Enchem o olho as «Conferência do Estoril»,
aonde acorreram – gratuitamente, claro! – nomes sonantes da intelectualidade
mundial.
Fomos solícitos a fazer filmes sobre
a excelência do nosso País, muito acima das vulgares nações europeias.
Invadiram-nos as motos e foi um
espectáculo!...
À força, porém, de querermos ser ‘europeus’
– carago! Sempre o fomos, não? – corre-se o risco de esquecer aqueles
pormenores distintivos, identitários.
Em Manique, travava-se – ao que
parece – luta titânica para que o muro de sustentação
das terras na estrada sul fosse de alvenaria, para condizer com o típico do
local. Essa batalha ganhou-se, a custo; perdeu-se, ao que parece, a guerra de
haver acompanhamento arqueológico numa zona tão sensível como é o rossio dessa
aldeia, cujo solo é, seguramente, escrínio a não esperdiçar. Esperdiçou-se.
Diante da vetusta capelinha de
Murches, que é monumento, levantou-se um muro de betão. Ergueram-se vozes, incrédulas
perante a insensibilidade de quem apresentou o projecto assim, a trouxe-mouxe,
sem o mínimo respeito pelo «Génio do local». Vai remediar-se, dizem-me; mas o
mal foi feito, o dinheiro gastou-se, a incompetência imperou. Talvez incompetência
não o seja, afinal; eu chamar-lhe-ia, antes, ignorância, falta de sensibilidade
histórica e ambiental, ordens dadas ao jeito do senhor ministro que é de altíssima
craveira intelectual, tão alta, tão alta que não consegue enxergar a realidade
em que (não) vive.
Soube, há pouco, que também passara
pela cabeça de alguém iluminado que Fernando Pessoa era um produto turístico de
monta, a trazer para Cascais, que o pagode tira fotografias ao lado dele, no Chiado,
por obra e graça da inteligência do Professor Lagoa Henriques, e se tira lá,
também tira aqui, ora tem que ser! Vamos a isso! Então o homem não concorreu a bibliotec ário aqui? Foi preterido, é certo, a favor (dizem!)
de um cascalense, pinto r, com provas
dadas no domínio da bibliotec onomia
e da Arte, pois não se tratava apenas de uma bibliotec a
que estava a concurso mas de um Museu-Bibliotec a!
Deixá-lo! Podiam ter escolhido o Poeta, não podiam?... Isso foi obra de cunha,
de certeza, oh! se foi!...
Pois traga-se Pessoa para Cascais. Instale-se
no museu para que não foi nomeado. E para isso – pasme-se!... – desmonta-se a
única exposição arqueológica que
Cascais tem! Velharias, cacos partidos, uns ossinhos (um deles até mantém anel
d’ouro na falange, mas não interessa!…), tudo lá dos tempos pré-históricos, sem
dinossáurios nem nada! Abata-se a exposição ,
prante-se nela o gabinete do injustiçado Pessoa, pois então!
Aquelas peças pré-históricas vêm em
todos os livros da especialidade, são únicas e até já se fizeram sobre elas mui
lustrosas publicações? Deixá-lo! F. Pessoa é que é bom! Toda a gente o leu de
fio a pavio, com todos os heterónimos – e é preciso que se proclame alto e bom
som que o senhor concorreu a bibliotec ário
em Cascais, assim bem perto do Atlântico, para estar bem sossegado e poder
escrever mais e mais, e que foi preterido por uns miseráveis de então, a favor
de um tal de Carlos Bonvalot, de renome internacional (parece…), e que até fez,
enquanto conservador, trabalho digno, exemplar… Contudo, isso não é produto
turisticamente vendável, pois não?
O que ora mais me espanta é o império
da Ignorância. Do fazer por fazer, sem estudar, sem pensar, sem a preocupação de ouvir pareceres abalizados. Dizem-me que isso
tem um nome e que é o que se está já a dar aos governantes europeus: são… autistas!
Acho que é um nome bonito. Rima com artistas, com especialistas, com turistas…
Vem mesmo a calhar!
Publicado
em Jornal de Cascais, 08.05.2013,
p. 6.
Rui Branquinho: Nada é estranho! Até a Agenda Cultural já ficou sem o Cultural! Em Cascais tudo pode acontecer. Força, Professor! Um abraço.
ResponderEliminar21 h. de 27-05-2013