domingo, 24 de janeiro de 2010

As vias e as suas tradições

Já tive ocasião, no nº 29/30, Set/Out 2006, p. 20, desta revista, num texto sob o título «As placas do ACP, um património “ancestral”», de chamar a atenção para a relevância que detém a sinalização toponímica, porque, por detrás de um nome e de uma placa com determinada forma e decoração há uma intenção política, uma mentalidade, uma sugestão...
Queixava-se Luís Pereira de Sousa, em recente crónica no nosso prezado colega local Jornal da Costa do Sol (edição de 12.11.2009, p. 3) que vivíamos rodeados de auto-estradas e que, por tudo e por nada, lá nos metíamos por uma adentro. E depois, com a pressa, «não vimos a nossa terra nem ouvimos a nossa gente». «Começa a ser cruel e às vezes até desumano», desabafou. E é verdade! Para irmos saborear um cozido à portuguesa a Canal Caveira, temos de sair da auto-estrada. E que saudades das bifanas do Bigodes, ali em Venda das Raparigas ou das chamuças e do arroz malandrinho naquele restaurante sempre à pinha, sobre o viaduto do caminho-de-ferro em Pombal, na EN nº 1!
Pois as placas toponímicas servem para isso, para assinalarem itinerários e têm histórias para contar.
Veja-se esta, de Coruche: a edilidade achou por bem deixar bem marcadas as várias fases por que passou aquela praça. Em finais do século XIX, imperava a burguesia, os negócios eram importantes e, por isso, ali era a Praça do Comércio. Implantou-se a República, foi a euforia e, portanto, a praça virou «5 de Outubro». Veio o 25 de Abril. Uma liberdade sonhada – ainda hoje sonhada, afinal!... – e a praça proclama-se «da Liberdade».

Um recanto em S. Pedro do Estoril
Hoje queremos de novo voltar ao tema, porque temos medo que soprem por aí uns ventos de mudança e, tal como aconteceu à placa antiga que estava na parede do cemitério de S. Domingos de Rana a indicar ESTRADA PARA ALBARRAQUE E CINTRA e que, nas obras, os operários acharam por bem acabar com a velharia… também isso pudesse vir a acontecer em S. Pedro.
Já se passeou, decerto, o amigo leitor pelos bonitos arruamentos que integram o conjunto do Centro de Interpretação Ambiental da Pedra do Sal (Pedra e não Ponta, como erroneamente antes se chamou). Claro que é a paisagem de mar que lhe interessa – e faz muito bem. Mas imagine que, a dado passo, saboreando a aragem em direcção a S. João, olha para a sua direita. É capaz de ficar admirado, se tiver olho de lince e houver da sua parte alguma apetência para dar atenção aos pormenores em que se nos vai a vida. Pois então, se olhasse com atenção, pasmaria decerto, pois veria que, ali, a suposta e impante marginal não se chama assim, ao que parece. A placa lá está, bem à vista e esperemos que assim se conserve: RUA DE CASCAIS. E se mais curioso ainda for, verá que, na outra parede dessa casa de esquina da rua que outrora desembocava na marginal, há uma outra placa, encimada com as siglas do ACP, que reza assim: MURTAL – e lá está a seta a indicar a direcção.
Estão, felizmente, em excelente estado de conservação, tanto uma como outra, solenes na sua missão de mostrarem um passado que se não deveria olvidar: antes de ser atropelada pela Marginal, por ali havia a Rua de Cascais; antes de criarem novos circuitos e proibições, por ali se ia até ao Murtal, a povoação mais importante a norte de S. Pedro, nas décadas de 40 de 50 do século passado.
Estão bonitas, são memórias – vamos continuar a preservá-las!













Publicado em Sekreta [Cascais], II série, nº 2, Dez 2009, p. 8-9. [Da série ‘Dos patrimónios cascalenses’]

Sem comentários:

Enviar um comentário