Depois
de, na noite de 7 de Junho, das janelas dos Paços do Concelho de Cascais se
terem ouvido fados a relembrar as décadas de 60 e 70, o período em que o fado
por aqui morava «fora de portas», foi a vez de o Casino Estoril realizar, a 17
de Junho, a 14ª Grande Gala do Fado, numa sempre sentida evocação do fadista
cascalense Carlos Zel (1950-2002).
Pretexto
para reencontro de habituais frequentadores das boas noites de espectáculo no
Salão Preto e Prata, que, mais uma vez, esteve lotado, a Gala teve acompanhamento
de José Manuel Neto à guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença (viola de
fado) e Daniel Pinto (Didi) na viola baixo. Foram, aliás, os músicos, que,
ainda não eram 23 horas, deram o mote, numa guitarrada que se aplaudiu. Como
cenário, uma dúzia de guitarras penduradas, em sedução...
Começou
Ricardo Ribeiro, camisa branca caída, lenço a descansar sobre o peito: «Entrega»
(da Amália); o seu «Não rias»; «Bairro Afamado» («Gente boa, gente honrada /
Fadistas venham comigo / Ouvir o fado vadio. E cantar ao desafio»); «A Alma do
ganhão» (dolente, a ressumar Alentejo…).
Às 23.15, Gisela João. Minivestido carmesim,
longos cabelos lisos, sapatos carmesim também, saltos altos, uma túnica pelas
costas. «Meu amigo está longe», um dos seus grandes êxitos, voz
dolorida, quente, arrepia!… «Vieste do fim do mundo». «(A casa da)
Mariquinhas», como só ela sabe interpretar, quase numa conversa cantada. Depois,
em homenagem a Manuel de Almeida, «Fado corrido» (como ainda ecoam pelos
pinhais de Birre essa voz rouca do Manuel, e não deixávamos passar uma noite
sem que ele nos brindasse com o corrido, como só ele sabia cantar – e Gisela
João vai muito bem!...).
Camané, fato azul, camisa branca,
sem gravata, anunciado – como todo o espectáculo, como vem sendo habitual – por
Branca Frazão, viúva de Carlos Zel, que evocou os tempos do
Kopus Bar. «Sei de um rio… rio onde a própria mentira / tem o sabor da verdade»,
seguramente um dos seus trabalhos mais significativos e que melhor se ajusta à
sua voz; «A correr» (“sem repararmos que a vida passa por nós a correr”… e é
verdade, não reparamos!); «Lume» («… e acendeste-me o cigarro»). «Saudades
trago comigo» foi o seu 4º fado («… é morrer cantando o fado nos braços de uma mulher»…).
Carminho.
Calças pretas, suspensórios sobre uma blusa branca, sapatos pretos de salto
alto. Começou com o seu «Lágrimas do céu» (‘quando eu canto e a chuva cai”…).
Evocou as ‘quartas de fado’ de Carlos Zel. «As pedras da minha rua». «Malva
Rosa». A terminar, «Meu amor marinheiro»… tinha que ser! (Já reparáramos que o
som estava demasiadamente alto, e o fado quer-se discreto e Carminho poderia
ter cantado com menor volume, gostaríamos mais…).
João
Ferreira Rosa. Mãos nos bolsos, de negro a camisa. «Ando na vida à procura duma
noite menos escura…» – o fado ‘Triste sorte’, de Alfredo Marceneiro. «Fragata» –
o segundo fado, um êxito consolidado. «Arraial», que ora outros fadistas também
incluem no seu repertório, mas ninguém o canta como o seu autor. Finalmente, não
podia deixar de ser, o «Embuçado», inimitável!...
Maria
da Fé. Vestido preto comprido, longo colar branco e brilhante, túnica breve em
vez de xaile. «É daqui da minha terra». Recorda que pisou este palco em 1971 e
agrada-lhe voltar. «Valeu a pena» – a sua declaração de vida! «Divino fado», um
fado corrido, minha mãe eu sou do tempo da força que a água tem!... E um final
bonito: «Cantarei até que a voz me doa!».
Ovação.
Meia-noite e 26 minutos. O agradecimento sentido de Branca Frazão a quantos
estiveram presentes nesta noite e, de modo muito especial, aos fadistas.
E
saímos. Carentes de algum aconchego, quiçá. No «Lounge D» (antigo jardim de
inverno), havia fado também…
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, 2015-07-02:
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