Há
dois minutos que não andamos. Uma jovem bonita faz sinal ao motorista:
‒
Foi você que me levou ao Largo Camões? ‒ perguntou com sotaque brasileiro.
‒
Eu não.
‒
É que eu deixei o telemóvel no carro!
‒
Um telemóvel?!... Esqueça!
Continuamos
a passo de caracol. Toca o telemóvel do motorista. Oiço frases entrecortadas:
‒
E agora?... Não deixes alguém ocupar a tua cabeça sem pagar!... Vamos olhar em
frente!... E como é que foi isso?... Força, rapaz!
Voltou-se
para mim, telefonema terminado, e explicou:
‒
Este moço foi estudar para o estrangeiro e veio com ideia s
novas. Criou um galinheiro com máquinas sofisticadas. O negócio estava próspero.
Esta noite, roubaram-lhe 40 galinhas e uma das máquinas sofisticadas. Eu gosto
dele, é dinâmico, empreendedor!
Estava
um caracol ao nosso lado e quase nos ultrapassava. Disse o motorista:
‒
Eu herdei um terreno do meu avô. Plantei-o de árvores. Tinham pegado há pouco
tempo e roubaram-mas. Não desisti e voltei a plantar. Agora, ardeu tudo e, no
dia seguinte, já não tinha sequer os troncos queimados. Vieram roubar-mos!... Isto
está tudo a saque!
O
carro não avançava. O motorista voltou-se para mim:
‒
Vê como está o trânsito. Continuamos ou fugimos?
‒
Sim, fugimos! ‒ respondi prontamente.
Tomámos
um percurso alternativo e depressa cheguei ao destino.
No
silêncio do comboio cheio, a pergunta «fugimos?» martelava-me na cabeça. É que
um quarto da minha família, da geração
a seguir à minha (filhos, sobrinhos, netos…) também ela já fugiu. Vive no
estrangeiro.
É
por isso que eu não queria escrever esta crónica!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 718, 1 de Novembro de
2017, p. 11.
Vitor Barros 3-11-2017
ResponderEliminarMuito boa esta crónica. Abraço.
E eu não a queria ter lido! Mas li-a, e ainda bem! Fugimos?
ResponderEliminarCreio bem que sim!
EliminarQue texto tão simples e conciso.... Belo texto Professor
ResponderEliminarJulio Manuel Pereira
ResponderEliminarMais uma história triste da chicoespertice nacional de um Portugal a saque a todos os níveis.
Berta Duarte
ResponderEliminarUm abraço, Prof. José d' Encarnação. Saudades do seu convívio.
Maria Mattyes
ResponderEliminarSem dúvida, uma crónica analítica da actualidade portuguesa. Estamos metidos em grandes trabalhos, Amigo Zé!!!
Albino Ladino
ResponderEliminarParabéns pela crônica está ótima. Um abraço amigo.
Adelaide Chichorro Ferreira
ResponderEliminarWelcome to the club.
Glória Marreiros
ResponderEliminarÉ divina a sua escrita, estimado professor José d'Encarnação! Abraço!
Gisela Campos
ResponderEliminarMais uma das suas belas histórias e crónicas... Continuo a ler as suas crónicas, histórias publicadas no Jornal da Região, saudades da sua presença em belos encontros.
Como poderemos mudar tudo isto?Como?
ResponderEliminarE Portugal ainda é considerado bom para se viver...
Fernanda Valdez Carreiro 4/11 às 23:11
ResponderEliminarExpedientes de oportunistas que vale sempre denunciar, caro Zé Manuel. Abraços nossos