunciada possibilidade de haver um bilhete comum para todos estes equipamentos (aqueles em que se paga a entrada) e, sobretudo, uma programação cultural plena de complementaridade acrescenta originais potencialidades do maior interesse.

A apresentação
            A cerimónia de apresentação ocorreu (com pompa e circunstância, assinale-se) na quinta-feira, 26, ao final da tarde, no auditório do Centro Cultural, que foi pequeno para conter quantos acorreram ao convite. Aí se ajuntaram, diga-se, muitos vultos da cultura cascalense e nacional (mormente aqueles – muitos – que escolheram Cascais para viver) e muitos rostos conhecidos do desporto e da Comunicação Social, que, ao jantar volante, não se cansaram de tecer elogios à ideia.
            Após a projecção de um vídeo explicativo, discursou Carlos Carreiras, presidente da Câmara, a integrar a iniciativa no conjunto da programação cultural do Executivo, com a finalidade, disse, de tornar Cascais um concelho onde é agradável viver uma hora, um dia, uma semana, uma… vida!
            Ao jornalista António Borga foi pedido que apresentasse a filosofia que subjaz ao conceito; e encarregou-se a actriz Ana Padrão de nomear, um a um, os vários equipamentos constantes do «bairro».
            O Professor Salvato Teles de Menezes, director-delegado da Fundação D. Luís I (entidade que superintende ao «bairro»), deu conta, desde logo, da programação prevista para os próximos meses, sublinhando que, desta sorte, se garantia a rendibilização dos recursos disponíveis, a criação de uma programação coerente e a diversificação da oferta artístico-cultural.
            Deixei para o fim a referência ao que constituiu, a meu ver, um dos momentos mais altos da sessão: Júlio Resende interpretou ao piano, no seu jeito inconfundível, alguns dos temas inseridos no seu magnífico álbum «Amália». Direi que é um consolo d’alma ouvir o disco; mas ver e ouvir ao vivo o artista é ainda mais reconfortante. A sua interpretação, por exemplo, de «Mãe Preta», em que, a determinado momento, deixa as teclas e faz percussão nas tábuas do piano, não deixa ninguém indiferente, assim como, naturalmente, o tema «Medo», naquela inesperada e totalmente conseguida junção da voz de Amália com as suas divagações jazísticas… Até arrepia! Forte e bem merecido aplauso para tão talentoso jovem, que mui proximamente estará de novo em Cascais, agora para apresentar o disco na sua totalidade.

Um bairro museológico que se alarga
            Diga-se que, para além dos equipamentos atrás citados, o conceito Bairro dos Museus alargou-se a outros que se não situam no mesmo horizonte geográfico, mas que cumprem idêntica função.
            Para já, importa assinalar que – embora não gerido pelo Município – temos ao lado o espaço da Cidadela, resultante do aproveitamento do antigo Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea e de Costa, uma fortaleza de grande tradição, onde apenas há a lamentar que o projecto de reabilitação e aproveitamento não haja previsto um recanto (pequeno que fosse) de evocação do que foi a densa história vivida pelos militares que, desde o século XVI, por ali passaram. Integrado nesse complexo está o Palácio da Cidadela, actualmente sob a tutela do Museu da Presidência, por estar intimammente ligado a Presidência da República (foi residência de Verão de reis e presidentes!...), onde a Capela de Nossa Senhora da Vitória não será monumento de somenos.
            Acoplada, de cerro modo, a este palácio e à Cidadela, a fortaleza de Nossa Senhora da Luz, onde, há anos, se concretizaram campanhas de escavações arqueológicas, de forma a possibilitar a sua visita.
            Ligado ao Museu do Mar, temos, na orla marítima, o Forte de S. Jorge de Oitavos, com uma exposição permanente que ora recorda a importância estratégica de todo esse litoral de Cascais ao sopé da Serra de Sintra e onde se desenvolvem inúmeras iniciativas, nomeadamente exposições temporárias.
            A Casa-Museu Verdades de Faria (assim designada por vontade do seu doador, Mantero Belard, em honra de sua mulher), no Monte Estoril, transformou-se em Museu da Música Tradicional Portuguesa. Para além da beleza da sua arquitectura (obra de Raul Lino, tal como o foi a atrás referida Casa de Santa Maria), da sua azulejaria e do seu enquadramento paisagístico em mui bonançoso parque, contém o espólio de dois grandes músicos portugueses: Fernando Lopes-Graça e Michel Giacometti, que ambos foram munícipes de Cascais.
            Criou-se no 1º andar do edifício dos Correios no Estoril o chamado Espaço-Memória dos Exílios, dedicado expressamente a documentar o que foi o acolhimento dado por Cascais aos muitos refugiados (monarcas, escritores, diplomatas…) da II Grande Guerra, que por aqui passaram e alguns acabaram por fixar-se.
            Fruto da doação do conhecido escritor e artista Reynaldo dos Santos, há ainda, na Parede, a Casa Reynaldo dos Santos e Irene Virote Quilhó dos Santos, transformada em centro de investigação.
            A remodelação levada a cabo, há alguns anos, no Parque Palmela, ora a usufruir de uma espaçosa entrada de feliz desenho urbanístico, dotou-o do Auditório Fernando Lopes Graça, também ele integrado no «bairro» e, desta sorte, a sua já abundante programação será doravante publicitada em conjunto com os demais elos da comunidade ora criada. O próprio parque, com todas as suas potencialidades (pistas para jogos de aventura, observação de espécies arbóreas mediterrânicas, à entrada, por exemplo, uma pequena mata classificada de dragoeiros…), foi incluído no conceito.
            Acrescente-se que novas infra-estruturas e valências culturais estão já previstas a breve prazo. Refiram-se: o Museu de História da Vila (de que há já um embrião nos baixos do Palácio dos Condes da Guarda, os Paços do Concelho), o Museu do Cartoon, o Museu do Automóvel Clássico e uma orquestra sinfónica (a juntar à Orquestra de Câmara de Cascais Oeiras, que desenvolve, também ela, um programa de excelência ao longo do ano). E que há a intenção de haver «a possibilidade de compra de bilhetes cruzados, a existência de passes diários» assim como o estabelecimento de protocolos com hotéis e restaurantes e concessionários de transportes públicos e parques de estacionamento.

O logótipo
            Vive-se da imagem, queiramos ou não. Por consequência, quando se pensou no conceito, decidiu-se de imediato que deveria existir uma imagem que o consubstanciasse.
            O convite foi endereçado a Irina Blok, reconhecida designer de origem russa ora a viver em S. Francisco, nos Estados Unidos, a criadora do logótipo do Google Android, convite que aceitou de muito bom grado, como tivemos ocasião de ouvir da sua boca no primeiro vídeo projectado no decorrer da sessão.
            E, como sempre acontece, resultou numa expressão bem simples: um quadrado com o quarto superior aberto, a dar possibilidade – como de resto, aconteceu – de nele esquematicamente se inserir a imagem estilizada de cada um dos equipamentos constantes da realidade «bairro», tarefa de que se incumbiu, com pleno êxito, Filipe Silva, designer da Casa das Histórias Paula Rego. Resultou muito bem – e há que aplaudir!
                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 01-03-2015:

 

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