O assunto ora em debate foi a procura de uma resposta
para ‘o fim’ da Lusitânia, ou seja, como é que, surgindo as crises, os
Lusitanos delas se conseguiram desenvencilhar e daí brotaram novos modos e novas
perspectivas de vida. Uma temática, pois, sobremaneira actual e que ainda não
fora abordada, dado que, nas edições anteriores, se tratara das cidades
(Bordéus, 1988), dos campos (Salamanca, 1993), da economia (Madrid, 1993), da
cultura e da sociedade (Mérida, 2000), das comunicações (Cáceres, 2002). A 6ª
edição, realizada em Cascais ( Novembro de 2004), teve por título «A Lusitânia
entre o mito e a realidade» e tratou, por isso, da problemática religiosa. Por
seu turno, em Toulouse (Novembro de 2007), a preferência foi para o estudo de
como a Lusitânia, afinal, nascera e como haviam sido os seus primeiros tempos.
O programa desenvolvido
Ultrapassou as seis dezenas o número de participantes e foram 21 as comunicações
apresentadas.
José Luis Ramírez Sádaba
(Universidade da Cantábria) referiu os testemunhos epigráficos que, em Mérida,
assinalam essa transição entre romanos e bárbaros. José d’Encarnação (U. de
Coimbra) anotou a continuidade e a inovação registadas nos epitáfios cristãos
dos primeiros tempos em relação aos epitáfios romanos («pagãos», dir-se-ia…). José
Cardim Ribeiro (Museu de Odrinhas, Sintra), relacionou a divindade indígena Endovellicus
com o culto que, no mesmo local (Terena, Alandroal), viria a instalar-se,
dedicado a S. Miguel. Manuel Salinas de Frias (U. de Salamanca) chamou a
atenção para a importância de um marco cadastral salmantino do tempo de Constantino
II em relação com a organização político-administrativa da Lusitânia do século
IV.
Na tarde do primeiro dia, assinalou Amílcar Guerra (U. de Lisboa) as
perdurações onomásticas no Ocidente peninsular na transição do tempo romano
para a Idade Média. João Vaz começaria por focar, de seguida, aspectos
específicos da arquitectura do interior norte da Lusitânia na transição para os
tempos cristãos. Pedro Barbosa (U. de Lisboa) mostrou como foram considerados
os Judeus na legislação visigoda. Maurício Pastor Muñoz (U. de Granada) deu conta
de como haviam terminado os jogos de gladiadores e as partidas de caça (venationes)
nos últimos tempos da Lusitânia, por motivos religiosos e, sobretudo,
económicos. Javier Andreu Pintado (UNED – Universidade Nacional de Ensino à Distância)
teceu considerações acerca do significado das representações escultóricas dos imperadores
tardo-imperiais. Sabine Lefebvre (U. da Sorbonne, Paris) resumiu as questões
que se prendem com a recepção do poder imperial, aqui, desde o imperador
Diocleciano a finais do séc. IV. Jonathan Edmondson (U. de Toronto, Canadá)
salientou como se organizara a administração lusitana após as reformas de
Diocleciano. Trinidad Nogales, que exerce actualmente as funções de Directora-geral do
Património do Governo da Extremadura, deu conta das actividades em curso, de há
uns anos a esta parte, no Centro de Estudos da Lusitânia, criado no Museu
Nacional de Arte Romano de Mérida.
Antes do jantar social, gentilmente oferecido pelo
Município, os participantes puderam inteirar-se in loco dos resultados das investigações arqueológicas levadas a efeito
no sítio romano conhecido por Citânia da Raposeira, onde se identificaram
significativas estruturas, designadamente habitações, condutas e um edifício
termal, cuja consolidação e consequente musealização se pretende agora levar a
cabo, por iniciativa camarária.
No 2º dia, Mélanie
Wolfram (U. de Évora) sintetizou as conclusões a que chegara sobre a cristianização
da Lusitânia meridional, no âmbito da tese de doutoramento que recentemente
defendera. André Carneiro (U. de Évora) manteve-nos no Alto Alentejo, para
mostrar a mudança e a continuidade aí registadas no âmbito do povoamento rural
durante a Antiguidade Tardia. E pelo Sul permanecemos, pois que Maria Conceição Lopes traçou a evolução da cidade romana de Pax Iulia até
ser Beja. Inês Vaz Pinto, a arqueóloga ora responsável pelo sítio romano de Tróia,
patenteou-nos o que dele se sabia em relação a esse período cronológico. E se
Maria João Santos, bolseira de doutoramento do Instituto Alemão, apontou o
sítio de Mogueira (Resende) como «um espaço sagrado na encruzilhada entre dois
mundos», Guilherme Cardoso (arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa e presidente
da Associação Cultural de Cascais) assinalou o elevado interesse histórico de duas
necrópoles medievais (ditas ‘visigóticas’) do concelho de Cascais: a de Miroiço
de Manique e a de Alcoitão.
A última sessão teve três intervenientes: Adriaan de Man (U. Nova de
Lisboa), em seu nome e no de Catarina Tente, referiu-se à «fragmentação e
emergência de poderes no território de Viseu», no final da Lusitânia. Também
Pedro Carvalho (U. de Coimbra, que, na circunstância, também representou a
direcção da Faculdade de Letras) abordou o registo dessa fase terminal «nas
paisagens rurais do interior norte da Lusitânia». Por fim, Carlos Fabião (U.
Lisboa) dissecou a continuidade e as rupturas documentadas nos séculos V e VI
no Ocidente peninsular.
Pode, pois, concluir-se que, numa época em que – amiúde para se aumentar
o obrigatório currículo institucional – se multiplicam reuniões científicas,
esta VIII Mesa-redonda internacional da Lusitânia cumpriu cabalmente o seu
papel de manter uma tradição de sistemática pesquisa histórico-arqueológica acerca
de um território romano que, até há umas três décadas atrás, pouco interesse
despertara entre a comunidade científica internacional. E Mangualde soube,
assim, honrar uma tradição em que se irmanam, de modo especial, investigadores
de três países: Portugal, Espanha e França.
Publicado em Cyberjornal,
15-05-2013:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=18306&Itemid=30
(com fotos de Guilherme Cardoso)
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