Um
odor a salgadiço. Ausência presente de peixes cativos em luzidio estrebuchar.
Já não são de fibras naturais as malhas enegrecidas das redes; substituem-nas o
plástico resistente, multicolor. Geometria de quadrados repetida, repetida, a
tropeçar agora num baraço esfiampado e naquela bóia esférica, metálica,
corroída pelo sal, a magoar-se na ferrugem de abandonada fateixa.
Ancorados
estarão, porventura, os barcos que de redes, bóia e âncora se serviram, Pelo
aspecto, destes não mais se servirão. Pausa temporária ou abandono total, na
triste espera de um fim definitivo? Recordam, claro – como os humanos em curva
descendente… – andanças longas em águas tingidas pelas múltiplas cores que os
raios de Sol lhes despertavam. As cores do plâncton, dos ruivos, pescadas,
lustrosos carapaus, chicharros irisados…
Ancorados,
os barcos; ancorados, os homens que deles dependem. A sedução de uma serenidade
almejada que se sabe ser fugidia – que nova maré se apresta já e vamos partir
aos primeiros alvores do arrebol…
Essa,
a sedução do pescador; bem outra, afinal, a sedução que enfeitiça o Artista.
Sente o odor salgadiço, vê a infinita repetição do reticulado – e vai por aí,
numa homenagem aos homens do mar, a dar-lhes tons variegados e garridos, que para
negruras já basta a ansiedade dos dias. Queremos um banho de cor! Queremos
saltitar de alegria – como quem passa o rio em poldras e se delicia com a visão
das pétalas abertas de nenúfares ao rés d’água!...
Assim,
Nélio Saltão!
Aquando
do primeiro caminhar sobre essas oscilantes poldras da Pintura, fixou-se na
realidade concreta, qual Cézanne, inebriando-a de cor. Naturezas mortas, a
convidarem ao repasto; aquele saxofonista, a pedir atento escutar; a mesa de
jogo, a requerer meditação… Mas já nesta última o espírito geométrico e a fuga
do real se esboçavam. «Ancorados» sublima essa fuga – e deixa-nos encantados na
repetição sempre diversa, desigual como o são todas as aventuras pesqueiras.
Também
nós, sentindo-nos ancorados, achamos que o areal e o cais dos coloridos
apetrechos a esmo constituem forte apelo a um sonho urgente. E é isso que o
Artista quer!
José d'Encarnação
Nota: Abertura do catálogo da exposição ANCORADOS, de Nélio Saltão, inaugurada a 13 de Março de 2015, numa das salas do Centro Cultural de Cascais. Insere-se no âmbito das comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a vila e tem como objectivo homenagear os pescadores. Apresentam-se fotos do autoria do artista a mostrar os apetrechos de pesca em que se inspirou e dois dos quadros ali expostos.
De Joana Arez:
ResponderEliminarCaro José,
Se me permite... Amei o que li.
Que... tão bom!
Que tanta verdade. Que tamanho sentir. Que quanto saber. E, que imenso aprender nas suas palavras, a propósito da Obra de Nélio Saltão.
Deixo-lhe um grande abraço e os meus parabéns (num meu obrigada) pelo, vosso, dom da Palavra.