Por
outro lado, os novos paradigmas socioeconómicos e culturais da década de 60, a nível europeu, que,
entre nós, os ideais de Revolução do
25 de Abril prontamente aceitaram, alteraram substancialmente a vida familiar,
como célula (queiramos ou não) da sociedade.
Assim,
pouco a pouco se desmoronou a família alargada, saudável convívio de gerações,
que mutuamente se influenciavam, mormente na transmissão de saberes – de avós a
filhos e netos. As novas exigências económicas (leia-se: o desmesurado aumento
do consumismo) e o exercício simultâneo de uma profissão fora de casa tanto dos
pais como de avós (homens e mulheres) determinaram que a Escola passasse a ser
o espaço primordial da aprendizagem da vida em sociedade. A omnipresença da televisão
– quer com programação infantil
específica quer porque os programas de maior interesse para os adultos passam à
hora das refeições – provocou drástica diminuição
do diálogo intergeracional. Recordo que, um dia, meu filho Pedro, já adulto, me
disse que o que mais recordava como enternecedor da sua meninice eram os momentos em que eu lhe pegava ao colo.
Compreendi o alcance da observação ,
até porque esse é também o mimo preferido dos gatos e – caso curioso! – os pais
facilmente cedem o colo ao seu gatinho de estimação ,
mesmo enquanto vêem as novidades no smartphone,
e nem sequer se apercebem de que também ao filhote pequeno agradaria esse
aconchego…
Nos
ambientes rurais, em que o espírito de comunidade e de vizinhança se mantém,
ainda as crianças vêm para a rua brincar (jogar à bola, às escondidas, à
apanhada…), o que constitui boa aprendizagem de convivência. Nos ambientes urbanos
– em que mais se faz sentir também a «ditadura» da propaganda consumista (o
menino calça ténis de marc a, usa
mochila com os heróis da banda desenhada do momento…) e maior é a insegurança –
até os programas televisivos infantis estão a ser substituídos pelas infinitas
possibilidades que o tablet oferece e
os próprios pais passam mais tempo nas redes sociais do que a preocupar-se com a
vida real, a das pessoas que estão a seu lado. Têm corrido mundo imagens de
amigos e famílias inteiras que, estando juntos, não olham sequer uns para os
outros, tão embrenhados estão na veloz sucessão de notícias ao alcance do
simples deslizar de um dedo…
Rapidamente,
as crianças aprendem a mexer nos aparelhos, com uma facilidade que deixa os
adultos estupefactos e, amiúde, preocupados também (as crianças passam de um
programa para outro, norma lmente
protagonizados por violentos super-heróis, dotados de super-poderes, onde matar
o inimigo é o objectivo principal…), ainda que, mesmo a nível escolar, o computador
e o tablet estejam a ser opção educativa de vulto.
Contra
o inegável perigo do exacerbado individualismo e da progressiva perda de
identidade cultural – de que todos estamos, de facto, a tomar clara consciência
– as entidades públicas locais não hesitam em criar parques infantis, em
proporcionar espaços verdes para a prática desportiva de novos e de menos
novos, em preparar estruturas apetecíveis para que as famílias ou grupos de
amigos aí possam piquenicar e relaxar.
De
consequências nada saudáveis do ponto de vista psicológico é a atrás referida
perda de identidade. Ou seja, importa que a criança volte a sentir-se membro de
uma comunidade, cujas raízes deve conhecer. Não há necessidade, obviamente, de
explicitar noções de ‘património’, ‘beni culturali’, ‘heritage’… Tal consciencialização está bem patente em iniciativas ( de escolas ou
de bibliotecas, por exemplo) como a «hora do conto», a ida de avós às turmas
para narrarem as suas experiências e histórias, o regresso à prática dos jogos tradicionais...
Outras
das preocupações a que, felizmente, se está a dar muita atenção é a saúde. Aumentou substancialmente a
natalidade. Diminuiu drasticamente o número de mortes prematuras e mesmo de
nados mortos: amiúde se noticiam verdadeiros «mila gres»
de sobrevivência pós-parto em condições assaz difíceis. E estão a
diagnosticar-se mais precocemente doenças que, até há pouco, só em idade adulta
se revelavam: anomalias auditivas ou visuais, síndrome de asperger e todo o cortejo
de deficiências psíquicas que implicam tratamento específico e para as quais se
estão a concretizar acções com êxito em contexto escolar, inclusive em estabelecimentos
especializados como as CERCI – Cooperativas de Educação
e Reabilitação de Cidadãos com Incapaci dades, largamente acarinhadas pela população em geral.
Um
panora ma risonho, este? Perfumada
rosa isenta de espinhos?
Não.
Um quadro tem necessariamente luz e sombras e estas acabam por realçar aquela. E,
neste âmbito, há, de facto, sombras que me preocupam:
a)
a facilidade com que, por motivos fúteis, se contraem e
se desfazem matrimónios, não se acautelando devidamente o equilíbrio psíquico
dos filhos;
b)
a impossibilidade prática – por razões de segurança –
de as crianças irem e virem sozinhas da Escola, a pé ou mesmo utilizando transportes
públicos;
c)
as notícias, que já são mais frequentes, de maus tratos
e mesmo de cruéis assassinatos em ambiente familiar ou do bullying em ambiente escolar;
d)
as enormes peias burocráticas que envolvem os processos
de adopção , a que (suspeita-se) não
serão alheios, em alguns casos, esquemas de corrupção ;
e)
a pressa com que usam os tablets, em rápido movimento digital, pressa que fomenta a distracção , o passar pelas «coisas» sem as ver, a falta de reflexão,
pressa de que os próprios adultos dão exemplo (veja-se nos transportes públicos…).
Portugal
não será, nestes aspectos, diferente dos demais países europeus. Parar de vez
em quando, para vermos melhor as nossas crianças constitui, por isso, mui
salutar exercício. E esse, agora, tivemos oportunidade de fazer.
José d’Encarnação
Publicado em Portugal-Post (Correio luso-hanseático) [Hamburgo], nº 62, Novembro de 2017, p. 28-31
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