sábado, 28 de fevereiro de 2015

Como é que vou safar-me desta?

Anjinhos
            Vinha bem embrulhada em plástico, a realçar-lhe o carmesim da capa. Preso com elástico, na quarta capa, um pendente de porcelana branca ostentava a legenda byfly e, na outra face, duas asas. Retirado, mostrava como que numa janela dois anjinhos tocadores. O tema do volume lá estava, numa outra janela recortada, assim que se abria: ANJOS. E escrevera-se: «um anjo caiu para dentro das páginas de um segredo».
            Armara-se o sarilho: como é que vou safar-me desta, agora que me preparava para – folheando duas revistas bem diferentes, dirigidas ambas por grandes amigos meus – falar de cultura e temáticas afins, com uns anjinhos, ainda que músicos, pelo meio?
            E comecei a folhear este nº 53 da Egoísta. Folhas grossas, das mais diversas cores, textos em letras de grandes módulos. Ou não. E ilustrações que nos espantam. E fotos. Não será possível ver sem emoção – digo bem, emoção e nada mais! – a beleza da sequência em que, sob o título «Poussière d’étoiles», como se das estrelas caísse uma poeira ténue e linda, Ludovic Florent retratou, em delicadeza suma, esse corpo quase angélico de uma bailarina. A fotografia, como a escrita, como os anjos – a guindarem-nos acima de uma realidade em que vivemos mas que necessidade hemos de sublimar.
            Que é de Natal esta Egoísta. E, por isso, o Director, Assis Ferreira, no editorial, evoca o que aprendeu de sua mãe (ainda me lembro dela, da sua serena ternura, meu caro Mário!), o seu Anjo-da-Guarda. Que «do Natal, sobrevivem os embrulhos de presentes, a euforia dos lojistas, a reunião das famílias, as memórias do passado, esparsas evocações humanistas…»; mas – importa retê-lo – «sobrevivem os Anjos, os nossos Anjos-da-Guarda que, por desígnio divino, não têm nome de baptismo», e são eles que, afinal, insistem em lembrar que, afinal, o Natal pode e deve ser algo mais: «É o riso das crianças, é a prece de viver, é a elevação da alma, é a compaixão do próximo, é o apelo da paz, é o sorriso a quem se ama!». Isso aprendeu do seu Anjo-da-Guarda. Isso importava que todos recordássemos nos «Natais de todos os dias».
            E pronto! Não resisto, porém, a folhear de novo. E a fixar-me demoradamente agora nas diáfanas roupagens brancas esvoaçantes da menina que Zena Holloway fotografou. Uns poetas estes fotógrafos, a maravilhar-nos!
            Não sei se minha neta mais velha quererá usar o pendente de porcelana branca com a frase by fly, «pelo voo». Tentarei, porém, nessa linha de pensamento, ensinar-lhe também que diariamente é preciso abrir asas e voar!...

A estrangeirada D. Marionela e a miopia da governação
            Mais complicado será passear-me agora por entre a beleza destas manequins a envergarem o que de melhor os costureiros mundiais lograram confeccionar quer para realçar a beleza dos humanos quer para, através dela, mais alegremente podermos saborear o quotidiano. Afinal, Marionela Gusmão, à sua maneira, traz, na Moda & Moda de Dezembro, a mesma mensagem de Assis Ferreira – caminhamos entre amigos! – há que emprestar ao dia-a-dia outra dimensão!
            Temos ali a moda na sua expressão mais actual e radiosa; temos, porém, uma outra faceta a que nem sempre se dá valor: a Arte! Até a entrevista com o conhecido oftalmologista de Coimbra, António Travassos, tem Arte pelo meio, diga-se desde já! Quem resistiria, por exemplo, à sedução daquela joalharia que nos mostra «flores de todo o ano»? Ou à suculenta reportagem, ricamente ilustrada, acerca da obra artística da ‘imortal’ Niki de Saint Phalle, que esteve patente em Paris, no Grand Palais? Sala onde se mostrou também, até ao passado dia 18 de Janeiro, uma «exposição exaustiva» da obra do japonês Katsushika Hokusai (1769-1849), instantâneos de uma serenidade bem oriental. Aliás, pelo Oriente nos quedamos com o texto, mui ilustrado, sobre a época de ouro da dinastia Ming (exposição no British Museum)… E «as origens da Grécia» (p. 56-60) – exposição no Musée d’Archéologie Nationale – são-nos mostradas «entre sonho e arqueologia», com imagens de objectos arqueológicos e de criações actuais neles inspiradas. Duas personalidades mereceram também a atenção de Marionela: Óscar de la Renta, «um génio da moda» que faleceu no ano passado (p. 104-106) e por quem nutria grande amizade e admiração; e Júlio Quaresma (p. 142-149), que teve, em Cascais, medalha de mérito municipal em 2003 e foi o autor do vencedor (mas defunto) Plano de Pormenor da Praça de Touros de Cascais: honrou-se-lhe o mérito, chumbou-se-lhe o plano depois!
            Mas, D. Marionela, a menina só fala de exposições nos museus estrangeiros? Não há nada de importante nos museus portugueses? Ah! Já sei. Há, mas iníqua lei da míope governação portuguesa não disponibiliza gratuitamente imagens dessas iniciativas, como prazenteiramente o fazem os museus estrangeiros. Queres imagens? pagas com língua de palmo! Por isso, é preferível omitir. Nada se passa de importante nos museus portugueses!
            Espere. Leu até ao fim? Sabia que era na cauda que estava o veneno, hein? Pronto, se leu, afinal já também me safei desta!...
             
                                     José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 81, 25-02-2015, p. 6.
 

1 comentário:

  1. Guilherme Cardoso, 28/2 às 11:07:
    «Essa dos museus, uma grande verdade. Muitos particulares, por acreditarem que a cultura é de todos, doam acervos próprios aos museus ou aos governantes, que por sua vez criam empresas para serem geridas por pessoas de sua confiança (?) que mais não fazem do que gerir economicamente os acervos que receberam graciosamente transformando-os em fonte de rendimento para o qual não contribuíram nada...».

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