Inimigos maiores dos serviços de limpeza, as teias e
o pó. Aquele abençoada aranhinha que logra escapulir-se-nos, semana após
semana, e não há meio de a apanhar e ela teima a armar a teia ali. E aquelas
poeiras desgraçadas a entrarem-nos pelas frinchas das janelas e a depositarem-se,
todas contentes, nas estantes do escritório e na mesinha de cabeceira.
Teias
e pó, sinónimos do tempo que passa.
Não
foi sem alguma emoção que o nosso anfitrião, na visita àquelas caves da Rioja,
nos apontou a zona das garrafas mais antigas, antigas de décadas, cobertas de
pó e já nem sei se teias de aranha também teriam. Cresceu-nos água na boca, ao
imaginar que precioso néctar guardariam!...
Diferente
foi, porém, a reacção ao percorrer devagar, a 10 de Novembro, as ruas do centro
histórico de Castelo Branco. Emoção, sim; não, porém, de um saboreio imaginado.
«FRANCISCO
TAVARES PROENÇA JR. NESTA CASA VIVEU O ARQUEÓLOGO E FUNDADOR DO MUSEU.
HOMENAGEM DA XVIII ROMAGEM DE SAUDADE DE ANTIGOS ESTUDANTES DE CASTELO BRANCO.
NO 1º CENTENÁRIO DO MUSEU». Luzidia,
a placa de granito acinzentado e polido; letras bem legíveis, a negro. A parede
onde se afixou mui escafelada está, a denunciar abandono.
Escafelos,
de resto, foi o que mais vi nestas estreitas ruas antigas, e placas «vende-se»,
janelas e portas trancadas… Teias e pó. Um halo de enorme tristeza nessas artérias
de ricas portadas quinhentistas. Porque não se vive aqui? Porque está tudo para
venda? Porquê este abandono letal?
E
dei comigo a entrar num palacete. Abriu-mo o descendente dos seus proprietários
avoengos. Meio obscuro, foi preciso accionar os disjuntores para umas lâmpadas
esparsas. Teias e pó. Móveis d’outrora me cumprimentaram em disfarçado sorriso.
Panos tentam proteger preciosidades. Escadaria solene. Sabes, segredaram-me os
degraus de mármore, sabes: temos saudades de vestidos roçagantes a subirem para
o jantar de gala! Eu acreditei neles. No rodapé, a acompanhar-nos na subida, painéis
de azulejos retratam cenas cortesãs e campestres, evocação de tempos idos. Mais
azulejos ali, na sala grande, celebram as estações do anos. Assomei-me à janela
que dava para o jardim das traseiras, por onde, agora, tudo crescia à vontade;
uma cadelinha, cega duma vista, correu a saudar-nos…
Enormes interrogações e plangentes dúvidas me atormentaram os dias seguintes.
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 858, 01/02/2024, p. 10.
É triste ver, neste país, o património arquitectónico, civil e religioso, abandonado ao pó e às teias de aranha.
ResponderEliminarPor um lado as entidades responsáveis deixam ruir, escalavrar, levar "emprestado" para sempre (azulejos, por exemplo). É a primeira parte de um conluio...
Depois dá-se plena liberdade para que se expanda a indústria imobiliária nas suas várias vertentes.
Se for preciso sacrificar um imóvel de valor cultural para implantar mais um prédio de andares que renda, não se olha a meios.
Rectroescavadoras, ganância, lucro fácil, levam à frente séculos de respeitoso cuidado com o saber, aqui ou no núcleo histórico de Castelo Branco.
Muito grata pelo texto. Vem lembrar como estamos entregues à bicharada, muito mais danosa do que um exército de aranhas.
Condivido le tue considerazioni, caro José, poiché ciò che è stato creato per la bellezza e la gioia, essere sempre curato mantenuto . Eugenia Serafini
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